Santiago, 17/01/2008 – Enquanto no Chile os mapuches denunciam que o Estado está “criminalizando” seus atos de protesto por demandas territoriais, no México e no Peru muitos indígenas estão presos por que não havia tradutor para explicar-lhes do que eram acusados. Os números mostram uma perseguição judicial contra a população indígena do Chile, México e Peru. A proporção de nativos presos nesses três países é muito baixa, menor inclusive do que a população carcerária sobre o total de habitantes. Mas as causas, condições e a duração do encarceramento e os testemunhos de especialistas revelam que sua marginalização os torna mais vulneráveis aos abusos do sistema e às falhas habituais do devido processo na região.
No Chile, há nove etnias reconhecidas pelo Estado. Segundo estatísticas de 2006, o povo mapuche é formado por 922.833 pessoas, que representam 87,2% da população indígena do país. De acordo com um estudo da Gendarmeria (guarda de prisões), em 20095 havia 1.207 indígenas presos em cinco regiões: 92,9% eram mapuches. Nas prisões chilenas há 43 mil pessoas entre uma população nacional superior a 16 milhões. Enquanto 6,6% dos habitantes são indígenas, os nativos constituem 2,8% do total de reclusos.
Os principais delitos cometidos pelos indígenas foram contra a propriedade (50,2%) e contra as pessoas (15,9%), além de trafico de drogas e infração da lei de armas (15,2%). Embora os mapuches presos estejam vinculados majoritariamente a crimes contra a propriedade, as estatísticas não especificam quais foram cometidos no contexto do conflito ancestral que esse povo originário mantém com o Estado por suas demandas de maiores direitos territoriais, políticos e culturais.
Estimativas da agrupação mapuche de Santiago Meli Wixan Mapu indicam que neste começo de 2008 há 15 “presos políticos mapuches” nas prisões do sul do país, a maioria deles julgada pela severíssima lei antiterrorista imposta durante a ditadura (1973-1990) e modificada na democracia. Desde 1990 até hoje cerca de 500 mapuches teriam sido processados por sua participação em atos de protesto social. Atualmente estariam presos cerca de 150. Alguns crimes imputados são usurpação de terras, atentados incendiários a áreas agrícolas e florestais, ameaças e prejuízos a donos de latifúndios, roubo de animais e madeira e desordem pública.
Em seu livro “Os mapuches perante a justiça. A criminalização do protesto indígena no Chile”, o pesquisador Eduardo Mella sugere que os quatro governos de centro-esquerda no poder desde 1990 adiam a resolução do conflito que o Estado chileno mantém com o povo mapuche desde o final do século XIX, quando começou a usurpação de terras, passando o caso para o âmbito judicial para desmobilizar as comunidades.
A teoria da “judicializaçao” e “criminalização” do protesto mapuche tomou força a partir de 2001, quando o então presidente Ricardo Lagos (2000-2006) invocou a lei antiterrorista, fato criticado por numerosos organismos nacionais e estrangeiros, entre eles o relator especial sobre Situação dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Indígenas, Rodolfo Stavenhagen, em seu informe sobre o Chile (2003).
Quase todos os membros de comunidades ficam em prisão preventiva (que só deve ser aplicada excepcionalmente) dois ou três meses, independente de serem absolvidos ou não das acusações. Em muitos casos a prisão preventiva é a pena em si”, disse Mella à IPS. Há indígenas que preferem permanecer na clandestinidade por considerarem que não há garantias nos processos judiciais. As comunidades em conflito também denunciam graves atitudes policiais em invasões em busca de provas e foragidos. Em 2006, o Observatório dos Direitos dos Povos Indígenas documentou 18 casos de violência policial e em 2007 outros 26. Este ano começou com o assassinato do jovem universitário Matias Catrileo, baleado pela policia quando participava junto com um grupo da ocupação de uma propriedade privada.
Nas prisões mexicanas há cerca de 250 mil pessoas e 8.767 são indígenas. A população do México chega a 104 milhões de habitantes e calcula-se a indígena em 12 ou 13 milhões. Em um país onde 12% dos habitantes são indígenas, os nativos atrás das grades constituem apenas 3,5% do total de detentos. Desde meados dos anos 90, o governo assumiu que a prisão de indígenas é um grave problema social e definiu programas de apoio para os envolvidos. Segundo estudos da governamental Comissão Nacional para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas (CDI), a maioria está presa por agressões, roubo e crimes contra a saúde, como o tráfico de droga. Em 2007, o governo destinou cerca de US$ 900 milhões para acompanhar estes casos, assessorar os presos e conseguir, se possível, sua libertação.
