O aquecimento do sistema climático mundial foi detectado de forma inequívoca. Essa é uma importante e genérica conclusão do quarto relatório científico do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que foi reconhecida politicamente na 13ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP-13).
A afirmação é considerada um dos principais embasamentos teóricos do documento que deu origem ao Plano de Ação de Bali, acordo firmado por representantes de 180 países que participaram da reunião realizada em dezembro do ano passado, em Bali, na Indonésia.
Para Luiz Gylvan Meira Filho, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), que participou da COP-13, um dos pontos altos do plano é o consenso, entre os países, de que a demora em reduzir as emissões de gases do efeito estufa limitará significativamente a oportunidade de atingir os níveis de estabilização climática, aumentando o risco de impactos mais severos sobre o clima.
“É uma inegável vitória que os relatórios científicos do IPCC estejam influenciando decisões políticas internacionais. Isso porque, há até pouco tempo, chefes de estado diziam serem naturais as variações climáticas dos últimos anos”, disse durante o evento Conferência de Bali: Novas Diretrizes sobre as Mudanças Climáticas, realizado nesta quarta-feira (23/1) na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na capital paulista.
O encontro debateu assuntos discutidos na COP-13, que teve o objetivo de estabelecer diretrizes para um novo acordo de combate às mudanças climáticas após 2012, fase final do primeiro período de acordos no âmbito do Protocolo de Kyoto. Segundo Meira Filho, que foi presidente do grupo de negociação de dois artigos do protocolo, a quarta edição do relatório do IPCC influenciou claramente o Plano de Ação de Bali.
“As conclusões dos estudos do IPCC, que utilizou diferentes métodos científicos para que as hipóteses fossem testadas por meio de observações do clima, foram reconhecidas explicitamente em vários trechos do texto do plano”, explicou.
Segundo ele, dois motivos explicam por que os cientistas do painel demoraram vários anos para conseguir detectar, de forma inequívoca, o aquecimento global. “Primeiro porque se precisou esperar que o clima mudasse mais do que a variabilidade natural. E, segundo, porque foi preciso aperfeiçoar os modelos para que os cientistas conseguissem reproduzir todos os efeitos relacionados a essas mudanças, como a variabilidade solar e o fenômeno El Niño”, disse Meira Filho, que foi presidente, de 1994 a 2001, da Agência Espacial Brasileira (AEB).
Metas a longo prazo Com base em um consenso entre os países representados em Bali, o Plano de Ação enfatiza a urgência em atingir metas a longo prazo referentes à estabilização da concentração dos gases que produzem efeito estufa na atmosfera, também com base nos resultados do IPCC, órgão que ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2007 – dividido com Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos.
De acordo com o plano, essa estabilização somente ocorrerá se as emissões globais forem reduzidas em aproximadamente 60% em relação ao níveis emitidos em 1990. “Essa conta é feita a partir do fluxo da atmosfera para os oceanos. Hoje, cerca de 2,2 bilhões de toneladas de carbono entram nos oceanos, que são os maiores consumidores de dióxido de carbono da atmosfera”, explicou Meira Filho.
Segundo ele, com a redução das emissões mundiais em 60% seria possível estabilizar em 550 partes por milhão a concentração de dióxido de carbono, algo considerado satisfatório. “Mas o consenso geral de Bali aponta para a obrigatoriedade dessa redução das emissões, seja lá qual for o nível de estabilização. Por isso houve um consenso rumo a medidas de mitigação mais intensas”, apontou.
Os 60% de redução seriam uma espécie de reconhecimento mundial dos limites do planeta. “O problema é tão sério que há indicações de que a possível falta dessa consciência ambiental possa gerar sérios conflitos entre as nações”, disse.
Outro ponto importante da reunião em Bali foi a possibilidade de haver novas negociações entre os países para definir os níveis máximos de temperatura mundial. “Esse também foi um passo importante, uma vez que recentemente a Europa, em uma reunião do G8 que contou com autoridades brasileiras, fez a proposta de um pacto global visando à limitação do aumento da temperatura média mundial em 2ºC, o que foi rejeitado pelos Estados Unidos e pelo Brasil”, disse Meira Filho.
Também presente na reunião da capital paulista, Antonio Ludovino Lopes, advogado especialista em direito ambiental que também participou da COP-13, disse que o evento em Bali ofereceu um mapa de caminhos que os países devem perseguir.
“Ainda não sabemos se esse mapa tem tecnologia GPS [Global Positioning System] ou se ele se parece mais com os usados por antigos navegadores. Do ponto de vista jurídico, esse mapa ainda precisa ter alguns espaços preenchidos”, disse.
Para Lopes, em Bali houve uma nítida tentativa de encontrar novos caminhos jurídicos entre os países, de acordo com as limitações dos instrumentos do Protocolo de Kyoto, o que, segundo ele, gerou conclusões de grande expressão na reunião.
“Uma delas foi a implantação, quase que definitiva, do fundo especial para a adaptação. Trata-se de um instrumento do Protocolo de Kyoto que prevê o financiamento de projetos de adaptação ambiental em países em desenvolvimento”, apontou.
(Por Thiago Romero,
Agência FAPESP, 24/01/2008)