A legislação brasileira sobre o licenciamento ambiental da agricultura irrigada não é padronizada e possui critérios de difícil cumprimento e, por muitas vezes, aleatórios. Uma pesquisa de doutorado apresentada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP de Piracicaba, mostra o impacto ambiental que pode ser causado pelo mau uso da irrigação na agricultura nas áreas de montante (de onde vêm as águas do rio) e jusante (para onde as águas vão) e no perímetro irrigado e a necessidade de uma regulamentação ambiental para as plantações irrigadas.
Segundo o engenheiro agrônomo Wulf Schmidt, autor do estudo, na montante os problemas decorrem principalmente da captação da água, em saber o quanto pode ser retirado do rio sem comprometer sua vazão. “Saber o quanto pode ser retirado do rio sem comprometer sua vazão a jusante e os ecossistemas dela dependentes, é fundamental na implantação de qualquer escala de projeto de agricultura irrigada”, afirma.
O perímetro irrigado afeta o ambiente devido ao uso intenso de agroquímicos, já que as plantações irrigadas produzem normalmente cerca de duas a três safras por ano, de acordo com Schmidt, e usam adubos e pesticidas na mesma proporção. O uso desproporcionado da água na irrigação cria também o fenômeno do escorrimento superficial, gerador de processos erosivos, e a contaminação de águas subterrâneas pelos agroquímicos nas comunidades a jusante do rio.
O agrônomo destaca ainda “a percepção pública de que a agricultura em geral, e em particular a irrigada, é uma desperdiçadora de água por consumir cerca de 60% da água doce do planeta”. De acordo com ele, “esta percepção é equivocada, já que as plantas necessitam da maioria dessa água em seus processos fisiológicos e a devolvem ao ambiente em forma de vapor”. Esta característica, segundo Schmidt, possibilita o uso da agricultura irrigada como filtro de águas residuárias, geradas pela atividade humana nas cidades e indústrias e que seriam lançadas em rios, lagos e mares.
Dada a importância dos recursos hídricos no ambiente, todos os cuidados necessários para que a agricultura irrigada não se torne uma catástrofe ambiental requerem uma legislação específica. Schmidt fez uma análise da dinâmica dos processos de outorga ambiental da agricultura irrigada e afirma, sem dúvida: “Faltam critérios nos parâmetros estabelecidos para agricultura irrigada no Brasil”.
Os códigos das águas
A comparação de outorgas ambientais foi feita entre as legislações específicas de três estados brasileiros, São Paulo, Minas Gerais e Goiás, e a legislação federal, regulada pela Agência Nacional de Águas (ANA), autarquia do Governo brasileiro.
Segundo Schmidt, a legislação paulista é a mais avançada. Comitês de bacias hidrográficas implantados, cálculo mais adequado do uso de água e malha adequada de postos pluviométricos e fluviométricos são as bases da vantagem do estado nos estudos de demanda e disponibilidade hídrica para os projetos de irrigação.
O maior entrave no protocolo de outorga paulista é a demora do Departamento Paulista de Recursos Naturais (DPRN) em liberar um documento, nomeado Intervenção em Área de Preservação Permanente (APP), que, de acordo com o Código Florestal estadual de 1967, exige a destinação 20% da propriedade à constituição de uma reserva legal. Esse documento é exigido pelo Departamento de Águas e Esgoto (DAE) e é difícil de obter pela requisição de um georreferenciamento (tornar as coordenadas do terreno conhecidas em um sistema de referência) das escrituras da área, dependente da anuência dos vizinhos e da análise pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O processo, segundo o pesquisador, pode levar de três a cinco anos.
Em Minas Gerais, há um único órgão responsável pela outorga ambiental, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Segundo Schmidt, embora nem todos os comitês de bacias estejam instalados e funcionando, os critérios de concessão de outorga naquele estado são parecidos com os de São Paulo, apenas um pouco mais restritivos nas bacias inseridas no polígono das secas.
Em Goiás, o critério de vazão mínima que o rio usado na irrigação deve manter é baixo (vazão mínima em 95% do tempo analisado, quando há dados suficientes). Para áreas irrigadas acima de 500 hectares ou barragens com espelho d’água acima de 10 hectares, é pedido o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA), cujo valor varia de R$ 150 a 300 mil e no qual se exigem dados difíceis de serem obtidos. “O financiamento do EIA/RIMA só é possível com financiamento, o qual, por sua vez, só é concedido a quem em outorga. A instalação é feita à revelia para depois se obter a outorga”, afirma Schmidt.
A ANA, responsável pelos rios federais (os que atravessam mais de uma unidade da federação) e pela outorga ambiental de estados que não possuem legislação própria, protocola o processo no DAE e aceita o parecer da instituição paulista.
Soluções
O agrônomo expõe em sua tese o que deve ser feito para melhorar os mecanismos de outorga ambiental no Brasil, como melhorar a rede de informações dos postos meteorológicos e pluviométricos e disponibilizá-las a um custo acessível e fomentar estudos e grupos de trabalhos multidisciplinares que revejam as equações e os parâmetros existentes e os estabeleçam nas regiões onde não existam. Schmidt também indica a necessidade de padronização “dos parâmetros estabelecidos com base em informações obtidas pela comunidade científica e não em ideologias” e a revisão dos processos de outorga, visando diminuir seus custos e burocracia.
Mais informações: (0XX19) 8185-2691; e-mail schmidt_wulf@yahoo.com.br. Tese orientada por Durval Dourado Neto.
(Por Luigi Parrini, Agência USP, 30/01/2008)