A ministra Ellen Gracie arquivou reclamação da Companhia Vale do Rio Doce contra decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho. O STJ suspendeu decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que autorizava a Vale a cumprir restrições impostas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) somente após prévia indenização. A decisão do Cade se deu depois da compra de oito mineradoras pela companhia.
A Vale alegava que caberia ao STF, e não ao STJ, julgar o pedido formulado pelo Cade, àquele tribunal, de suspender decisão favorável à empresa, por envolver questões constitucionais.
Inicialmente, a Vale ajuizou ação contra o Cade em razão de a autarquia ter determinado à empresa que fizesse opção entre a aquisição da Ferteco e a manutenção do direito de exploração da Mina Casa de Pedra. Essa determinação foi mantida com a decisão do STJ.
Ao analisar a reclamação contra a decisão do STJ, a ministra Ellen Gracie entendeu que o presidente do STJ “agiu no âmbito de sua competência”, uma vez que o caso envolve também matéria infraconstitucional.
A ministra considerou que, com o ajuizamento da reclamação, a Vale pretendia que a Presidência do STF autorizasse a persistência no descumprimento do ato do Cade, “tentando, mais uma vez, sobrepor os seus interesses privados, de índole patrimonial, ao interesse público, qual seja, a defesa da ordem econômica”.
Segundo ela, “a CVRD [Vale] tenta subordinar o interesse público, consubstanciado na defesa da livre concorrência, ao seu interesse privado de ter seu patrimônio devidamente ressarcido pela CSN, antes da execução do acórdão do Cade”, disse.
Ellen Gracie destacou que tal pretensão se infere do pedido de que a Vale “somente tenha de fazer a opção entre a venda de ativos da Ferteco Mineração e a eliminação das cláusulas de preferência do Acordo Casa de Pedra após o Poder Judiciário lhe garantir o direito de justa e prévia indenização”.
De acordo com a ministra, o devido cumprimento de decisões do Cade não pode ser subordinado à prévia resolução de questões patrimoniais, de natureza eminentemente privada, que devem ser equacionadas no foro adequado. “Cabe à CVRD buscar o seu direito ao ressarcimento da preferência de exploração da Mina Casa de Pedra no juízo cível competente, ajuizando, se for o caso, ação contra a CSN”, explicou.
Ellen Gracie ressaltou a possibilidade de ocorrência do chamado “perigo de dano inverso”, tendo em vista que a decisão do Cade poderá tornar-se ineficaz caso não seja imediatamente cumprida pela Vale. Para a ministra, o Cade julgou as transações com a utilização de critérios que se encontram, “em princípio, dentro de um juízo eminentemente técnico”.
Ao final, Ellen Gracie concluiu que não estão em discussão apenas questões de índole constitucional, mas, também, de legalidade, motivo pelo qual não há competência exclusiva da Presidência do Supremo para a apreciação do pedido de suspensão, nos termos do artigo 4º, caput, da Lei 8.437/92 [dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público]. Por essa razão, ela afirmou não haver invasão da competência do Supremo Tribunal Federal.
Ao negar seguimento ao pedido da Vale, a ministra lembrou, ainda, que a jurisprudência da Casa estabelece que a reclamação não pode servir como substituto de outros recursos cabíveis. Nesse sentido, ela mencionou precedentes já julgados no Supremo Tribunal Federal.
Leia a decisão
RECLAMAÇÃO 5.780-1 DISTRITO FEDERAL
RELATORA: MINISTRA PRESIDENTE
RECLAMANTE(S): COMPANHIA VALE DO RIO DOCE
ADVOGADO(A/S): LUIZ ALBERTO BETTIOL E OUTRO(A/S)
RECLAMADO(A/S) :PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (SUSPENSÃO DE SEGURANÇA Nº 1793)
INTERESSADO(A/S): CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA — CADE
ADVOGADO(A/S): ARTHUR BADIN E OUTRO(A/S)
1. Trata-se de reclamação, com pedido de liminar, proposta pela Companhia Vale do Rio Doce — CVRD, com fundamento nos arts. 102, I, l, da Constituição da República, 13 da Lei 8.038/90 e 156 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, contra a decisão proferida pela Presidência do Superior Tribunal de Justiça nos autos da Suspensão de Segurança 1.793/DF (Processo 2007/0281238-0).
