A primeira vez que pusera os olhos sobre a Adriana, sindicalista e membro da Fetaema (Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Estado do Maranhão), fora naquele instante em que, a audiência pública vendendo alhos e bugalhos, em Santa Quitéria, sobre o projeto de reflorestamento com eucalipto da Gerdau para o Baixo Parnaíba maranhense, ela desnorteara um dos consultores da seleta turma de pesquisadores contratada para documentar o Eia - Rima.
A pesquisadora, apelidada jocosamente de Maria Fumaça, deprimia a todos ao ensinar, como se estivesse ensinando uma turma de pré ou de primário, que a inalação diária da fumaça cuspida pelas baterias de fornos prejudicaria coisa pouca a saúde das pessoas. Para muitos, essa fala soou inaceitável, dentre eles, a própria Adriana que, aproveitando a sua vez, repisou a comunidade de onde viera - assentamento Novo Oriente - município de Açailândia - e repisou os imensos plantios de eucalipto e os vários fornos de carvoarias espalhados por boa parte do oeste maranhense tal qual a vida relativamente curta do ser humano fosse engolfada sobre aquela terra - reprisaram a aula ministrada pela pesquisadora em Urbano Santos e nem os cabeçalhos sobraram quando um dos trabalhadores presentes tiraram a limpo a história de que a fumaça fazia parte do cotidiano deles : "Sinceramente, a senhora comparar a fumaça da nossa roça, que nós queimamos apenas duas vezes ao ano, e o fogo do nosso fogão, com a fumaça produzida por centenas de baterias, queimando dia e noite, não dá para aceitar".
A segunda vez que vira Adriana, eles se destinavam à cidade de Urbano Santos para o Congresso dos Trabalhadores Rurais do Baixo Parnaíba e seqüenciando São Luís ocorreram Bacabeira, Santa Rita, Entrocamento, Itapecuru, Vargem Grande, Placas, São Benedito do Rio Preto até o destino final. Convinha uma pormenorização do que pretendiam em comum, a Fetaema e o Fórum Carajás, como no caso de uma área no município de Tuntum, centro do Maranhão, recentemente adquirida por uma empresa pernambucana para plantar cana de açúcar - no assentamento Grande Oriente, onde Adriana planta feijão entre outras cultivares, pela primeira vez, experimentou-se a saída de jovens para o plantio e a colheita de cana no Mato Grosso. Foi um baque tremendo para a comunidade- arriscarem-se numa região de fronteira, fragorosamente conhecida como área de trabalho escravo e área de degradação ambiental, em vez de estremecerem aquela terra dos plantios dos seus pais - seria bom para os jovens, pois ganhariam dinheiro rápido conforme haviam ouvido de gente da Itinga que trabalhara por lá.
Não é à toa a ida dos jovens do Novo Oriente para o Mato Grosso. Eles e os jovens da Itinga, assim como de boa parte do Maranhão, formam o exército de reserva que supre o capitalismo e, nesse caso, as empresas beneficiadoras de cana de açúcar de mão de obra barata e pouco qualificada que se distancia da agricultura familiar para abraçar projetos de maior visibilidade econômica e social. Internamente, vê-se esse exercito de reserva nos plantios de cana da Agroserra, em Fortaleza dos Nogueiras, Maity, Campestre, Itajubara, Coelho Neto, Comvap, Caxias, e TG Agroindústria, Aldeias Altas. Esse exército de reserva referenda o avanço da monocultura de cana sobre áreas da agricultura familiar como acontece atualmente em 500 hectares do povoado São Cristovão, município de Caxias, nos quais se desmatou palmeiras de babaçu e impede-se que as famílias de moradores plantarem mandioca e feijão - área indefinida do ponto de vista fundiário que a Comvap adquiriu de forma duvidosa.
Nos intervalos do Congresso dos Trabalhadores do Baixo Parnaíba, algumas pessoas dançavam a dança de Reis, típica manifestação em que homens e mulheres formam cada qual um corredor de dançantes regados a muita sonoridade de instrumentos rústicos e cantorias de lascar os ouvidos. Com certeza, eles evitariam ao máximo se transformarem em exército de reserva do capitalismo.
(Por Mayron Régis *, Adital, 23/01/2008)
* Jornalista, Articulação Soja-Brasil/Cebrac