Hospitais não suspeitaram da doença, apesar de as vítimas terem passado por regiões endêmicas sem a vacinação, dizem familiares
Para infectologista, médicos não obtêm a história clínica do paciente; tratamento correto na fase inicial pode diminuir a mortalidade
Ao menos quatro dos oito mortos por febre amarela no país passaram por hospitais com sintomas iniciais, como febre e mal-estar, e foram dispensados sem que a suspeita da doença fosse aventada, segundo familiares. As vítimas estiveram em regiões endêmicas e não tinham sido vacinadas.
O caso do espanhol Salvador Perez De La Cal, 41, é bem emblemático. Em 3 de janeiro, ele começou a passar mal, procurou dois hospitais públicos de Goiânia e, nas duas ocasiões, foi medicado e liberado, sem que se suspeitasse de febre amarela, segundo a viúva Marny Selma de Mendonça, 31.
Com a piora do estado de saúde, La Cal foi internado no Hospital de Doenças Tropicais de Goiânia com falência renal e hepática e morreu no dia 12.
A morte do agricultor José da Silva, 33, também chama a atenção. Ele sentiu os primeiros sintomas de febre amarela no dia 6, buscou ajuda em hospitais da região de Luziânia (GO), foi medicado e dispensado, segundo o irmão Cícero Geraldo da Silva, 26, que também contraiu a doença no mesmo período, mas sobreviveu. Dois dias depois, ainda mais fraco, foi transferido para Brasília, mas morreu em 48 horas.
Com a aposentada Maria Geraldina Siqueira da Silva, 63, a situação foi parecida. Segundo a família, ela apresentou diarréia e vômito no Natal, passou por um hospital, foi medicada e dispensada. No dia 7 de janeiro, deu entrada no hospital em Ceres (GO), com icterícia (pele amarelada) e insuficiências hepática e renal. Morreu no dia 9.
O empresário Almir Rodrigues da Cunha, 46, que morreu também no dia 9, em Maringá (PR), três dias após ser internado, teve seus sintomas iniciais confundidos com virose, de acordo com o amigo João de Souza. Ele havia viajado no fim do ano para Caldas Novas (GO).
O Ministério da Saúde, por meio da assessoria de imprensa, informa desconhecer eventuais falhas no atendimento dos casos de febre amarela pelos hospitais. Alega ainda que as secretarias estaduais estão analisando caso a caso as mortes, e que, na fase inicial, a doença tem sintomas inespecíficos.
O infectologista Vicente Amato Neto diz que a falta de suspeita de febre amarela na fase inicial ocorre porque muitos médicos "não se lembram" de obter a história clínica completa do paciente. "Se perguntassem se esteve em áreas endêmicas e se é vacinado, a suspeita de febre amarela surgiria."
A forma como a doença evolui depende da maneira como o paciente é tratado desde o início, avalia ele. "Quando se conhece a doença e sabe tratá-la, diminui muito a mortalidade."
O infectologista Boaventura Braz, diretor do HDT (Hospital de Doenças Tropicais), de Goiânia, referência no Centro Oeste, afirma que a unidade tem todas as condições de tratar um paciente com febre amarela ou outra doença infecto-contagiosa.
Segundo ele, o primeiro procedimento no hospital é verificar os locais em que o paciente esteve, a que riscos foi exposto e o que sente. Enquanto os primeiros exames são feitos -demoram quatro horas para ficar prontos-, o paciente recebe terapia para manter as funções vitais. O resultado dos exames específicos para febre amarela sai em duas ou três semanas.
Ele afirma que o espanhol De La Cal já chegou ao HDT em estado grave, com insuficiência renal e hepática fulminante. Braz não comentou sobre o tratamento recebido pelo espanhol nos outros dois hospitais.
(Cláudia Collucci, Folha de São Paulo, 21/01/2008)