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pneus usados
2008-01-22
O Órgão de Apelação da OMC deliberou, no dia 3 de dezembro, sobre ação promovida pelas Comunidades Européias contra o Brasil. A controvérsia centrava-se na proibição brasileira à importação de pneus reformados procedentes da Europa comunitária; na exceção a esta proibição no âmbito do Mercosul, em função de laudo arbitral que dera ganho de causa ao Uruguai, que tinha pleiteado, com base em normas do Mercosul, a exceção apenas para a espécie remoldados; e em liminares concedidas pelo Judiciário brasileiro que ensejavam a importação, por produtores nacionais, de pneus usados para remanufaturá-los no Brasil.

A ação suscita temas de meio ambiente e saúde pública que vou sublinhar para, em seguida, examinar o enquadramento jurídico que o Órgão de Apelação deu à questão. Pneus são indispensáveis para a economia de transporte de um país como o Brasil. Pneus reformados são pneus usados, remanufaturados por processo industrial. Têm uma durabilidade entre 30% e 100% de um pneu novo, dependendo da abrangência do processo industrial de sua remanufatura. Um pneu reformado não pode ser novamente remanufaturado. Ao fim de sua vida útil se transforma em resíduo de difícil disposição. Pneu usado que não pode mais ser remanufaturado é lixo de problemática e custosa gestão. Amplia o passivo ambiental do país e oferece riscos para a saúde. Favorece mosquitos propagadores da dengue e libera toxinas no solo, na água e no ar.

Promover, no plano interno, a remanufatura de pneus que circulam na economia é válido, pois prolonga a vida útil dos pneus e retarda a acumulação de um lixo que amplia o passivo ambiental nacional.

Não é válido, na perspectiva do desenvolvimento sustentável, importar pneus reformados, pois, não podendo ser remanufaturados, aceleram a produção do lixo ambiental. Esta é a base da proibição brasileira que as Comunidades Européias questionaram, alegando ser uma injustificada restrição ao comércio. Não é válida também, nesta perspectiva, a exceção do Mercosul, pois a importação de pneus reformados da região contribui para aumentar o passivo ambiental nacional. Igualmente, acelera a acumulação de lixo ambiental importar pneus usados, com respaldo em liminares, para remanufaturá-los.

A decisão do Órgão de Apelação, do qual participou o seu membro brasileiro, o professor Luiz Olavo Baptista, tem relevante alcance jurídico no encaminhamento dos problemas acima discutidos.

A questão de fundo com que se confrontou o Órgão de Apelação é a do conflito possível entre as normas da OMC que regem o comércio internacional, direcionadas para a livre circulação de mercadorias e baseadas no princípio da não-discriminação entre produtos nacionais e estrangeiros, e o desenvolvimento sustentável. No caso, políticas públicas nacionais de saúde e de preservação do meio ambiente que, em matéria de pneus, dizem respeito à gestão de resíduos e seu impacto para a saúde.

A solução deste conflito pelo Órgão de Apelação, em qualificada ponderação favorável ao desenvolvimento sustentável, baseou-se – como outras que integram a jurisprudência da OMC – na interpretação do artigo XX do Gatt (1994). Este artigo contempla o rol das válidas exceções gerais aos princípios reguladores da livre circulação de bens da OMC.
O artigo XX, letra b, arrola entre estas exceções as medidas necessárias para proteger a vida humana, animal e vegetal ou a saúde. A decisão do Órgão de Apelação diz que é um direito dos membros da OMC determinar o nível de proteção que consideram necessário, entende que medidas desse tipo devem dar contribuição material efetiva para alcançar seus objetivos e conclui que a proibição brasileira da importação de pneus reformados é uma contribuição dessa natureza. Confirmou, assim, a legalidade da proibição.

O caput do artigo XX, ao tratar das condições de validade das exceções gerais nele listadas, menciona que as medidas não devem ser arbitrárias nem estabelecer discriminações injustificáveis entre países ou constituir uma restrição disfarçada ao comércio internacional.

O Órgão de Apelação considerou a exceção do Mercosul uma discriminação injustificada em relação a outros membros da OMC. Afeta a coerência e a eficácia dos objetivos visados pela proibição e não se sustenta com base em dispositivos do artigo XX que enquadrariam o laudo arbitral no rol de obrigações internacionais do Brasil. Entendeu o Órgão de Apelação que a aplicação do laudo arbitral do Mercosul, por não ter tratado de temas do artigo XX (b), representava uma aplicação arbitrária e injustificadamente discriminatória da proibição. Ponderou que o Brasil poderia, no correr dos procedimentos do laudo arbitral, ter invocado, no âmbito do Mercosul, como fundamento da proibição o artigo 50  do Tratado de Montevidéu, que é similar ao artigo XX (b) do Gatt (1994). Neste sentido, a decisão do Órgão de Apelação, no trato da relação entre um acordo regional e a OMC, ensaia um controle de consistência e legalidade. Esta é uma das originalidades jurídicas da decisão de 3/12, que permitirá ao Brasil reabrir a questão no Mercosul.

No que diz respeito às liminares, o Órgão de Apelação foi além do panel de primeira instância. Este afirmou que a discriminação injustificada teria como critério um volume de importações que poria em questão os objetivos da proibição. Entendeu o Órgão de Apelação, por razões de consistência, que as liminares, independentemente do volume de importações que propiciam, configuram uma injustificada discriminação.

Neste sentido, a decisão é um convite ao Judiciário brasileiro, em especial ao STF, para reexaminar a concessão destas liminares à luz não só das obrigações internacionais do Brasil, mas também dos dispositivos constitucionais e da legislação brasileira que dizem respeito à ordem pública do meio ambiente e à da saúde pública.

(Por Celso Lafer, Revista Consultor Jurídico, 20/01/2008)
Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo

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