Apesar da polêmica entre defensores e adversários da manipulação genética, a probabilidade de ver um alimento rotulado como transgênico em supermercados brasileiros é, até o momento, mínima. Só há um até agora, o óleo da marca Soya, fabricado pela Bunge. O produto já traz o aviso: “Produzido a partir de soja transgênica”. Mas de acordo com o pesquisador Silvio Valle, da Escola Politécnica de Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os brasileiros estão consumindo muito mais transgênicos do que imaginam. “Hoje, qualquer alimento à base de soja, e alguns de milho, podem ser compostos por organismos geneticamente modificados”.
Segundo o pesquisador, a ausência de mercadoria transgênica nas gôndolas ocorre porque a fiscalização não vem sendo feita no Brasil. “Existe uma lei (
Nº 8.078/90) obrigando a informar se o produto é de origem transgênica, um decreto que manda rotular com um símbolo. Mas as empresas não estão cumprindo as determinações e o governo não está fiscalizando”, defende.
O decreto que Valle se refere é o de
Nº 4.680/03, editado em 24 de abril de 2003. Ele regulamenta o direito à informação quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano, ou animal que contenham, ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados. Entre as determinações está a de que nos rótulos constem as expressões “contém soja transgênica” ou “produto produzido a partir de soja transgênica”.
Mas a culpa não se restringe apenas ao poder público e às empresas. Para Silvio Valle, o desrespeito da legislação ocorre já no início do processo produtivo. “Quando o agricultor compra a semente sabe se está adquirindo variedade transgênica ou não. Depois planta, colhe o grão e vai vender. É nesse momento que o agricultor desaparece com esse nome transgênico. É um desrespeito à lei”, assegura.
Gabriela Vuolo, coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace, afirma que
a responsabilidade de fiscalizar o produto pronto, na gôndola do supermercado, é compartilhada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, e pelo Ministério da Saúde. No entanto, segundo ela, o trabalho conjunto pode não adiantar nada. “Como o DNA do transgênico é destruído durante o processo de preparação dos alimentos, esses órgãos não têm como fiscalizar”, explica. “Por mais que eles façam testes, não vão encontrar nada.”
Pressão públicaA partir de agora, os alimentos produzidos com organismos geneticamente modificados (OGMs) devem conter aviso no rótulo, para que possam ser identificados pelo consumidor. O símbolo de produto geneticamente modificado é uma letra T no meio de um triângulo amarelo. A embalagem também deve trazer o aviso por escrito: “Produto produzido a partir de soja (ou milho) transgênica”.
Embora a legislação obrigue, o símbolo ainda não está sendo usado pelos fabricantes de alimentos. “Trata-se de uma fraude contra o consumidor, que deveria ter a informação, e contra a saúde pública”, afirma Silvio Valle, acrescentando que como o governo não está cumprindo a lei, cabe aos consumidores, principalmente de milho e de soja, indagar aos fabricantes. “A sociedade precisa ser mais participativa em produtos que contenham soja e milho. Que peça informação aos produtores, aos fabricantes, ligue para eles, alguns têm 0800, para saber se aquele óleo tem algum derivado de origem transgênica. Só assim, com a pressão da sociedade, nós poderemos ter políticas públicas”, acredita o pesquisador da Fiocruz.
Nos supermercados de Porto Alegre o desconhecimento é praticamente total. Tanto no que diz respeito à legislação, quanto aos prováveis malefícios do consumo de produtos geneticamente modificados. Muitos porto-alegrenses admitem que na hora de escolher por um determinado alimento, optam pelo mais barato. O instalador hidráulico, Ofir Élson, afirma que em tempos de alta nos preços dos alimentos não dá para ficar observando a composição. “Pego o mais em conta mesmo”. Já a jornalista Lurdes Girata diz não se opor aos transgênicos industrializados. “Me preocupa os alimentos ‘in natura’. Esses quero a identificação. Quanto ao óleo de cozinha, compro o mais barato mesmo”, observa.
Segundo o Greenpeace, alimentos transgênicos podem aumentar a resistência a antibióticos, causar alergias e contaminar plantações. Pessoas habituadas à alimentação vegetariana que passam a consumir, por falta de informação, alguns vegetais geneticamente manipulados para a inclusão de um gene animal, bem como as pessoas alérgicas a algum tipo de vegetal cujos genes tenham sido "injetados" em outros normalmente consumidos podem sofrer algum tipo de reação ao ingerir alimentos geneticamente modificados. Para tanto, a ONG disponibiliza em seu endereço eletrônico um
“guia do consumidor”, onde os interessados podem ter acesso a uma lista de produtos e marcas que utilizam material transgênico no Brasil.
Legislação gaúchaNo RS, a norma para distinguir a transgenia nas embalagens de qualquer produto comercializado no estado é anterior ao decreto federal 4.680. De autoria do deputado gaúcho
Alexandre Postal (PMDB), a
lei número 11.688 institui a rotulagem de alimentos com OGMs no Estado. De acordo com o deputado, a proposta teve como objetivo propiciar o debate que ainda não existia sobre os transgênicos no Rio Grande do Sul e assegurar ao consumidor o direito de decidir sobre a aquisição de produtos alimentícios. “A obrigatoriedade do rótulo representa mais um instrumento de defesa do consumidor e direito à informação”, ressalta.
De acordo com o Art. 1º da norma, os produtos alimentícios comercializados no Estado, que contêm ou consistam de OGM, deverão ter em sua embalagem a informação “Produto geneticamente modificado”, “Contém organismos geneticamente modificados” ou “Alimento resultante de organismos geneticamente modificados”. A utilização de insumo, ração, matéria-prima ou ingrediente que contenha OGM também deverá constar do rótulo do produto final com a seguinte redação: “produzido a partir da utilização de organismo geneticamente modificado”.
Embora a existência do código e das diretrizes quanto à fiscalização, o próprio deputado questiona o trabalho do Poder Publico. “Sem sombra de dúvidas a fiscalização ainda é muito falha aqui no Rio Grande do Sul”, afirma Postal, acrescentando que a rotulagem é necessária para permitir a rastreabilidade dos produtos, pois em casos de efeitos na saúde humana os produtos rotulados seriam facilmente identificados e recolhidos. O projeto de Alexandre Postal foi aprovado em 10 de outubro de 2001, com 24 votos a favor e 11 contrários. O executivo sancionou a lei em 16 de novembro de 2001.
(Por Tatiana Feldens, Ambiente JÁ, 30/01/2008)