Cientistas descobrem os "pontos sem volta" da Amazônia, a partir dos quais a selva vira savana
Não é preciso empunhar motosserras ou derrubar árvores para colocar em risco o futuro da Amazônia. Mesmo que o desmatamento fosse zerado hoje e toda a mata derrubada, replantada amanhã, o excesso de gás carbônico lançado na atmosfera pelos escapamentos e chaminés do mundo industrial ainda ameaça transformar a floresta tropical em savana.
O alerta foi dado pelo especialista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em palestra no Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington, na quarta-feira, organizada em parceria com o Estado.
Estudos conduzidos por Nobre e colegas brasileiros mostram que a Amazônia é forte, mas não invencível. Com o agravamento do aquecimento global, caso a temperatura média do planeta suba mais do que 2,5°C, é possível que grande parte das florestas da Amazônia oriental seja reduzida a formações de savana, mais parecidas com o cerrado, por causa da redução de chuvas.
"Acima de 3°C, o risco de todo o centro-leste da Amazônia virar savana é muito grande", avisa Nobre. Esse seria o chamado "tipping point", ou ponto sem volta, a partir do qual a transformação da floresta se tornaria irreversível. Quando esse ponto será atingido é difícil prever. Vai depender da maneira como o mundo lidar com as emissões de gases do efeito estufa - especialmente o dióxido de carbono (CO2) - nos próximos anos.
Caso nada seja feito para reverter o aumento das emissões, segundo Nobre, os modelos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) prevêem um aumento de 4°C a 7°C para a Amazônia até 2100 - ambos acima do limite de 3°C. É uma ameaça que escapa ao controle do Brasil, já que o País não tem como resolver o problema do aquecimento global sozinho.
Outro "tipping point" - esse sim, sob responsabilidade direta do País - é o desmatamento. Aconteça o que acontecer com o termômetro mundial, a redução de 40% da cobertura florestal no leste da Amazônia poderá deflagrar alterações climáticas severas na região, com redução de chuvas e aumento da temperatura local. O resultado, no fim, é o mesmo: savanização, acompanhada de enormes perdas de biodiversidade e serviços ambientais.
Quando essa linha sem volta será cruzada também é difícil prever. Assim como no caso das emissões de gás carbônico, a velocidade da mudança vai depender da postura do Brasil com relação ao desmatamento nos próximos anos. Até agora, andamos metade do caminho: cerca de 20% da Amazônia oriental já foi desmatada, segundo Nobre.
O pior é que ambos os processos - aquecimento e desmatamento - estão ocorrendo simultaneamente. Nobre ainda não tem modelos integrados com os dois fatores. Esse estudo está sendo feito agora. Mas não há dúvida de que o cenário nesse caso será ainda pior, com um processo empurrando o outro cada vez mais rapidamente em direção ao abismo.
E, para piorar mais um pouco, há um terceiro "tipping point" que ainda não foi considerado: o fogo. Com o aumento da temperatura e a redução de chuvas, a floresta fica mais seca e mais vulnerável a incêndios, que enfraquecem ainda mais sua capacidade de resistir às mudanças climáticas e ao desmatamento. "Os sistemas ecológicos estão adaptados a mudanças sazonais, para mais e para menos, mas não estão adaptados a mudanças rápidas numa só direção, como estamos fazendo agora", afirma Nobre.
A parte oeste da Amazônia é mais resistente, segundo ele, por causa da maior abundância de chuvas, trazida por frentes oceânicas que se chocam com os Andes.
NÚMEROS
3°C de
aumento de temperatura é o ponto a partir do qual as florestas do leste da Amazônia se transformam em savanas
40% de redução
da cobertura florestal da região é o ?tipping point? de desmatamento, a partir do qual também ocorre a savanização
7°C é quanto
a temperatura da Amazônia poderá aumentar até 2100 por causa do aquecimento global
20% das florestas
do leste da Amazônia já foram desmatadas
(Herton Escobar, Agência Estado, 20/01/2008)