No ano passado, pela primeira vez desde que a gripe das aves emergiu como ameaça global, o número de casos humanos foi menor do que no ano anterior. Na medida em que a doença retrocedeu, as manchetes assustadoras -com suas advertências que uma pandemia poderia matar 150 milhões de pessoas- praticamente desapareceram.
A gripe aviária, entretanto, não foi embora, nem se tornou menos letal ou menos disseminada nas aves. Especialistas argumentam que os esforços de combate à doença devem continuar, mesmo que o vírus não tenha sofrido mutação para se tornar uma cepa pandêmica e tenha dado mais espaço para o mundo respirar.
Foram 86 casos humanos confirmados no ano passado, comparados com 115 em 2006, de acordo com a Organização Mundial de Saúde; 59 mortes comparadas com 79. Especialistas assumem que os números verdadeiros são muitas vezes maiores, porque muitos casos não são identificados, mas isso ainda está longe de uma pandemia.
David Nabarro, coordenador de gripe aviária da ONU, recentemente admitiu que se preocupa menos do que há três anos. "Não porque eu ache que a ameaça mudou", acrescentou rapidamente, "mas porque a resposta a ela melhorou muito".
O mundo claramente está mais preparado. Vacinas foram desenvolvidas; os estoques de Tamiflu e de máscaras aumentaram. Muitos países, cidades, empresas e escolas estabeleceram planos para o caso de pandemia. O Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, criado em Estocolmo em 2005, estimou que a União Européia precisava de "outros dois ou três anos de trabalho duro e investimentos" para estar pronta para a pandemia, mas isso já é uma melhora, porque as estimativas anteriores eram de cinco anos.
Nos países mais atingidos -todos pobres- os laboratórios se tornaram mais rápidos nos exames de gripe. Veterinários do governo agora são mais ágeis no abate de galinhas infectadas. Os hospitais têm alas para pacientes suspeitos, e epidemiologistas verificam os contatos e tratam todos com Tamiflu -uma tática para prevenir surtos antes do vírus poder se adaptar em humanos.
Bernard Vallat, diretor geral da Organização Mundial de Saúde Animal, recentemente chamou o vírus de "extremamente estável" e portanto menos provável de sofrer mutação para uma forma pandêmica. Muitos virologistas proeminentes discordam veementemente. Outros, entretanto, que argumentaram há três anos que o H5N1 não se tornaria "pandemia", estão sentindo um pouco convencidos.
Paul A. Offit, especialista em vacinas do Hospital Infantil da Filadélfia, foi um que "ousou ser estúpido", disse brincando, ao questionar a tendência alarmista em 2005. "Vírus H5 existem há 100 anos; nunca causaram pandemia e provavelmente nunca o farão", disse ele. Offit, entretanto, disse que defendeu todos os esforços de prontidão porque esperava outra pandemia de um H1, H2 ou H3, subtipos responsáveis por seis epidemias anteriores, inclusive uma catastrófica em 1918.
"O que me preocupa é que houve um fenômeno alarmista", disse ele. "Quando a próxima pandemia vier, as pessoas vão dizer: 'Sei, sei, já ouvimos isso da última vez.'" Alguns que eram "Cassandras" em 2005 ainda são. O fato dos casos humanos terem caído ligeiramente no ano passado é "bastante insignificante", argumentou Michael T. Osterholme, diretor do Centro de Pesquisa e Política em Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota. O vírus ainda está circulando e gerou 10 linhagens e centenas de variantes.
Os preparativos mundiais até agora são simbólicos, disse ele, "como enviar 10 soldados para uma guerra quando se precisa de 10.000." Osterholme observou que a gripe H3N8 encontrada em cavalos nos anos 60 levou 40 anos para se adaptar aos cães, mas desde 2004 espalhou-se aos canis de todo o país. O aspecto mais preocupante do H5N1 é que persiste em pássaros sem se tornar menos letal a eles, concordam quase todos os cientistas.
"Este é o vírus de gripe aviária mais sério conhecido", disse Nabarro. "Em 2007, estava em 60 países. Deve ser tratado." Apesar do abate de centenas de milhões de aves e da injeção de bilhões de doses de vacina de frangos, o vírus está fora de controle em alguns dos países mais populosos. Exatamente quais ainda está em discussão, porque alguns não querem admitir que não conseguem livrar suas criações da doença. Vallat listou três países onde a doença agora é endêmica nas aves locais: Egito, Indonésia e Nigéria.