A reclamente propôs ação anulatória de ato administrativo (fls. 48-91) contra o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, na qual requereu a declaração de nulidade da parte do acórdão proferido pela referida autarquia nos Atos de Concentração 08012.005226/2000-88, 08012.005250/2000-17 e 08012.002838/2001-38, a qual fixara o prazo de 30 (trinta) dias de sua publicação para que a CVRD fizesse opção entre a alienação de ativos da Ferteco Mineração S/A e a eliminação das cláusulas de preferência incidentes sobre a Mina Casa de Pedra acordadas com a Companhia Siderúrgica Nacional — CSN.
Na referida ação sob o procedimento ordinário, a CVRD pediu, também, a declaração de seu direito de serem realizadas, antes da referida opção, auditagem e avaliação dos ativos da Ferteco Mineração S/A e dos ativos relativos às cláusulas de preferência do Acordo Casa de Pedra, bem como de seu direito de justa e prévia indenização, de forma que somente se pudesse executar o acórdão em comento após o pagamento de indenização pela CSN.
Os Atos de Concentração 08012.005226/2000-88 e 08012.005250/2000-17 se referem ao descruzamento societário da CVRD e da CSN, enquanto o ato de concentração nº 08012.002838/2001-38 diz respeito à aquisição da Ferteco Mineração S/A pela CVRD.
O Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal indeferiu o pedido de antecipação de tutela requerido pela CVRD (Processo nº 20063400015624-4, fls. 93-107), motivo por que foi interposto agravo de intrumento.
O Desembargador Federal Souza Prudente deferiu o pedido de antecipação da tutela recursal formulado no agravo de instrumento e sobrestou a eficácia do acórdão proferido pelo Cade (Agravo de Instrumento nº 2007.01.00.039244-8/DF, fls. 109-127).
Daí o pedido de suspensão dessa decisão formulado pelo Cade à Presidência do Superior Tribunal de Justiça (Suspensão de Segurança 1.793/DF, fls. 130-152).
Diz a reclamante que o acórdão do Cade estabeleceu que, caso a CVRD optasse pela desconstituição integral da aquisição da Ferteco Mineração S/A, teria o prazo de 90 (noventa) dias, a partir da opção, para reunir os ativos, auditá-los e avaliá-los e, em seguida, apresentar ao Cade o resultado e, sendo aprovada a auditoria e a avaliação, deveria a CVRD promover a sua alienação em oferta pública a compradores independentes. Entretanto, o referido acórdão não estabeleceu o mesmo em relação à eliminação das cláusulas de preferência do Acordo Casa de Pedra, em flagrante ofensa ao princípio da isonomia.
Alega, assim, que “a simples determinação de eliminação dessas cláusulas não pode ser aceita, sob pena de o CADE estar impondo à CVRD uma obrigação de doação ou de renúncia de direito, para a qual o CADE não tem competência legal, até porque implica manifesta violação ao direito de propriedade da CVRD” (fl. 7).
Aduz, ainda, que a decisão do Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal desacolheu as razões da CVRD, ao entendimento de que a recomposição deveria ocorrer entre os contratantes, sem a interferência do Cade, por não lhe competir pronunciar-se sobre o direito de indenização, e que o pedido de condicionar-se o cumprimento da decisão à prévia indenização pela CSN importaria a insurgência contra uma das medidas adotadas pela autarquia. Todavia, o que está em debate é saber se o acórdão do CADE “poderia impor a um agente econômico a obrigação de dar parte de seu patrimônio para um concorrente sem nada dispor sobre a indenização desse agente econômico” (fl. 13), estando-se diante de uma flagrante violação ao direito de propriedade da CVRD, na medida em que a Lei 8.884/94 não trata dessa hipótese.
Ressalta a reclamante que o relator do Agravo de Instrumento 2007.01.00.039244-8/DF deferiu o pedido de antecipação da tutela recursal para suspender a eficácia do acórdão proferido pelo CADE, “invocando principalmente os fundamentos de natureza constitucional postos na ação (impossibilidade de agente do Estado, sem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, impor restrição ao direito patrimonial do jurisdicionado sem lhe garantir prévia indenização)” (fl. 13).
