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segurança alimentar alta no preço dos alimentos
2008-01-29
“Já havia esquecido como é o leite”, brinca com o jornalista Magaly Estrada, de 45 anos já avó, após quase quatro horas de fila para comprar um frango, óleo comestível e dois quilos de leite em pó, na capital venezuelana. Estamos junto a um pequeno mercal (mercado de alimentos) em Catia, o populoso bairro a oeste de Caracas, que vende alimento subsidiado pelo Estado. Mas a distribuição se faz na medida em que os produtos chegam do Ministério da Alimentação. Na quinta-feira, havia o que Estrada comprou, alguns enlatados, macarrão, arroz e produtos de higiene e limpeza.

Diante de supermercados em bairros de classe média no sudeste da capital, compradores alertas se comunicam velozmente usando seus telefones celulares. “Aqui chegou o leite, dois litros por pessoa”, informa o engenheiro Juan Pablo Rios a sua esposa. “Os ovos já acabaram, compre com os buhoneros”, acrescenta. Os buhoneros (vendedores de rua) frequentemente têm produtos que escasseiam no comércio formal, como açúcar, feijão preto, ovos e leite em pó ou líquido do tipo longa vida, além de frutas ou verduras, mas os vendem pelo dobro ou triplo do preço regulado pelo governo.

Esses vendedores se abastecem nas cadeias convencionais de comercialização e em alguns casos são acusados de adquirir maciçamente produtos do mercal para revendê-los. “Uma família média deve percorrer seis ou sete estabelecimentos com sua lista de compras e mesmo assim não compra tudo porque alguns produtos simplesmente não existem”, disse à IPS o consultor Luis Leon, diretor do instituto de pesquisas Datanálisis.

O frango, a carne bovina e a de porco também escasseiam há meses. Seus preços estão regulados e os fornecedores apelam para o mecanismo de oferecer apenas determinados cortes, com o preço liberado que duplica ou triplica o oficial. Por outro lado, quem tem dinheiro consegue facilmente e uísque escocês, vinho francês ou chileno, queijo maturado espanhol, manteiga dinamarquesa e outros produtos dessa categoria.

No governo de Hugo Chávez se atribui a escassez ao aumento do consumo, que em 2007 ficou em 20%, apesar da inflação cujo índice geral foi de 22% e de 33% para o ramo de alimentos e bebidas. O setor privado de maneira unânime atribui a escassez a baixa na produção e na existência de fixação oficial de preços às pressões estatais sobre os empresários. O Datanálisis situa o déficit de alimentos em torno dos 25%, e Rodrigo Cabezas, ministro das Finanças até dezembro, reconheceu que em alguns itens chegou até a 60%.

O Ministério da Alimentação e a rede Mercal importaram e distribuíram cerca de 130 mil toneladas mensais de alimentos, neste país de 27,5 milhões de habitantes que consomem por mês 900 mil toneladas, com tendência à alta. O presidente Chávez apelou esta semana ao gigantesco consórcio estatal Petróleos de Venezuela (Pdvsa) criou uma nova filial, a Pdvsa Alimentos (Pdval), que estreou vendendo em alguns bairros, a preços subsidiados, leite, farinha de milho e frango.

A Pdvsa, o coração econômico do Estado, já foi chamada para realizar programas sociais como construção de casas, asfaltar estradas, prestar serviços comunitários e fornecer gás de cozinha. “A Pdval pode entregar alimentos aos conselhos comunitários – que o governo incentiva para reunir habitantes do campo e zonas urbanas pobres – a prazo, mediante um sistema socialista de consignação”, disse Chávez na porta de um local de venda improvisado, de cima de um caminhão, junto a um velho quartel em um bairro da zona oeste de Caracas.

A nova filial “terá 150 mil toneladas mensais de alimentos e o Mercal aumentará sua capacidade com outras 150 mil, para entre ambas atender um terço do consumo”, disse o presidente. No ano passado, o órgão que administra o controle de câmbio destinou US$ 5.840 bilhões para importação de alimentos, e Vicente Brito, ex-presidente da central patronal Fedecámaras, estimou que a Venezuela pode gastar mais de US$ 8 bilhões em compras de alimentos no exterior.

As importações venezuelanas de bens quadruplicaram em cinco anos, passando de US$ 10,340 bilhões em 2003 para US$ 44,460 b ilhões no ano passado, segundo dados do Banco Central. As exportações, principalmente de petróleo, atingiram US$ 69 bilhões. Paralelamente, Chávez determinou “mão dura” diante da especulação, e militares venezuelanos bloquearam a passagem de caminhões com alimentos que se dirigiam às fronteiras do Brasil e da Colômbia.

José Anzola, porta-voz do grupo cervejeiro e alimentício Polar, a maior empresa privada do país, denunciou esta semana que 27 caminhos da companhia com 500 toneladas de alimentos que se dirigiam aos seus depósitos foram retidos nos Estados de Táchira e Mérida, fronteiriços com a Colômbia, e no de Bolívar, na fronteira com o Brasil. Além disso, depósitos da Polar na cidade de Maturín, com 165 toneladas de alimentos como arroz e farinha de milho, também foram ocupados.

Freddy Sosa, gerente de um supermercado em Caracas, disse à IPS que “a escassez às vezes vem junto com o medo que temos de guardar muitos alimentos em nossos depósitos, provisões para mais de 15 dias, porque podem nos acusar de escondê-los”. Hiram Gaviria, dirigente da privada Aliança Agroalimentar, disse à IPS que na raiz do problema “estão as políticas de estrangulamento da produção nacional, entre elas a regulamentação de preços, o que leva os produtores a venderem abaixo de seus custos”.

Gaviria deu como exemplo o leite, um das dezenas de produtos com preços fixados pelo governo, que esteve regulamentado por anos em 46 centavos a unidade. Os produtores reclamaram no ano passado um aumento no preço para 79 centavos de dólar, que não foi aceito. Só há uma semana Chávez anunciou que o novo preço do leite para o produtor será de 69 centavos, “o que é insuficiente e não resolverá o problema”, disse Genaro Méndez, da Federação de Pecuaristas.
Gaviria, que foi ministro da Agricultura no segundo governo de Rafael Caldera (1994-1999), acrescentou que “para tornar estes preços insustentáveis se combinam a alta mundial dos produtos agrícolas com uma dilapidação dos recursos estatais destinados ao resgate ou aos incentivos da produção agropecuária”. O Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentaçao (FAO) alertou para o impacto nos países pobres da alta dos produtos agrícolas.

Na Bolsa de Chicago (Estados Unidos), no último ano os preços aumentaram até 240%, no caso do trigo; 153% para o leite em pó; 190% para o milho amarelo; 200% para o óleo de palma e 180% para o óleo de soja. “Uma tonelada de leite em pó custava no mercado mundial há cinco anos US$ 1.800, hoje custa mais de US$ 5 mil”, disse Gaviria. “Quem vai importar para vender a preço regulamentado de US$ 5 o quilo?”, perguntou. A Venezuela “demanda cinco milhões de litros de leite por dia e produz menos de três milhões, com tendência à baixa, porque nosso rebanho diminuiu de 13 milhões para 11 milhões de cabeças em uma década”, disse Gaviria.

A Aliança Agroalimentar propôs um acordo para derrubar controles, acertar uma recuperação da produção rural e da agroindústria e revisar trimestralmente os preços dos itens da cesta básica. “Do contrário, a escassez continuará. Hoje produzimos, por pessoa, 89% dos alimentos que produzíamos em 1988”, finalizou Gaviria.

(Por Humberto Márquez, IPS, 25/01/2008)


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