As pessoas mais esclarecidas já associam diretamente o câncer ao tabagismo, a exposição ao sol em horários impróprios e ao consumo de carnes vermelhas, só para citar alguns hábitos notoriamente desencadeadores da doença.
O que muita gente ainda não sabe é que vários produtos largamente consumidos no cotidiano fazem uso dos chamados disruptores endócrinos (em inglês: endocrine disruptors - EDs), substâncias que causam distúrbios na síntese, secreção, transporte, ligação, ação ou eliminação de hormônios endógenos e, assim, com o metabolismo, alteram também a diferenciação sexual e a função reprodutiva.
Os efeitos danosos de tais substâncias sobre a saúde são comprovados em vários estudos científicos, porém raríssimas vezes foram expostos de forma clara à população, seja pelos poderes públicos, seja pela mídia de maneira geral.
A razão para tal negligência – que se poderia classificar de criminosa – provavelmente reside, mais uma vez, em aspectos econômicos. As substâncias suspeitas de atuar como disruptores endócrinos estão presentes na fabricação de dezenas de produtos, de filtros solares a detergentes, passando – pasmem – por mamadeiras e embalagens de água mineral.
Um artigo inédito escrito recentemente pela engenheira química Sonia Corina Hess, professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e pós-doutora em Química, alerta para os potenciais efeitos dessas substâncias com as quais todos convivem, sem ter a menor idéia dos riscos a que estão sujeitos.
“Cerca de 10 milhões de pessoas ao redor do mundo recebem diagnóstico de câncer anualmente. Além disso, nos últimos sessenta anos, a contagem média de espermatozóides em alguns países caiu pela metade, enquanto a incidência de malformações do sistema reprodutivo masculino aumentou consideravelmente”, coloca Sonia em seu trabalho científico.
“Depois que vi o filme ‘Agressão ao Homem’, produzido pela rede BBC de Londres e distribuído no Brasil pela ONG Terra Viva, de Campinas (SP), fiquei muito preocupada com os efeitos dos disruptores endócrinos na saúde humana, principalmente na das crianças, e resolvi estudar o assunto a fundo”, disse ela a AmbienteBrasil.
Em seu estudo, ela revela que até mesmo um produto tido como aliado na proteção ao câncer – o filtro solar – , em alguns casos, pode ser justamente o vilão.
“Os filtros de radiação ultravioleta (UV) representam uma nova classe de substâncias ativas como Eds (disruptores endócrinos). Além de protetores da pele, os filtros UV têm sido acrescentados a muitos produtos para conferir-lhes estabilidade à luz, como cosméticos, perfumes, plásticos, carpetes, móveis, roupas e detergentes em pó. Os materiais que absorvem radiação ultravioleta de onda longa (UVA - 400-315 nm) e de onda média (UVB - 315-280 nm) são acrescentados em concentrações de até 10% aos produtos para proteção da pele à radiação solar”, explica.
“Dentre as substâncias empregadas como protetores frente à radiação UV estão: homosalato (HMS), benzofenona- 1 (BP-1), benzofenona- 2 (BP-2), benzofenona- 3 (BP-3), benzofenona- 4 (BP-4), 3-benzilideno cânfora (3-BC), 4-metil benzilideno cânfora (4-MBC) e 4-metoxicinnamato de 2-etilhexila ( OMC). Em experimentos in vitro com células de câncer de mama MCF-7 (avaliação da atividade estrogênica) e células de câncer de mama MDA-kb2 (avaliação da atividade anti-androgênica) , os filtros solares BP-1, BP-2, BP-3, 3-BC, 4-MBC, HMS e OMC causaram estímulo da multiplicação de células MCF-7 na faixa de concentração da ordem de partes por bilhão (ppb)”.
Outra informação preocupante a constar no artigo da especialista diz respeito diretamente à saúde infantil: “Brinquedos, mamadeiras e outros utensílios de material plástico representam uma fonte potencial de contaminação das crianças por ftalatos. Em estudos realizados nos Estados Unidos, foi estimada em 40 a 173 mg/kg de massa corporal/dia a quantidade de DiNP (di-isononila) absorvida pelas crianças ao colocarem brinquedos e outros materiais plásticos na boca”.
Ainda conforme a professora Sonia Hess, um estudo realizado em 2006, para avaliar a qualidade da água destinada ao abastecimento público na região de Campinas (SP), revelou que, dentre as substâncias monitoradas, os seguintes hormônios e disruptores endócrinos foram freqüentemente detectados: dietil e dibutilftalato (0,2-3 ppm), etinilestradiol (1-3,5 ppm), progesterona (1,2-4 ppm) e bisfenol A (2-64 ppm). Amostras de esgoto bruto e tratado também apresentaram concentrações muito próximas daqueles disruptores, indicando a ineficiência do tratamento empregado na estação de tratamento de esgotos para a sua remoção.
