A mídia nunca deu muita importância, especialistas climáticos falam pouco ou não prestam a devida atenção e os relatórios do IPCC nem ao menos o citam. O escurecimento global é a diminuição da quantidade de radiação que chega à superfície terrestre que, paradoxalmente, pode significar que o aquecimento global é muito mais ameaçador do que se pensava.
Muitas pesquisas foram publicadas nos anos 90 sobre o assunto e reportavam que os raios solares decaiam na Irlanda, que tanto a Antártida quanto o Ártico estavam ficando mais escuros e que a luz no Japão, a suposta terra do sol nascente, estava na verdade diminuindo.
Dados revelam que nos últimos 50 anos a quantidade média de radiação solar que atingiu o solo caiu em 3% a cada década. Apesar de parecer pequeno, implica em conseqüências para as mudanças climáticas, energia solar e fotossíntese das plantas. Outros estudos mostraram ainda que a radiação solar havia caído 10% nos EUA, cerca de 30% em partes da antiga União Soviética e 16% em partes das ilhas britânicas. Apesar das últimas pesquisas sobre o assunto terem sido publicadas em revistas científicas há dois anos, o fenômeno continua nos céus esperando para que alguém o acompanhe atentamente.
Quem e como descobriu?
Em 1985, o pesquisador geográfico Atsumu Ohmura, do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, descobriu que os níveis de radiação solar haviam caído mais de 10% em três décadas. Eu estava chocado. A diferença era tão grande que eu não conseguia acreditar, disse. Ohmura foi o primeiro cientista a publicar um estudo sobre o escurecimento global, em 1989. Claro, foi totalmente ignorado pela comunidade cientifica que andava se preocupando com o inverso o aquecimento global.
Em 2001, o inglês Gerry Stanhill, em conjunto com Shabtai Cohen, publicou uma pesquisa que comparava os registros de raios solares em Israel nos anos 50 com os atuais. O pesquisador observou uma impressionante queda de 22% dos raios solares, que o deixou surpreso. Intrigado, ele foi em busca de dados similares de outros pontos do mundo, e encontrou a mesma história em todo local que procurava.
Eles coletaram todas as evidências disponíveis e provaram que, em média, os registros mostravam que a quantidade de radiação solar que alcançava a superfície da Terra tinha diminuído entre 0,23 e 0,32% em cada ano, entre os anos de 1958 e 1992. Stanhill batizou o fenômeno de escurecimento global e, a sua pesquisa também foi recebida com ceticismo pela comunidade científica.
Porém naquele mesmo ano, o cientista climático Graham Farquhar, da Universidade Nacional da Austrália e seu colega Michael Roderick publicaram um estudo que cruzava dados sobre o escurecimento global com taxas de evaporação das chuvas na revista mais bem conceituada americana - a Science. Depois de mais de 20 anos da primeira observação, o escurecimento global finalmente ganhava destaque.
Farquhar utilizou um método completamente diferente para confirmar as conclusões de Stanhill. Estudos e mais estudos usando uma panela de metal cheia de água mostraram que as taxas de evaporação têm caído nos últimos anos. Este era um dos maiores mistérios da ciência climática, uma vez que, já constatado o aquecimento da Terra, esperava-se um aumento na taxa de evaporação.
Quando Farquhar comparou estes dados com os do escurecimento global, eles bateram perfeitamente. A redução na evaporação era causada pela menor quantidade de água que brilhava na superfície aquática. Foi então que os cientistas climáticos acordaram para o problema e começaram a tomar nota, apesar de alguns ainda se recusarem a aceitar, acusando a falta de precisão do equipamento de registro dos dados.
É uma coisa extraordinárias que, por alguma razão, isto não penetrou nem mesmo nos pensamentos das pessoas que olham para as mudanças climáticas globais, disse o Farquhar para o jornal britânico The Guardian, em uma reportagem de 2003. O cientista atmosférico do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, Martin Wild, liderou um estudo publicado na Science em 2005 que mostra que houve um significativo escurecimento sobre a Terra até cerca de 1990, quando os dados sugerem que iniciou um processo gradual de luminosidade. Wild atribui o brilho atual ao bem sucedido esforço no controle da poluição.
De 1960 a 1980, o escurecimento foi grande o suficiente para contrabalancear o aumento induzido dos gases do efeito estufa e diminuir as grandes ondas de radiação, disse. Um time liderado por Bruce A. Wielick, do Centro de Pesquisas Langley da Nasa, na Virgìnia, produziu relatos das medidas do satellite da agência Aqua que mostraram uma pequena queda na quantidade de luz refletida para fora da Terra desde 2000. Os resultados da Nasa conflitam nas medidas, sugerindo que a Terra teria recomeçado o processo em 2001.
Em um artigo publicado na Revista Science, James E. Hansen, do Instituto Goddard para estudos espaciais, de Nova York, e seus colegas dizem que muito do excesso de calor gerado pelo aquecimento global tem estado armazenado nos oceanos. Mesmo se mais nenhum gás do efeito estufa for liberado para a atmosfera, eles afirmam, a Terra ficará mais quente nas próximas décadas, uma vez que o calor dos oceanos será liberado. Pesquisadores do Laboratório Nacional do Noroeste do Pacífico em Washington descobriram que a quantidade de luz que chegava na China caiu em 3,7 watts por jarda quadrada nos últimos 50 anos. As pesquisas foram publicadas no Geophysical Research Letters em 2006.
