Nada causou tanta celeuma na indústria automobilística mundial como o lançamento do Nano, o veículo ultrabarato fabricado pela Tata, a gigante do aço e da engenharia da Índia. Com preço de venda de US$ 2.500, Nano é o automóvel mais barato do mundo. Porém, o “veículo dos sonhos” pode converter-se em um pesadelo ambiental e revelar-se inseguro, sem airbags para proteger seus passageiros em uma possível batida ou freios que impeçam o bloqueio das rodas. Pode se transformar em uma enorme ameaça nas congestionadas estradas indianas, uma fonte de contaminação, um dano à saúde e, também, uma sangria para os recursos do Estado. Sobretudo, significará um retrocesso na luta contra o aquecimento global.
O governo indiano é o mais reticente em adotar metas obrigatórias de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa, em parte responsáveis pela mudança climática, que estão aumentando nesse país três vezes mais rápido do que a média global. A companhia batizou o Nano como “o carro do povo”, mesmo nome que na Alemanha nazista foi dado ao primeiro modelo da Volkswagen, que também era muito barato, embora, provavelmente, mais seguro.
Alguns especialistas dizem que o nano criou um novo modelo de “engenharia frugal” e vai disparar inovações na indústria automobilística mundial baseadas em uma drástica redução de custos. Mas, apesar de reduzir seu produto às mais rudimentares dimensões, o que levou alguns meios de comunicação nos Estados Unidos a caracterizá-lo como “um carrinho de golfe”, a Tata Motors não parece em condições de manter o preço de US$ 2.500 por muito tempo.
“Na realidade, trata-se de uma oferta de apresentação, que exclui impostos e taxas locais. Colocado nas ruas, custará entre US$ 3.310 e US$ 3.819”, segundo Dinsh Mohan, um especialista em transporte do Instituto Tecnológico de Nova Délhi. “E este é o preço do modelo básico. Outras versões, e incluam, por exemplo, ar-condicionado, serão mais caras”, afirmou. O presidente da companhia, Ratan Tata, já sugeriu que a “oferta de promoção” tem vida curta. “Não poderemos nos prender emocionalmente a um preço. É preciso entender que os preços do aço e dos pneus aumentam”, disse na semana passada na apresentação do veículo.
Tata recordou que em 1983 o Maruti 800, fabricado na Índia pela Suzuki, foi lançado no mercado ao preço de US$ 1.145, o qual mais do que dobrou ao fim de um ano. O baixíssimo preço do nano se deve aos subsídios concedidos pelo governo marxista de Bengala Ocidental, onde fica a montadora. Segundo o ex-ministro de Finanças dessa província, Ashok Mitra, os fundos outorgados pelo Estado, que chegam a US$ 210 milhões, cobriram um quarto dos custos iniciais de capital.
Além disso, a Frente de Esquerda de Bengala Ocidental cedeu à Tata 403 hectares de terreno praticamente sem custo e sem pagamento inicial, concedeu-lhe um empréstimo de US$ 50 milhões com taxa de juros de 1% e isenção de pagamento do imposto sobre valor agregado durante 10 anos, o que representa cerca de US$ 125 milhões. Além da estratégia de mercado em torno do “carro mais barato do mundo”, o Nano tem graves falhas de segurança e em matéria de nível de emissões contaminantes, afirmam especialistas e ambientalistas.
“Provavelmente, este automóvel terá vida longa e com altos custos de manutenção”, disse Mohan. “Já não cumpre os padrões de emissão dos países ocidentais e logo ocorrerá o mesmo quando a Índia adotar as normas aplicadas em muitos países da União Européia”, acrescentou. Os projetistas do Nano optaram pelo uso de uma árvore de transmissão oca para ligar o volante ao eixo, bem como plásticos e adesivos em lugar de pinos e parafusos. As rolemãs da barra de direção poderão se desgastar rapidamente a mais de 70 quilômetros por hora. Possui apenas um limpador de pára-brisa em lugar de dois. Para economizar US$ 10, foi eliminada a suspensão hidráulica, que ajusta o ângulo das luzes do automóvel de acordo com a carga que leva. “Isto terá um impacto na segurança. Alguns problemas surgirão após vários anos de uso. É cedo para dizer se o Nano é confiável e seguro”, afirmou Mohan.
Tata assegura que o automóvel passou nos testes de segurança e que cumpre as normas nacionais de emissão, mas isto não foi verificado por um órgão independente. A companhia, entretanto, admite que não cumpre as normas da UE. “A Índia deveria tê-las adotado há algum tempo, mas não o fez por pressão da indústria”, afirmou Anumita Roychowdhury, do não-governamental Centro para a Ciência e o Meio Ambiente, com sede em Nova Délhi. “O mesmo ocorre com medidas básicas de segurança, em um país que tem um inaceitável número de acidentes e mortes no trânsito. Se fossem postas em prática, o preço do Nano aumentaria entre 40% e 50%”, acrescentou.
Michael Walsh, um consultor que trabalhou para a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, disse que um carro tão barato provavelmente carece da complexa tecnologia necessária para manter seus níveis iniciais de emissões. “Me parece impossível que seja um veiculo limpo”, disse ao jornal The New York Times. Porém, o lançamento do Nano pode abrir caminho para que a indústria automobilística tenha vantagens com as benévolas normas indianas sobre emissões para produzir novos veículos, antes que as autoridades adotem padrões mais severos. Isto agravará a contaminação, que já atingiu níveis críticos em 57% das cidades da Índia, gerando graves problemas de saúde, como doenças respiratórias, hipertensão e obesidade.
(Por Praful Bidwai, IPS, 21/01/208)