A União Européia manterá sua meta para o uso de biocombustíveis apesar das crescentes críticas feitas pelas próprias autoridades de Bruxelas em relação a possíveis conseqüências ecológicas e sociais geradas por esse tipo de combustível.
A Comissão Européia (CE, órgão Executivo da UE) havia determinado que até 2020 os combustíveis de fonte vegetal deveriam representar 10% de todo o combustível consumido pelo setor de transportes do bloco. Recentes críticas de comissários europeus aos biocombustíveis suscitaram dúvidas em relação à disposição do bloco de estimular o uso desses produtos.
A meta, porém, foi confirmada pelo porta-voz de Energia, Ferran Tarradellas, nesta sexta-feira, mesmo depois de o Greenpeace ter divulgado um relatório interno do Joint Research Centre (JRC), o instituto de pesquisas da CE, com mais críticas aos biocombustíveos. Segundo o JRC, os biocombustíveis podem causar mais danos que benefícios, tanto sociais como ambientais.
O estudo coloca em dúvida também a eficiência dos chamados biocombustíveis de segunda geração, produzidos a partir de bagaço e outros dejetos de plantas. Seus autores argumentam que só o transporte de grandes quantidades dessa matéria-prima já ocasionaria a queima de muito combustível, o que neutralizaria as vantagens do biocombustível produzido.
"A incerteza é muito grande para se poder afirmar se a meta de 10% reduzirá ou não os gases de efeito estufa", diz o documento, que não foi publicado oficialmente.
Segundo Tarradellas, o relatório em questão "é uma das diversas contribuições" recebidas para a preparação da diretiva européia contra a mudança climática - que será divulgada em Bruxelas no próximo dia 23 -, e entre as quais "há muitos outros estudos que dizem coisas positivas sobre os biocarburantes".
Polêmica
A revelação do documento contribui com a polêmica em torno da atual política energética e ambiental da UE, desencadeada na segunda-feira passada pelas declarações feitas à BBC pelo comissário europeu para o Meio Ambiente, Stavros Dimas.
Na ocasião, o comissário afirmou que a produção de combustíveis a partir de plantas pode levar a um aumento no preço dos alimentos e incentivar o desmatamento. "Temos visto que os problemas ambientais provocados pelos biocombustíveis e também os problemas sociais são maiores do que pensávamos antes", Dimas admitiu.
Também o comissário europeu para Desenvolvimento, Louis Michel, mostrou-se crítico ao dizer que a UE deve ter cuidado com a "ilusão" dos biocombustíveis.Entretanto, o porta-voz de Energia afirmou que a CE continuará a promover o uso de biocarburantes "por múltiplas razões".
Tarradellas recordou que o estudo de impacto sobre os biocombustíveis, realizado pela CE em janeiro de 2007, indica que os biocombustíveis produzidos de forma sustentável são capazes de reduzir em cerca de 68 milhões de toneladas ao ano as emissões de CO2.
Entre as outras razões, Tarradellas mencionou o "forte impacto" do alto preço do petróleo sobre a economia européia e a "crescente dependência exterior" da UE para o fornecimento do produto. "Tudo isso nos impede de poder ter um controle sobre esse produto, que é essencial para um setor primordial da UE, como o de transportes", concluiu.A comissária européia para Agricultura, Mariann Fischer-Boel, também saiu em defesa da meta para os biocombustíveis nesta sexta-feira.
Em um discurso pronunciado em Berlim, ela voltou a negar que os combustíveis alternativos sejam responsáveis pelo aumento nos preços dos alimentos, já que "a indústria européia de biocombustíveis absorve menos de 2% da produção interna de cereais". Para Fischer-Boel, a meta de 10% é "modesta, se comparada com o que já está acontecendo no Brasil e nos Estados Unidos".
(Globo, 18/01/2008)