Antecipação das chuvas no Pará e Maranhão faz águas subirem 4,5m e pressionarem três cidades. Defesa Civil paraense teme cheia recorde e pede ajuda do Exército. Marabá já prepara abrigo para 3,2 mil famíliasNas cidades ribeirinhas da Amazônia, a vida das pessoas sofre influência direta dos rios. Com o início do período chuvoso, o Rio Tocantins já subiu 4,5m até ontem e virou uma ameaça a duas cidades do Pará (Marabá e Tucuruí) e do Maranhão (Imperatriz). Em Marabá (PA), cidade mais atingida pelas cheias, a Defesa Civil lançou um alerta, avisando que o rio subirá 12m e permanecerá no alto por três meses, cobrindo três bairros inteiros e desabrigando cerca de 1,2 mil famílias só em fevereiro.
Como o Tocantins sobe religiosamente todos os anos, a prefeitura de Marabá já fez um cadastro das casas que serão invadidas pelas águas escuras do rio. Até a semana passada, a lista já tinha 3,2 mil famílias. "Por causa do fluxo migratório, o número de desabrigados aumenta a cada ano. Já pedimos até ajuda do Exército para enfrentar a cheia deste ano", ressalta o coordenador da Defesa Civil de Marabá, Francisco Ribeiro Alves.
O alerta da Defesa Civil tem como justificativa as chuvas, que deveriam começar só no final de janeiro, mas já caem desde novembro ao longo da Bacia do Tocantins-Araguia. Por isso, a prefeitura de Marabá está programando desde já o atendimento da população que será afetada. "O nosso receio é de que a cheia deste ano bata recorde, conforme foi apontado num relatório do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam)", ressalta o coordenador-adjunto da Defesa Civil do Pará, major Marcus Norat.
"Fator cultural" Na parte antiga de Marabá, chamada de Marabá Pioneira, no período da cheia, as águas fluviais deixam à mostra apenas os telhados das casas, chegando bem próximas dos fios elétricos. "A enchente em Marabá já é um fator cultural. A população sai da parte velha e fica em abrigos e casas de amigos e parentes no lado mais novo, chamado de Cidade Nova", conta o antropólogo Rui Matos, do Câmpus Avançado da Universidade Federal do Pará, em Marabá.
O Rio Tocantins corta Marabá bem ao meio, dividindo a cidade em duas. No período da cheia, a parte antiga, que permanece alagada até maio, tem desativada a energia elétrica e os ônibus e carros cedem lugar para barcos de passageiros. "A energia é cortada a pedido da prefeitura, porque os barcos passam bem perto da fiação elétrica, oferecendo risco para a população", diz Alves. Com a cheia, também aumentam os casos de malária e dengue no município.
O documentarista Rodolpho Rennó explica que o rio sobe anualmente, neste período, por causa das chuvas intensas que caem nos estados de Goiás, Mato Grosso e Tocantins. "O rio recebe um imenso volume de água e, ao chegar no Pará, ocorre um acúmulo do índice fluviométrico", explica. Na cidade de Tucuruí, o Tocantins é represado e isso também contribui para as enchentes", ressalta Rennó.
Em Marabá, a cidade inteira se prepara para a cheia do Tocantins. Pelo menos três prédios públicos estão sendo reservados para receber famílias que ficarão desalojadas. A prefeitura está construindo outros três abrigos na parte alta da cidade. Logo após o carnaval, o nível do rio estará 10m acima do nível normal, que é 1,90m. Os bairros que mais serão atingidos são Santa Rosa, Francisco Coelho e Liberdade. Trata-se de três bairros carentes.
Retirantes Em dois anos seguidos (2002 e 2003), a prefeitura de Marabá chegou a cadastrar e remanejar mais de 2 mil famílias que moravam em áreas que alagam anualmente. No entanto, na cheia do ano seguinte sempre havia novos moradores que enfrentavam a alta do rio pela primeira vez. "Nós descobrimos que um contigente de retirantes nordestinos chegava a Marabá pelo trem da Vale do Rio Doce. São pessoas sem emprego, sem casa e sem qualificação profissional", diz o chefe da Defesa Civil de Marabá.
A população de Marabá está tão adaptada à cheia do Tocantins que centenas de famílias que moram na parte que alaga mantêm uma casa no lado da cidade em que a água do rio não alcança. "As pessoas que têm poder aquisitivo alto mantêm duas moradias. Elas insistem em manter residência na parte cheia por causa da tradição de morar no centro da cidade", explica Alves.
Algumas casas são adaptadas para a enchente. Elas têm pé direito mais alto do que o normal e, no lugar do forro, há um esteio feito de madeira para abrigar os móveis no período que o rio está alto. Nos bairros carentes, as famílias retiram todos os móveis e levam para os abrigos públicos bem antes de a água subir. Na cidade submersa, o transporte é feito em pequenos barcos, que cobram R$ 1 por pessoa. "Mesmo com a cidade sob a água, os familiares costumam visitá-las diariamente com receio de saques e roubos de telhas", conta Alves.
Enchentes agendadas
A Defesa Civil brasileira classifica as enchentes como desastres naturais. No ano passado, houve enxurradas e enchentes em 19 estados. Só em Minas Gerais, foram registradas 45 enchentes, desabrigando 176,8 mil pessoas. O estado teve ainda 53 enxurradas, afetando mais 416,8 mil pessoas. Em todo o país, segundo a Defesa Civil, o Brasil teve 1.186 situações de emergência por conta de desastres naturais, incluindo aí estiagens, tempestades e erosões. O total de pessoas afetadas por esses fenômenos em ficou em 9,4 milhões.
Segundo a Defesa Civil nacional, as cidades paraenses banhadas pelo Tocantins são as únicas em que a enchente é agendada, já que o rio sobe todos os anos em fevereiro. "Os preparativos para a cheia do Tocantins começam em outubro", diz Cláudio Mauro Rodrigues, da Defesa Civil do Pará.
Entre todos os desastres naturais, a estiagem é a que mais castiga os brasileiros. Só no Nordeste, mais de 5 milhões de pessoas sofreram com a falta de chuva na Bahia, Ceará, Pernambuco, Sergipe e Piauí. No litoral da Paraíba, Ceará e Pernambuco, a Defesa Civil registrou inundamentos provocados pelo avanço do mar, causando desalojamento de quase 100 mil famílias. "O litoral brasileiro enfrenta um problema sério de avanço do mar", diz o geólogo Carlos Acatauassú, da Universidade Federal da Bahia.
No Sul, a Defesa Civil enfrenta problemas com chuvas de granizos nesta época do ano. Em 2007, houve sete chuvas fortes de pedras em Santa Catarina e nove no Rio Grande do Sul. Esse fenômeno natural desabrigou 42 mil pessoas nos dois estados. O Distrito Federal não registrou qualquer desastre natural grave em 2007, segundo a Defesa Civil nacional.
(Por Ullisses Campbell,
Correio Braziliense, 20/01/2008)