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passivos do agronegócio banhados josé lutzenberger
2008-01-23

Parecem  situações distintas. Mas fazem parte da mesma história. O túmulo, do naturalista e ecologista, reconhecido mundialmente pela sua história, José Lutzenberger. Está no alto da coxilha, no Rincão Gaia, a 125 Km de Porto Alegre, pela  BR-290, em direção ao Pampa. Uma propriedade de 30 hectares que ele transformou num recanto natural para a fauna e a flora do Rio Grande do Sul.

Um espaço onde as gerações, as velhas e as novas, poderiam continuar aprendendo sobre o funcionamento do planeta vivo, Gaia, nome do próprio Rincão. Ali ele decidiu ser enterrado, a cinco palmos de profundidade, onde os microorganismos fazem a decomposição da matéria orgânica e dos minerais, que são novamente reincorporados aos ciclos de vida.

- As árvores, florestas, pradarias, os banhados, as algas microscópicas dos oceanos, são órgãos nossos, tão nossos quanto nosso pulmão, coração, fígado ou baço. Poderíamos chamá-las de nossos órgãos externos, enquanto estes últimos são nossos órgãos internos. Mas nós somos órgãos externos delas. O Organismo  Maior é um só .......(trecho do texto sobre Gaia, o planeta vivo, de 1986).

Do outro lado da cerca, que faz a divisa do Rincão com a Estância Capão da Fonte, está o contraste. Primeiro, na encosta da coxilha, uma lavoura de soja, sem terraceamento, ou curvas de nível, o que facilita a erosão, a perda do solo, ladeira abaixo. Na baixada, como é natural, está o banhado, com suas algas aquáticas, juncos, caramujos. Ele é o filtro, o depósito de água, que abastecerá as lagoas na época da seca, ou as fontes de água subterrânea. É um ecossistema singular, único, calculado em mais de 2,5 milhões de hectares no século passado, somente no Rio Grande do Sul. O representante mais conhecido é o banhado do Taim, hoje uma reserva, que é no máximo 10% da área original. Sempre foram tratados com preconceito, criadouros de mosquitos, pântanos. Havia linha de crédito para drenagem. Seu destino normalmente era esse; aterra, seca, transforma-se em lavoura, de arroz ou soja.

Está Secando
O banhado vizinho do túmulo do maior ecologista do país, símbolo de uma luta em favor da vida no planeta, está secando. Ao que tudo indica, uma tática do novo dono, para ocupar toda a área da propriedade. Na virada do ano, uma solitária capivara podia ser vista no banhado. Mas não mais as aves aquáticas migratórias os jacarés de papo–amarelo e outras dezenas de animais. Ele está condenado , vai secar.

- A diferença entre o biólogo convencional, apenas “científico” e o naturalista. A diferença está na veneração! Para o naturalista, a Natureza não é simples objeto de estudo, manipulação, é muito mais. Ela é algo divino não temos medo desta palavra – é sagrada, e nós humanos somos apenas parte dela. Daí a atitude do naturalista não poder jamais ser atitude de agressão, dominação, espoliação ....(trecho do texto Gaia, o planeta vivo)

O antigo dono da propriedade, Arnaldo Gueller reconhecia a importância de manter áreas de mata nativa e também os banhados. É a origem do nome: Estância Capão da Fonte. O capão de mata ele mandou cercar para não deixar dúvida da importância. É ele que mantém a fonte, filtrada e guarnecida pelo banhado. Infelizmente, alguns proprietários não entendem essa lógica, aliás, desconhecem a própria valorização do seu patrimônio. Afinal de contas, quem quer comprar terra degradada, seca, sem fonte de água? O problema é um pouco maior, porque do outro lado do Rincão, a Estância Capão da Fonte conta com uma área de banhado ainda maior.

Ato Condenável
Lá estava um grupo de 10 capivaras, muitas aves, o gavião caramujeiro, biguás e por aí vai. Em volta, um lote de bois pastando. Um pouco acima, na encosta da coxilha, novamente a soja. Posso apostar, que em breve, ele trocará o pasto, por soja e cercará o banhado. Drenagem e aproveitamento total da área. Fiquei questionando qual a expressão certa para definir tal atitude, num estado em que o povo vive demonstrando o apego por suas tradições e histórias.

A primeira palavra seria ironia, mas considerei muito fraca e não traduz a realidade, Não é irônico. É muito mais menosprezo, desprezo pelo fato de a poucos metros, estar a fonte de inspiração de centenas milhares de pessoas que sempre admiraram a luta do Lutz. O caso não é só passar o trator perto da história, mas de apagar um ecossistema inteiro, localizado ao lado do túmulo.

Cheguei a conclusão, depois de consultar o “Aurélio”, que a definição correta é: sacrilégio. Que significa, ato condenável, ultraje feito a pessoa sagrada ou venerável (respeitável). Em dezembro, Lutz completaria 81 anos, morreu aos 75,  em maio de 2002. Um pé de umbu foi plantado na época. O umbu é o símbolo – pelo menos era – da hospitalidade gaúcha, árvore frondosa, tronco grosso, uma base larga, madeira leve, esponjosa, para nunca poder servir à crucificação de um justo, como diz a lenda. O umbu cresceu, Gaia continua seu ciclo de vida, porém o hóspede ilustre do bosque não está nada contente com o destino dos banhados da sua vizinhança

Um  lago
Uma das maiores obras do Rincão, idealizada e produzida por Lutz é o Lago das Estrelas, uma antiga pedreira de basalto, que seria transformada em lixão do município de Pantano Grande. Um lago, cercado por pequenos depósitos de água, com seus aguapés, juncos e outras plantas que servem de filtro, com mais de 20 metros de profundidade, água límpida, uma cor esverdeada. Tudo integrado, como Gaia. Todo final de tarde um biguá ficava secando suas asas na pequena estrutura de madeira na borda. Tesourinhas, espécies de andorinhas, davam mergulhos. De vez em quando, o martim  pescador  passava, avisando, sobre a presença de estranhos. Lambaris crescidos saltavam atrás de insetos.

- Se eu morrer amanhã não tem a menor importância. Eu vou deixar para trás uma coisa boa,.......

(Por Najar Tubino*, Eco Agência, 22/01/2008)
*Jornalista

 


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