Como é medida?
A radiação solar é medida vendo quanto o lado de um prato preto aquece quando exposto ao sol, comparado com o outro lado, que está na sombra. É um equipamento relativamente simples e não existem maneiras de provar qual exatas são as medidas feitas 30 anos atrás. “Para detectar mudanças temporais você precisa de dados muito bons, senão estará apenas analisando a diferença entre dados de sistemas possivelmente recuperados (data retrieval systems)”, diz Ohmura.
No início de 2006, a Nasa abandonou um programa que poderia ter oferecido, de alguma maneira, evidências do fenômeno. O Deep Spack Climate Observatory foi criado para observar a luminosidade do sol sobre um lado da Terra durante longos períodos.
Segundo Robert Charlson, do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de Washington, em Seattle, o satélite poderia oferecer dados sobre o escurecimento global, assim como sobre o aquecimento. O aparelho foi construído e preparado para ser lançado em 2001, porém com os ataques terroristas e a perda da nave Columbia em 2003, o lançamento foi adiado. O resultado foi que os pesquisadores estão limitados a fotos de satélites e instrumentos de leitura no solo.
Causa
Os cientistas suspeitam que o fenômeno seja causado pela poluição. Queima de carvão, petróleo e madeira, carros e usinas energéticas não produzem apenas gases invisíveis como o dióxido de carbono, principal responsável pelo Efeito Estufa, mas também minúsculas partículas de poeira, soot, componentes sulfúricos e outros poluentes.
Essa poluição atmosférica visível reflete a luz solar de volta ao espaço, não a deixando chegar ao solo. Além disso, ela muda as propriedades ópticas das nuvens. Nuvens poluídas contem um maior número de gotas do que as não poluídas (pq?) Pesquisas recentes mostram que isto as faz refletir mais do que o normal, o que mais uma vez provoca reflexos dos raios solares para o espaço.
A pesquisadora Rachel Pinker, da Universidade de Maryland, também nos Estados Unidos, tem feito estudos baseados em imagens de satélites e argumenta que os números sugerem que algo esteja acontecendo, só não existem dados suficientes para saber o que é. "Isto pode ser o nível dos poluentes, mas também pode ser a interação de nuvens de aerosol ou instrumentos diferentes que estão fazendo as leituras”, disse em reportagem para o ABC News em 2006.
Conseqüências
Há sugestões de que o escurecimento está por detrás das secas da África subsaariana, o que acabou com milhares de vidas nos anos 70 e 80. Hoje se suspeita que a mesma coisa esteja acontecendo na Ásia, casa para mais da metade da população mundial. “Minha principal preocupação é que o escurecimento global está causando um impacto destrutivo às monções asiáticas e estamos falando de bilhões de pessoas”, diz o professor de ciências climáticas e atmosféricas da Universidade da Califórnia, San Diego, Veerhabhadran Ramanathan.
O mais alarmante é que os cientistas podem ter subestimado o verdadeiro poder do efeito estufa. Eles sabem quanta energia extra tem sido mantida na atmosfera terrestre em função do dióxido de carbono que emitimos. O os surpreendem é que esta energia extra até agora resultou em um aumento de apenas 0.6º C. A conclusão para muitos era de que o clima atual é menos sensível ao efeito do dióxido de carbono (CO2) que era, digamos, na era do gelo, quando um aumento similar de CO2 levaria a um aumento de 6º C.
Mas agora parece que o aquecimento dos gases do efeito estufa foi neutralizado por um forte efeito de resfriamento causado pelo escurecimento – na verdade um ou dois poluentes teriam cancelado um ao outro. Isto significa que o clima na verdade é mais sensível ao efeito estufa que se pensava anteriormente.
Se for isso, então temos más notícias, de acordo com Peter Cox, um dos modelares climáticos líderes do mundo. Do jeito que as coisas andam, os níveis de CO2 são projetados para crescer fortemente nas próximas décadas, enquanto existem fortes sinais de que as partículas poluentes têm sido controladas.
Ohmura diz que as imagens de satélite das nuvens sugerem que o céu se tornou ligeiramente mais limpo desde o início da década de 90 e isto vem sendo acompanhado por uma abrupta subida de temperatura. Ambos os fatos podem indicar que o escurecimento global está diminuindo, e isto pode estar ligado à redução geral da poluição atmosférica, através do declínio da indústria pesada em partes do mundo nos anos recentes.
Também é possível que o escurecimento global não seja inteiramente causado pela poluição atmosférica. “Eu não acredito que os aerossóis sozinhos poderiam causar tanto escurecimento global”, diz Farquhar. Até as mais pessimistas previsões de aquecimento global precisariam de uma revisão dramática, pois com um aumento de 10º C nas temperaturas em 2100 em jogo, daria ao Reino Unido um clima como o da África do Norte, e deixaria muitas partes do planeta desabitadas.
(Por Paula Scheidt, CarbonoBrasil com informações da BBC Brasil, The Guardian, N.Y Times e ABC News, 18/01/2008)