O setor de energia no país tem adotado o silêncio como regra. Às portas de duas grandes negociações - o leilão da hidrelétrica de Jirau e a privatização da geradora estatal paulista Cesp -, construtoras, fundos de investimento e empresas de energia andam fugindo dos holofotes, mas não do vaivém dos bastidores. E a discrição tem sua lógica. Ninguém deseja aparecer antes de ter firmado suas parcerias e estratégias, principalmente agora que o governo federal marcou o dia da licitação de Jirau, a segunda e última hidrelétrica do complexo do rio Madeira, para 9 de maio deste ano.
Investimento estimado para algo em torno de R$ 10 bilhões, Jirau está na mira da franco-belga de energia Suez, das construtoras brasileiras Odebrecht e Camargo Corrêa, das estatais do setor Furnas, Eletrosul e de fundos internacionais de investimento. Também desperta o interesse da mineira Cemig e de grandes grupos privados do setor elétrico, como a CPFL.
Até o consórcio capitaneado pelas construtoras brasileiras Alusa e Schahin, que poucos dias antes do leilão da primeira usina do Madeira (Santo Antônio) perdeu a parceira estatal Eletronorte e acabou também desistindo do processo de venda, poderá voltar a carga em Jirau.
Segundo José Reis, presidente da consultoria EuroVentures, um dos responsáveis pela montagem deste consórcio que tinha a construtora italiana Astaldi e um fundo de investimento do banco austríaco Meinl Bank, uma reunião deverá ser realizada na Áustria na próxima semana. "Ainda não definimos nada e acredito que dê para nos organizarmos até maio. Trataremos disso com o Meinl Bank", conta Reis ao Valor. Procurada, a Alusa não se manifestou sobre o assunto, assim como a Camargo Corrêa.
Já a filial local da franco-belga Suez foi direta. Mesmo sem assegurar se repetirá a dobradinha de Santo Antônio com a estatal Eletrosul, o grupo afirma que irá brigar por Jirau. E conta que a privatização da Cesp não atrapalhará em nada os planos da multinacional. Em outras palavras, a Suez enxerga que tem condições de se estruturar financeiramente para ficar, se for o caso, com os dois ativos.
É fácil entender a agitação nos bastidores por Jirau. Afinal, construir a segunda hidrelétrica do Madeira deverá ser tão rentável quanto erguer a primeira, a usina de Santo Antônio, leiloada em 10 de dezembro de 2007 e vencida pelo consórcio liderado por Odebrecht e Furnas.
Na oportunidade, o consórcio vencedor ofereceu um preço de R$ 78,9 para comercializar cada megawatt/hora (MWh) de Santo Antônio, o que causou espanto entre os competidores. Afinal, não é todo dia que um empreendimento orçado em R$ 10 bilhões é negociado por um deságio de 35% em relação ao preço-teto estabelecido de R$ 122 por Mwh. Em Santo Antônio, assim como em Jirau, vence quem oferece o menor valor por Mwh.
Sendo assim, há quem veja um certo favoritismo do consórcio vencedor de Santo Antônio na licitação de maio próxima, fruto do forte deságio praticado. "Caso o mesmo consórcio fique com Jirau, muito provavelmente existirão sinergias razoáveis entre os dois empreendimentos", avalia Felipe Cunha, chefe de análise da Brascan Corretora. "Pode-se aproveitar o canteiro de obras, situações na construção civil e até em relação aos equipamentos", exemplifica. Além de Odebrecht (17,6%) e Furnas (39%), o consórcio vencedor de Santo Antônio contou ainda com Cemig (10%), Andrade Gutierrez Participações (12,4%), Santander/Banif (20%) e a Construtora Norberto Odebrecht (1%).
Contudo, um executivo próximo a Odebrecht conta que não existem tantas sinergias e alega que Jirau tem sua própria estrutura de custo. Sem entrar em detalhes, esta fonte explicou que algum ganho existiria se os leilões desses empreendimentos tivessem sido feitos juntos. E revelou apenas que as negociações estão em andamento para a estruturação do consórcio para Jirau. "Mas não tenha a menor dúvida de que a Odebrecht tem a intenção de disputar Jirau", afirma.
Só que a vontade dos participantes em disputar Jirau será guiada mesmo pelo tamanho do deságio. Caso a dupla Odebrecht/Furnas repita a estratégia de Santo Antônio, o resultado será idêntico. Naquela oportunidade, a dupla nocauteou o pregão ao oferecer logo de cara um valor 35% menor, colocando ponto final na licitação em sete minutos.
De acordo com a Suez, a companhia estará no jogo se tiver uma taxa de retorno aceitável. "Nós não conhecemos as premissas básicas do consórcio vencedor de Santo Antônio, mas pelos números que temos o retorno nominal seria um pouco maior que 10% ao ano", explica Felipe Cunha, chefe de análise da Brascan. E esse número é considerado baixo pelos competidores da Odebrecht.
José Reis, da EuroVentures, conta ainda que a reunião da próxima semana fatalmente tratará do preço de venda de Santo Antônio. "É por isso que não podemos afirmar que o Meinl Bank estará conosco, porque o valor da primeira usina foi muito baixo", conta Reis.
Atualmente, o consórcio vencedor negocia com os bancos financiamento de quase 40% dos recursos para Santo Antônio. Isso, equivale a pelo menos R$ 3,4 bilhões.
(Por Maurício Capela, Valor Econômico, 30/01/2008)