Conselho de ministros se reúne hoje para analisar a liberação de duas variedades, em análise há quase dez anosSérgio Rezende (Ciência e Tecnologia) e Stephanes (Agricultura) defendem aval; Anvisa e Ibama são contra conceder autorização
Sem autorização legal, produtores rurais já plantam variedades de milho geneticamente modificadas em lavouras clandestinas, informou o ministro Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia). "Isso está acontecendo principalmente no Sul e no Centro-Oeste, já existem plantações com sementes contrabandeadas", disse o ministro à Folha. Na reunião de hoje do Conselho Nacional de Biossegurança, Rezende é um dos principais defensores do aval imediato à comercialização de duas variedades de milho transgênico produzidas por multinacionais.
Principal aliado de Rezende no debate dos transgênicos, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, confirma que o milho vai pelo mesmo caminho das duas únicas variedades de soja e algodão geneticamente modificadas cuja comercialização é autorizada do país: elas foram liberadas apenas depois de constatado o cultivo ilegal.
"Não obstante toda a fiscalização, acontece o contrabando", disse Stephanes. Segundo ele, o ministério não dispõe de estimativas de quanto as culturas ilegais produzem atualmente. O ministro defendeu a rápida liberação das variedades de milho: "É melhor legalizar dentro de regras claras, que protegem o ambiente, do que sermos levados de roldão".
Entre os 11 ministros que integram o CNB (Conselho Nacional de Biossegurança), Stephanes é o relator dos dois recursos apresentados contra a liberação de duas variedades de milho da Bayer e da Monsanto. Foram as primeiras a obter parecer técnico favorável da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), no ano passado. Em meio a liminares da Justiça, a comissão deu parecer favorável à liberação comercial de uma terceira variedade, da Syngenta.
Os recursos são assinados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Alegam o risco de contaminação de culturas convencionais, a falta de regras suficientes de monitoramento do plantio, transporte e armazenagem, além da insuficiência de dados sobre efeitos na alimentação humana e de animais.
As lavouras de milho ocuparam no ano passado uma área de 13,8 milhões de hectares. Da produção nacional de 51,5 milhões de toneladas, a maior parte é destinada à ração animal e apenas 5% são usados diretamente como alimento humano, segundo dados do Ministério da Agricultura.
O parecer de Stephanes insistirá em que custos mais elevados das sementes geneticamente modificadas (os produtores têm de pagar royalties às multinacionais donas das patentes) são compensados pela queda de gastos com a compra de herbicidas e a redução de perdas por pragas. Mas o principal argumento dos defensores dos transgênicos é que variedades semelhantes às em análise pelo conselho são comercializadas sem problemas há uma década nos Estados Unidos e Argentina, entre outros países.
"Essa demora prejudica a agricultura brasileira", avalia Sérgio Rezende, confiante na posição favorável do conselho. Caso contrário, especula, "teremos um cenário surrealista". Representantes da área ambiental do governo Lula avaliam que prognóstico de Rezende pode se confirmar hoje, apurou a Folha.
Se o CNB autorizar a comercialização, as sementes de milho só estarão liberadas para a safra de 2009, prevê o presidente da Abramilho, a associação dos produtores, Odacir Klein. Ele afirmou desconhecer casos de pirataria de sementes, mas defendeu que o milho não deve repetir a história da soja.
Ibama alega razão objetiva para se opor Liminares concedidas pela Justiça, ações do Ministério Público e manifestações de ONGs ambientalistas com o apoio de trabalhadores sem-terra conseguiram impedir a liberação comercial de organismos geneticamente modificados em mais de dois anos, desde a regulamentação da atual Lei de Biossegurança.
Essa lei foi saudada pelo governo Lula, em 2005, como mecanismo que impediria a repetição das histórias da soja e do algodão transgênico, cujas variedades foram liberadas apenas depois de constatado o cultivo ilegal, a partir de sementes contrabandeadas, em larga escala.
O ministro Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia) atribui as resistências aos transgênicos no país a uma combinação de "desinformação e sentimento religioso".
O presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Bazileu Margarido, alega ter razões objetivas para se opôr à liberação de variedades de milho.
"O risco de contaminação de lavouras tradicionais seria razoável, a distância determinada entre culturas é insuficiente e a CTNBio não considerou a possibilidade de contaminação nas etapas de transporte e armazenamento", disse.
Responsável por dois dos recursos que o Conselho Nacional de Biossegurança analisa hoje, o presidente do Ibama insiste em que a liberação do milho exige mais cuidados do que a da soja.
Os dois pedidos de liberação comercial de variedades de milho que o Conselho Nacional de Biossegurança julga hoje foram apresentados pelas multinacionais Bayer e Monsanto em 1998 e 1999.
(Marta Salomon,
Folha de São Paulo, 29/01/2008)