Nabarro acrescentou Bangladesh, Vietnã e partes da China. Relatos de surtos recorrentes também persistem em partes da Índia, Mianmar e Paquistão. Na semana passada, aldeões na Índia mataram e comeram suas galinhas antes que os abatedores do governo, que pagavam menos de um terço do valor de mercado, pudessem apreendê-las.
Dr. Henry L. Niman, bioquímico em Pittsburgh cujo site da Web acompanha as mutações virais, argumenta que há um reservatório separado em aves silvestres que se estende pela Eurásia. No final de cada outono, novos surtos parecem pela Europa e até o Oriente Médio, quando gansos e cisnes migram da Ásia para a África. Em dezembro, pássaros moribundos foram encontrados na Polônia e na Rússia, na Arábia Saudita e até em um zoológico de Israel. No dia 8 de janeiro, a doença atingiu um dos mais famosos criadouros de cisnes da Inglaterra, o Abbotsbury Swannery, que existe desde o século 11.
O hemisfério ocidental corre menos perigo, de acordo com um estudo publicado na revista PloS Pathogens, que analisou os vírus em aves migratórias de amostras de 2001 até 2006 em Alberta e ao longo da costa de Jersey e concluiu que nenhuma carregava vírus em sua forma completa das aves da Eurásia. Portanto, é mais provável que a importação do vírus seja por "aves movidas legal ou ilegalmente por humanos", concluíram.
Talvez seja ainda mais provável que um ser humano seja o primeiro portador. Houve um caso no início de dezembro, quando seis membros de uma família do Paquistão adoeceram, provavelmente infectados por um irmão que tinha abatido animais doentes. Outro irmão, que morava em Long Island, foi para o Paquistão para o funeral e sentiu-se mal quando voltou para casa. Ele não tinha o H5N1, mas demonstrou como seria fácil o vírus chegar ao hemisfério ocidental.
O Paquistão teve seus primeiros casos humanos no ano passado, assim como o Laos, Mianmar e Nigéria. Muitas pequenas mutações foram registradas que parecem tornar o vírus mais adaptável aos humanos e mais resistentes às drogas conhecidas, mas nenhuma combinação do tipo que produz uma supercepa. Noventa por cento dos casos de contaminação foram entre parentes consangüíneos, e o especialista em gripe aviária Arnold S. Monto, da Escola de Michigan de Saúde Pública, sugeriu uma suscetibilidade genética que ainda não foi definida.
Há muito se sabe que o vírus tem dificuldade em se ligar a receptores do nariz humano. Uma equipe do MIT refinou isso, mostrando que esses receptores têm dois formatos, cone e guarda-chuva, e que os vírus aviários se ligam melhor aos cones. As vacinas tiveram um progresso rápido. A mais recente, disse Monto, precisa apenas de pequenas quantidades de antígeno -4 microgramas por injeção em vez de 90 microgramas- o que a torna mais prática de produzir.
Alguns cientistas defendem a vacinação de milhões de pessoas como precaução. Uma dose, mesmo que baseada em uma cepa de 3 anos, pode proteger contra a morte, se não da infecção. Uma segunda dose com proteção total poderia ser feita de qualquer cepa que se tornasse pandêmica.
Klaus Stoehr, que foi diretor de vacinas de gripe da Organização Mundial de Saúde e hoje faz o mesmo para a Novartis, diz que levaria cerca de um ano para produzir um bilhão de doses de qualquer vacina baseada na nova cepa pandêmica. A pandemia, contudo, daria a volta no globo em três meses.
"O pico teria terminado e, principalmente, você estaria vacinando os sobreviventes", disse Stoehr. A Suíça, acrescentou, tem um estoque de vacinas e planeja testá-las em soldados, policiais e pessoal da saúde antes de decidir se oferecerá a todos os suíços.
Com o fiasco da gripe suína americana, no qual uma vacina feita contra uma pandemia que nunca emergiu prejudicou mais pessoas que a própria doença, os especialistas acreditam que é improvável que muitos americanos estariam dispostos a tomar tais precauções.
(Por Donald G. McNeil Jr., The New York Times, tradução de Deborah Weinberg, UOL, 22/01/2008)