Confirmação pelo Inpe de que o desmatamento na Amazônia explodiu em novembro e dezembro faz presidente Lula convocar reunião de emergência. Ministros Marina Silva e Reinhold Stephanes discordam sobre o papel da soja e do gado nessa retomada.RIO DE JANEIRO – Não era novidade para ninguém que o desmatamento da Amazônia voltara a crescer de maneira preocupante no segundo semestre de 2007. Prova disso foi o pacote, anunciado pelo governo antes do Natal, de medidas para tentar reverter esse avanço nas áreas consideradas mais problemáticas. No entanto, a confirmação, feita nesta quarta-feira (23) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de que o ataque à floresta atingiu níveis recordes em novembro e dezembro caiu sobre os ombros do governo como uma tora de Jacarandá.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) já contava com um aumento de 10% do desmatamento no último quadrimestre de 2007, mas os números apresentados pelo Inpe sugerem algo mais grave. Segundo o sistema de monitoramento por satélite Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), entre agosto e dezembro do ano passado foram derrubados 3.235 quilômetros quadrados de floresta. Apenas em novembro e dezembro, foram desmatados 1.922 quilômetros quadrados, o que configura um recorde desde que esse sistema começou a ser usado há quatro anos.
Para complicar, os números parciais levantados pelo Deter _ que é um sistema de monitoramento rápido, mas incapaz de detectar o desmatamento seletivo ou em pequenas faixas _ costumam ser majorados quando o governo anuncia os dados consolidados por um outro sistema, o Prodes (Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia), que é muito mais preciso. Por isso, os mais alarmistas já admitem a possibilidade de que mais de seis mil quilômetros quadrados de floresta tenham sido desmatados no segundo semestre de 2007.
Para efeito de medição do desmatamento, o governo utiliza, a partir de critérios climáticos, um calendário que se inicia em agosto de um ano e vai até julho do ano seguinte. Por isso, todo o aumento registrado a partir do segundo semestre do ano passado somente incidirá no próximo relatório anual consolidado, elaborado com dados do Prodes, que ainda será divulgado no meio do ano. Tudo indica, portanto, que a boa fase proporcionada pelos três anos consecutivos de redução do desmatamento (59%) poderá sofrer um duro revés em 2008.
Preocupado com a situação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião ministerial de emergência para quinta-feira (24) e exigiu resposta imediata do governo. Na reunião, entretanto, ficou claro que, apesar dos discursos aparentemente afinados, alguns setores do governo continuam não falando a mesma língua quando o assunto é o desmatamento da Amazônia.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apontou o aumento dos preços da soja e da carne bovina no mercado internacional (e o conseqüente avanço dessas culturas sobre a floresta amazônica) como o principal fator de contribuição para o recrudescimento da devastação. Por sua vez, o ministro da Agricultura e Pecuária, Reinhold Stephanes, insistiu na tese de que agricultores e pecuaristas podem continuar a expandir suas atividades na região sem derrubar mais árvores.
Marina x Stephanes“Confundem a Amazônia Legal com o bioma amazônico. Não há necessidade de se derrubar nenhuma árvore na Amazônia para aumentar a produção de soja ou carne no país. Temos terra disponível fora do bioma amazônico”, disse Stephanes. Durante a entrevista coletiva que se seguiu à reunião, ao lado de Marina, o ministro garantiu que “o ministério [da Agricultura] está completamente integrado aos esforços do governo contra o desmatamento”.
Para Marina, no entanto, o fato de o maior aumento na derrubada de árvores ter acontecido nos estados do Mato Grosso (54% do total), Pará (18%) e Rondônia (16%), é sintomático: “Gado e soja são atividades típicas desses estados e foi lá que registramos os maiores aumentos. Eu não acredito em coincidências”, disse. A ministra, segundo a Agência Brasil, ressaltou que 165 mil quilômetros quadrados de floresta já foram convertidos em áreas de produção e que “o uso dessas áreas permitiria triplicar a produção agrícola brasileira sem derrubar mais nenhuma árvore na Amazônia”.
Habituado a administrar conflitos em sua equipe, Lula alertou aos ministros que “não é hora de ninguém acusar ninguém” e exigiu “providências imediatas” e “ações nos locais onde estão derrubando árvores”. O presidente sabe que um aumento acentuado do desmatamento vai prejudicar a posição de liderança que o Brasil vem consolidando no âmbito das discussões multilaterais sobre o aquecimento global, além de enfraquecer a cruzada pró-etanol do governo no mercado internacional: “Não é necessário derrubar um única árvore na Amazônia para plantar um pé de soja. Quem estiver fazendo isso está cometendo uma ilegalidade e, sobretudo, um crime contra a economia brasileira”, disse.
PacoteCoube ao ministro da Justiça, Tarso Genro, repetir à imprensa o pacote de medidas contra o desmatamento que o governo já havia anunciado em dezembro, além de trazer algumas novidades, como a criação de 13 novos postos de fiscalização _ onze fixos, um fluvial e um aéreo _ na Amazônia. Outra novidade anunciada pelo ministro é o deslocamento de 780 agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Força Nacional de Segurança, do Ibama, do Incra e da Funai para as regiões mais afetadas pela ação dos criminosos ambientais.
O governo divulgou na quinta-feira (24) a lista com os nomes dos municípios onde está concentrado mais de 50% do desmatamento na Amazônia Legal nos últimos anos. São 36 cidades, sendo 19 em Mato Grosso, 12 no Pará, quatro em Rondônia e uma no Amazonas. O desejo do governo é intensificar as punições contra quem está desmatando. Para isso, conta com medidas anteriormente anunciadas, como a realização de um recadastramento fundiário pelo Incra nos 36 municípios listados e a suspensão dos títulos das propriedades irregulares ou identificadas como oriundas da grilagem de terras públicas.
Financiamento e eleiçõesOutra promessa do governo é o cancelamento do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) dos proprietários que estiverem derrubando a floresta. Essa pode ser uma medida chave no pacote, pois sem esse documento o proprietário não tem acesso a créditos e programas de financiamento público. Por trás dessa discussão, no entanto, se esconde uma questão maior e mais delicada para o governo, que é a contradição de instituições como o Banco do Brasil ou o BNDES, que continuam financiando generosamente o agronegócio que impulsiona a soja e o gado em direção à Amazônia.
Outro fator que favorece o desmatamento é o fato de 2008 ser um ano de eleições municipais. Em anos assim, segundo dados fornecidos pelo próprio Inpe, a derrubada de árvores nas cidades localizadas dentro da Amazônia Legal chega a triplicar, fruto da complacência de prefeitos e administradores públicos mais preocupados com votos do que com a floresta. Por essas e outras, a área ambiental do governo sabe que terá um ano dificílimo pela frente e já se considera em estado de alerta vermelho: “O governo não quer pagar para ver. Não vamos esperar a sorte, mas sim trabalhar para fazer frente a esse processo”, afirma Marina Silva.
(Por Maurício Thuswohl,
Agencia Carta Maior, 25/01/2008)