O portal
Nosso Futuro Roubado vem se dedicando a divulgar estudos científicos sobre o tema. Os dados que dissemina são igualmente preocupantes. Um artigo publicado pela organização feminina Women’s Network on Health and the Environment, no suplemento “Action for prevention/Ação para a prevenção”, afirma: “Milhares de medicamentos e produtos químicos sintéticos, de largo uso, são estrogênicos por natureza ou em seus efeitos. São disruptores hormonais e podem afetar seriamente nossa saúde e, muito mais, a de nossos descendentes. Estão conectados com os dramáticos crescimentos de efeitos como a infertilidade, das deformações genitais e dos cânceres de origem hormonal como os de mama e de próstata, bem como com a queda do número de espermatozóides, a hiperatividade e outros distúrbios neurológicos”.
PrevençãoAs autoras do estudo, Charlene Day e Miriam Hawkins, elencam uma série de medidas preventivas, bastante úteis sobretudo em função da apatia dos organismos de saúde pública brasileiros em relação a tais substâncias. Seguem algumas orientações (para ler o artigo na íntegra, clique
aqui).
1 - Evite alimentos processados e leia os rótulos dos produtos. Frutas, verduras e grãos integrais, nozes, sementes e leguminosas oferecem muitos benefícios de proteção;
2 - Compre ou plante frutas e verduras orgânicas tanto quanto possível: acautele-se com produtos muito perfeitos (envenenados!!);
3 - Sempre lave bem frutas e verduras com produtos não tóxicos além de remover as folhas externas das plantas folhosas;
4 - Evite gordura animal ou láctea tanto quanto possível para reduzir a permanência da contaminação dos POP’s (produtos organoclorados persistentes). Adquira carne livre de hormônios;
5 - Atente com cuidado para o pescado originário de pesca industrial, especialmente quanto ao salmão e à truta. Peixe de mar é mais seguro;
6 - Faça dieta rica em produtos de soja, brócoli, couve, repolho, couve de Bruxelas e couve-flor;
7 - Evite óleos prensados a quente, margarinas e produtos fritos, opte por azeite de oliva e manteiga orgânica;
8 - Investigue suplementações vitamínicas, mineral e de amino-ácidos como os probióticos (bactéria digestiva);
9 - Desintoxique seu fígado pelo consumo regular de substâncias originárias de plantas;
10 - Como “simplesmente se ignora em quais plásticos os disruptores endócrinos estão presentes bem como qual produção e destino final de alguns deles possam liberar estes poluentes, por precaução, todos os plásticos deverão ser incluídos”, adverte o WWFC. Fazer-se pressão por produtos seguros como a retirada de plastificantes tanto das embalagens como dos filmes transparentes, para que se reduza drasticamente a migração destas substâncias para os alimentos embalados. Mamadeiras de nenês podem ser feitas com plásticos livres de bisfenol-A;
11 - Evite recipientes plásticos, copos de poliestireno, alimento embalado ou enlatado em envases com revestimento interno que podem conter pseudoestrogênios que migram para o alimento quando aquecidos ou ao ser estocado por longo tempo. Armazene ou coloque no microondas, os alimentos em embalagens de vidro. Exija mamadeiras de vidro e congele alimentos em embalagens de vidro abertas (deixar dois dedos de espaço para o alimento expandir-se e após vedar). Evite filmes transparentes de plástico (minimizando contato com o alimento) e alimentos gordurosos em plásticos selados a quente (embalagens para congelamento são melhores);
12 - Evite plásticos feitos com PVC, identificado com o nº 3, em produtos finais como: embalagens para cuidados pessoais e produtos de limpeza domésticos; persianas ou venezianas plásticas; cortina para chuveiros; suprimentos de escritório, automóveis e construções. Uma preocupação particular está nos itens aos quais as crianças fazem contato como brinquedos, mordedores, assoalhos e mobílias de vinil. Apegue-se à madeira ou às fibras naturais. Produtos hospitalares e de enfermagem são fontes primárias tanto para os pacientes internados como para a comunidade: quando incinerados os plásticos feitos com PVC podem gerar dioxinas e furanos;