Segundo a CDI, na maioria dos casos os indígenas permanecem presos por falta de recursos para realizar a chamada “reparação do dano”. Os Estados com maior concentração de presos indígenas são Oaxaca, com 1.602; Puebla, com 1.525; Chiapas com 686, Veracruz com 576 e Yucatán com 563. Entre janeiro e novembro de 2007, o programa da CDI conseguiu a libertação de 620 indígenas, principalmente homens. “Desafortunadamente cometem alguma falta contra a sociedade, às vezes uma falta menor, que pode ser roubar para alimentar-se, e são privados da liberdade”, disse Jesús King, diretor de Promoção de Convênios em Matéria de Justiça da CDI.
“É uma barbaridade o que acontece com muitos irmãos. Estão presos apenas porque não havia um tradutor ou um advogado para explicar-lhes do que eram acusados. Isso está mudando, embora lentamente”, disse à IPS Gilberto Rivera, advogado da etnia nahua que assessora particularmente presos indígenas. “Estar preso para um indígena representa mais um elo na cadeia de discriminação. Falo de racismo, mas também de pobreza, ignorância e falta de instrução. Como é o caso de toda a América Latina, aqui os indígenas são a última roda do carro, mas, somos muito orgulhosos de nosso passado colonial”, acrescentou o jurista.
Algo semelhante ocorre no Peru, onde 176 indígena permanecem presos neste inicio de 2008, segundo o governamental Instituto Nacional Penitenciário. Embora o número seja pequeno em comparação com os 41.428 presos em âmbito nacional e com os mais de 8,7 milhões de indígenas peruanos, as razões da reclusão indicam o grau de vulnerabilidade em que vive a população originária. Mas, acentua-se a mesma tendência do Chile e do México: com uma população indígena de 32% dos 27 milhões de habitantes do Peru, os presos nativos são apenas 0,42% do total nacional de detentos.
Na maioria dos casos, os indígenas são presos porque as “autoridades judiciais não consideram suas características culturais e tampouco oferecem as garantias processuais como a presença de um intérprete do idioma originário do acusado durante o julgamento”, disse à IPS a responsável pela Defensoria do Povo de Ucayali, Margot Quispe. Como na região amazônica de Ucayali se concentra o maior número de indígenas presos, Quispe impulsiona uma mesa de diálogo com as autoridades da Organização Regional da Associação Inter-ética de Desenvolvimento da Selva Pedruana (Aidesep). Apenas o Centro Penintenciário de Pucallpa, de Ucayali, abriga 101 indígenas entre sentenciados e processados, e 15% destes casos se devem a enfrentamentos com colonos ou empresas extrativas que ameaçam seus territórios.
Os indígenas presos são majoritariamente homens. O principal crime de que são acusados é violação sexual, um delito cujo alcance colide com o costume das comunidades nativas de iniciação sexual muito precoce: uma mulher aos 13 ou 15 anos de idade já pode conceber filhos e formar uma família. Em seguida estão trafico de drogas e homicídio. A responsável pela área legal da organização regional indígena de Ucayali, Carla Pizarro, explicou à IPS que muitos nativos são acusados por vingança por colonos ou madeireiros ilegais quando se opõem às suas atividades. “São denunciados de violar mulheres das comunidades ou de roubo quando os líderes comunitários detêm as embarcações de madeira ilegal que retiram de suas florestas”, assegura Pizarro.
Milton Silva, um dirigente indígena histórico de Ucayali preso em Pucallpa, é acusado de homicido porque supostamente teria instigado os indígenas da comunidade Nuevo San Juan a matarem a golpes um colono que usurpava suas terras e que mandou balear um dos nativos. Mas Silva nega ter estado no lugar dos fatos. “Fui convocado pelos irmãos indígenas poucos dias antes para dar-lhes assessoria legal porque trabalhava com a advogada da organização indígena. Mas nunca disse para recorrerem à violência”, afirmou à IPS que o visitou na prisão”.
(Por Daniela Estrada, IPS /
Envolverde, 17/01/2008)