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dengue
2008-01-28

Após epidemias no País, mutação do vírus pode ser responsável por dificuldade de falar e andar de doentes

Dificuldades para andar e comer, paralisia no rosto e nas pernas, convulsões, mudanças de comportamento. Nos últimos anos, o Brasil tem registrado manifestações graves, raras e pouco conhecidas da dengue: os problemas neurológicos.

Só no ano passado, o Estado de Mato Grosso do Sul, que viveu uma epidemia da doença, calcula que pelo menos dez pessoas tenham apresentado sintomas da "dengue neurológica". Em Goiás, apesar da redução de 50% no número absoluto de casos no ano passado em relação a 2006, cinco pacientes tiveram sintomas depois de contrair a doença. Em 2006, foram 17. A região Centro-Oeste foi a que registrou a mais alta incidência do problema em 2007.

Entre 2004 e 2005 o Ministério da Saúde identificou em Rondônia 51 pacientes com problemas neurológicos relacionados à dengue e destacou, em nota técnica, que diferentemente dos relatos comuns dos livros médicos, os casos não foram isolados, mas apareceram aglomerados durante uma epidemia da doença. Estudo do serviço de Neurologia do Hospital da Restauração, em Recife, apontou que, em 2002, 34 pessoas tiveram quadros neurológicos após a infecção por dengue, o terceiro registro deste tipo de problema no País desde 1987.

Atualmente o ministério, em seus manuais clínicos, inclui os casos neurológicos em uma classificação chamada dengue com complicações, onde aparecem também problemas hepáticos, cardiorrespiratórios e gastrointestinais associados à doença. "Já temos observado essas mudanças. É um quadro possível de ocorrer, está descrito em literatura. Entre as complicações, todas temporárias, as pessoas tiveram problemas para comer, andar e falar", disse a gerente da Vigilância Epidemiológica de Goiás, Magna Maria de Carvalho.

As complicações podem surgir com um quadro de dengue clássica ou hemorrágica. Ou seja, além dos sintomas conhecidos, como febre, dor no corpo, surgem os problemas neurológicos. Segundo especialistas, os quadros podem ter relação com uma resposta exacerbada do sistema de defesa do organismo. Em alguns casos, os sintomas aparecem quando o paciente está melhorando.

Os problemas podem desaparecer ou deixar seqüelas e não estão relacionados a mortes. Em Goiás, dos cinco pacientes com quadro neurológico em 2007, dois morreram, mas não em decorrência das complicações.

MUTAÇÕES

Para Luiz Hildebrando Pereira da Silva, do Instituto de Patologias Tropicais de Rondônia e um dos maiores especialistas em doenças tropicais, os quadros indicam que a alta circulação do vírus propiciou mutações do microorganismo, tornando-o mais agressivo.

Normalmente o vírus prejudica todos os vasos sanguíneos do corpo, mas nesses casos acabaria prejudicando gravemente também aqueles que irrigam áreas do cérebro que comandam os movimentos, por exemplo. "Os sintomas neurológicos denotam uma evolução do vírus. É um sinal de que o processo epidêmico continua", disse Silva.

No ano passado, foram notificados no Brasil quase 200 mil casos de dengue a mais do que no ano de 2007, aumento relacionado a epidemias em Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. De janeiro a novembro de 2007, 536.519 casos suspeitos de dengue foram registrados. As taxas de letalidade foram duas vezes maiores do que as de 2002, maior pico da doença.

Segundo o diretor de Vigilância em Saúde de Mato Grosso do Sul, Eugênio Barros, com a entrada do sorotipo 3 do vírus da dengue no Estado em 2007 foi registrada uma severidade maior da doença, com mais internações, e também com os quadros neurológicos e de acometimento das vísceras. A conta sobre o total de manifestações neurológicas, afirma Barros, não está fechada porque demanda investigação.

"Muitos casos acabam sendo atendidos por serviços de neurologia e o neuro (médico)não notifica. Fomos atrás e verificamos situações de paralisia facial, alterações no caminhar", afirmou ainda o diretor. Ele destaca que países como Tailândia, Indonésia, China, Malásia, Austrália e Índia já registraram complicações semelhantes.

Ainda de acordo com o diretor, já há discussão nos órgãos técnicos de saúde de novas classificações para a dengue com o objetivo de abranger os sintomas neurológicos. "A doença foi além. Temos casos que não se encaixam nas classificações conhecidas", diz Barros.

Procurada para falar dos problemas neurológicos causados pela dengue, a área técnica do Ministério da Saúde não se manifestou. Em visita a São Paulo na sexta-feira à noite, o ministro José Gomes Temporão disse não ter dados sobre o problema, mas destacou que novos números sobre a doença que deverão ser divulgados em breve mostrarão uma melhora da situação.

(Fabiane Leite, O Estado de São Paulo, 28/01/2008)

 


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