13 - Faça exercícios moderados como parte efetiva de sua vida. Exercícios resultam em menores exposições aos estrogênios naturais, protela a menarca, menos menstruações e menopausa precoce, aumentando o “bom” estrogênio e as proteínas conectadas a ele, reduzindo o risco de câncer de mama pelo desvio do estrogênio para longe das células sensíveis da mama. Procure desanuviar sua vida e durma o suficiente além da prática da meditação. Isto também ajuda suas glândulas supra-renais;
14 - Os produtos de cuidado pessoal estão minados de riscos. Alvejantes alcalinos (maioria dos sabonetes de supermercados) destroem o “manto ácido” da pele, o primeiro escudo de defesa contra os químicos. Evite tais produtos que contenham petroquímicos (incluindo cosméticos, protetores solar e repelentes de mosquitos). Evite espermicida e gel para vagina que contenham nonilfenol. Troque a tintura permanente ou semipermanente de cabelo para produtos seguros com hena, de ervas ou produtos seguros. As tinturas convencionais (principalmente a negra) contêm uma vasta gama de ingredientes carcinogênicos e contaminantes tóxicos que rapidamente são absorvidos pelo couro cabeludo. Pesquisas conectaram alguns deles o câncer de mama, linfoma non-Hodgkin’s e múltiplos mielomas;
15 - Evite agrotóxicos e todos os tipos de biocidas domésticos. Use métodos naturais para manter gramados e jardins. Se jogar golfe mantenha longe de sua boca as mãos, os tacos, as bolas e outros utensílios do jogo (a maioria dos campos de golfe é intensivamente aspergida com venenos). O Canadá suspendeu o registro de todos os agrotóxicos que continham hexaclorobenzeno, dioxinas e/ou furanos ou outros químicos tóxicos persistentes. Os herbicidas que contém o princípio ativo 2,4-D podem estar tanto com dioxinas como com HCB (nt.: BHC ou pó-de-gafanhoto entre nós) . As indústrias devem ser questionadas para contestar seu potencial de mimetizador hormonal. Usos que exponham crianças, devem ser suspensos. Nonilfenol pode estar presente nas formulações de agrotóxicos mesmo sem indicação no rótulo. Evite o uso de shampoos para humanos com lindano e piretróides tanto para o controle de piolho como da escabiose (sarna) além dos shampoos para controle de pulgas para animais domésticos (o lindano pode ter sido banido, mas está sendo levado pelos produtores de canola que o empregam em suas sementes). Para pulgas aplique azeite de oliva, depois vinagre e enxágüe;
16 - Nonilfenóis etoxilatos metabolizam-se como o mimetizador hormonal nonilfenol no esgoto e nos mananciais hídricos. São utilizados em detergentes líquidos, produtos multi-usos, sabonetes e shampoos tanto quanto em agrotóxicos, na extração do petróleo e gases naturais, em fábricas de celulose e papel além de têxteis. Evite alvejantes “super-poderosos” – provavelmente os nonilfenóis foram utilizados. Escolha sabões e detergentes, especialmente líquidos, que o fabricante lhe assegure que não contém nonilfenóis. Utilize produtos alvejantes não-tóxicos como soda cozida, bórax e vinagre ou produtos “verdes”, abolindo produtos com cloro e fosfatados. Minimize a utilização do carro e de energia. Nonilfenóis são utilizados na perfuração, na extração e na produção do petróleo e do gás natural. Encoraje a elaboração de uma lista planetária de produtos, disponíveis para o consumidor, que contenham nonilfenóis além do nome de seus fabricantes;
17 - Campos eletromagnéticos podem causar disfunções tanto nos sistemas elétricos normais do organismo como no sistema imunológico. Escolha utensílios com baixos campos eletromagnéticos e utilize-os a uma distância segura – pelo menos setenta centímetros para pequenas unidades e mais para microondas. Telefones celulares e torres de transmissão podem emitir níveis perigosos de microondas. Campos eletromagnéticos assim como a luz à noite, inibem a melatonina;
18 - Evite pintura em spray e aerossol. Escolha tintas livre de chumbo. Lave com freqüência as mãos, os assoalhos e os peitorais das janelas;
19 - Trate baterias e pilhas velhas como resíduos perigosos. Evite obturações dentais com amálgama de mercúrio. Solicite para novas obturações ou trocas, a porcelana, o ouro ou composta;
20 - Evite o mais possível todas as formas de cloro. Promova o ozônio para substituir o cloro no tratamento de piscinas. Escolha produtos de papel branqueados sem cloro por este gerar dioxinas e furanos, dois dos mais perigosos POP’s.
(Por Mônica Pinto,
AmbienteBrasil, 21/01/2008)