Entre Alta Floresta e Paranaíta, norte de Mato Grosso, recursos públicos acabam ajudando a financiar o desmate
Madeireiros que exploram a região defendem o setor e se consideram "injustiçados'; para eles, falta uma política de exploração da madeira
Cinquenta quilômetros de destruição separam as cidades de Alta Floresta e Paranaíta, no extremo norte de Mato Grosso. O caminho por terra entre os dois municípios -listados entre os 36 mais devastados da Amazônia- em nada lembra a imagem de natureza imponente em geral associada à região.
Às margens da rodovia MT-206, e até onde a vista alcança, predominam as pastagens, o gado e os restos queimados do que um dia já foi a floresta.
Uma medida provisória de 2001 obriga as propriedades a preservar 80% de sua reserva legal -antes dessa data, a obrigação era de 50%. "Nenhuma propriedade nessa rodovia manteve a reserva legal", diz o chefe-substituto do Ibama em Alta Floresta (830 km de Cuiabá), Cláudio Cazal.
A Folha percorreu a rota Alta Floresta-Paranaíta e constatou que não é apenas a ausência do Estado que facilita o desmatamento. A destruição também avança com o apoio do dinheiro estatal: no caminho, três grandes fazendas de gado exibiam placas de financiamento do Banco do Brasil, por meio do FCO (Fundo Constitucional do Centro-Oeste).
Além de extensas áreas desmatadas, duas delas haviam represado locais de preservação permanente, como beiras de córregos e até mesmo áreas de nascentes.
Na opinião de Cazal, o financiamento de atividades econômicas incompatíveis com a preservação da floresta é reflexo de uma contradição do governo federal. "O governo que fala em preservar é o mesmo que apóia e dá dinheiro para atividades que não podem coexistir com a floresta, como a pecuária extensiva", afirma.
"O que vemos entre Alta Floresta e Paranaíta é que não há critério ambiental algum para a concessão desses financiamentos. No final, o governo financia o desmatamento."
Em 2006, o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso contou mais de 1 milhão de cabeças de gado em 4.600 propriedades rurais dos dois municípios. Mas a pecuária não é a única atividade a avançar sobre a mata. A exploração madeireira, mesmo em decadência, continua a abrir novas frentes de exploração.
No sentido Alta Floresta-Paranaíta, um caminhão transportava na tarde de anteontem três toras de grande porte. O peso era tamanho que o veículo seguia adiante com dificuldade.
Era apenas o primeiro sinal do que seria encontrado no chamado "setor madeireiro" de Paranaíta: centenas de toras de todos os tamanhos, blocos de madeira serrada e montes de pó de serra a se elevar a até dez metros de altura. Caminhões eram carregados com a madeira beneficiada, enquanto outros esperavam a vez.
Em junho do ano passado, uma operação do Ibama lacrou três das maiores madeireiras da cidade. As autorizações de desmate não correspondiam à quantidade de madeira estocada nos pátios.
Em resposta, moradores bloquearam com caminhonetes a estrada e mantiveram os fiscais detidos na cidade. O grupo só foi liberado depois da retirada dos lacres das empresas, nas quais havia, segundo o Ibama, mais de 2.600 m3 de madeira irregular -volume suficiente para encher 90 carretas.
Madeireiros
Ouvidos pela reportagem, madeireiros dos dois municípios defenderam o segmento, que consideram "injustiçado".
"Quando sai algum número de desmatamento, logo vinculam o problema à nossa atividade, o que é um erro. Não fazemos derrubada, e sim corte seletivo", diz o madeireiro Jairo de Carli, de Alta Floresta.
"Quem desmata e faz corte raso é o fazendeiro, para plantar ou abrir pastagens. Nós precisamos da mata em pé."
Para o madeireiro Aloísio dos Santos, em Paranaíta desde 1990, a "criminalização" do setor é fruto da política de ocupação da região. "Por aqui, o que manda é a política da terra, da plantação e do gado. Nunca tivemos política para a madeira. E olha que poderíamos ser os maiores parceiros da conservação da floresta. Mas somos tratados como bandidos", afirma.
Boa parte da madeira é ilegal, diz Ibama de MT
Os pátios das madeireiras de Alta Floresta (MT) estão cheios. Boa parte dessa madeira, embora coberta por autorizações de exploração florestal -por meio de planos de manejo-, é de origem ilegal, diz Cláudio Cazal, chefe-substituto do Ibama na cidade. "São madeiras esquentadas."
O processo funciona assim: os madeireiros aprovam projetos sobre áreas já desmatadas ou que sofreram corte seletivo das principais espécies; depois, utilizam as autorizações para transportar, processar e revender madeiras retiradas ilegalmente em outras áreas.
"Essas madeiras são roubadas de áreas públicas e de preservação permanente, por exemplo, onde ainda existem madeiras nobres, e vendidas como se tivessem origem legal. Mas, quando vamos fiscalizar, a área de manejo não existe ou não comporta aquela produção", afirmou Cazal.
A produção é levada majoritariamente para o mercado consumidor das regiões Sul e Sudeste. "É por isso que não adianta esperar consciência ambiental de quem está aqui, como cobrou a ministra [Marina Silva, do Meio Ambiente]. Isso não existe. A alternativa é convencer os consumidores."
(Rodrigo Vargas, Folha de São Paulo, 28/01/2008)