Sustenta, mais, em síntese:
a) existência de afronta aos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, ao seu direito de propriedade e ao devido processo legal, “daí a necessidade de, no provimento definitivo, ser anulada a parte da decisão do CADE que impôs a obrigação nula, de sorte a declarar o direito da CVRD de somente proceder à transferência dos direitos de preferência sobre a Mina Casa de Pedra para a CSN após o pagamento de prévia indenização” (fl. 3);
b) inocorrência de repercussão, em sua pretensão, do julgamento, realizado pela Primeira Turma desta Corte, do AI 682.486-AgR/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, em 18.12.2007, porquanto se julgou causa diversa da presente;
c) na ação sob o procedimento ordinário, o pedido de antecipação de tutela foi formulado com o objetivo de impedir a doação da CVRD para a CSN, até que se decida sobre o direito à prévia indenização;
d) ocorrência de usurpação da competência da Presidência do Supremo Tribunal Federal para julgar o pedido de contracautela em tela, ante a predominância de matéria constitucional;
e) incompetência da Presidência do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar o pedido de suspensão quando a ação sob o rito ordinário está apoiada em matéria constitucional, nos termos do art. 25 da Lei 8.038/90, sendo certo que a “causa, na espécie, tem por fundamento jurídico matéria eminentemente constitucional, qual seja, a garantia do direito de propriedade e a observância do princípio do devido processo legal (artigo 5º, XXII e LV, da CF/88)” (fl. 22);
f) existência de precedentes do Supremo Tribunal Federal em relação a liminares proferidas em mandado de segurança (Rcl 475/DF, rel. Min. Octavio Gallotti, Plenário, RTJ 153/53; Rcl 744-MC/RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJ 13.4.1998; e RTJ 141/719, rel. Min. Sydney Sanches);
g) ocorrência do perigo na demora, ante o risco de lesão grave e de difícil reparação ao patrimônio da CVRD, porquanto o CADE, ante a decisão proferida pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, impôs-lhe “elevada multa de R$ 33.500.000,00 (trinta e três milhões e quinhentos mil reais) por descumprimento a uma decisão administrativa da autarquia, cuja exeqüibilidade acha-se suspensa por força de decisão proferida, em 8.9.2007, pelo eminente Ministro Marco Aurélio nos autos da Pet 4.143-7/DF” (fl. 24).
Requer, ao final, o deferimento do pedido de liminar para suspeder a decisão proferida na SS 1.793/DF, em trâmite no Superior Tribunal de Justiça, “preservando-se a decisão deferitória da tutela antecipada do TRF da 1ª Região, até o final julgamento desta reclamação” (fl. 28).
2.O Conselho Administrativo de Defesa Econômica — CADE se manifestou pelo descabimento da presente reclamação e, caso admitida, pelo indeferimento do pedido de liminar (fls. 263-286).
3. A reclamação, na dicção constitucional, é cabível para a preservação da competência do Supremo Tribunal Federal e garantia da autoridade de suas decisões (Constituição da República, art. 102, I, l).
No presente caso, não vislumbro nenhuma das circunstâncias autorizadoras da reclamação.
Quanto à ocorrência de usurpação da competência desta Presidência, entendo que os arts. 4º da Lei 4.348/64, 4º da Lei 8.437/92, 1º da Lei 9.494/97 e 297 do Regimento Interno desta Corte devem ser interpretados de forma harmônica.
As leis que norteiam o instituto da suspensão (Leis 4.348/64, 8.437/92 e 9.494/97) permitem, privativamente, à Presidência do Supremo Tribunal Federal, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspender a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada proferidas em única ou última instância pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão travada na origem for exclusivamente constitucional.
É que o artigo 4º, caput, da Lei 8.437/92, que disciplina a suspensão de liminares e antecipações de tutela (art. 1º da Lei 9.494/97), expressamente dispõe, verbis:
“Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.” (Destaquei)
O pedido formulado pelo Cade à Presidência do Superior Tribunal de Justiça diz respeito à antecipação de tutela deferida em agravo de instrumento interposto de decisão proferida em ação sob o procedimento ordinário, na qual se está a discutir questões de índole constitucional e infraconstitucional, razão pela qual não há que falar em competência privativa desta Presidência para a apreciação de eventual pedido de contracautela formulado pelo Cade.
Entendo, dessa forma, que o eminente Presidente do egrégio Superior Tribunal de Justiça, Ministro Barros Monteiro, ao suspender a decisão que condecera a tutela antecipada requerida pela CVRD, agiu no âmbito de sua competência, por se estar a discutir, também, matéria infraconstitucional.
Caso se entendesse que o Cade só poderia requerer a suspensão da decisão que antecipou a tutela perante esta Presidência, estar-se-ia declarando, prematuramente, o descabimento da interposição de um futuro recurso especial que fosse dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, o que seria ilógico, ante a existência de diversas questões de índole infraconstitucional na ação sob o rito ordinário proposta na origem.
A própria reclamante, na petição inicial da ação sob o procedimento ordinário proposta contra o Cade, asseverou a existência de matéria infraconstitucional, ao consignar, verbis:
“78. Pouco importa que a Lei nº 8.884/94 não contenha tal previsão, até porque tal omissão legal não impediu ao Cade de estabelecer, para a hipótese da desconstituição dos ativos da Ferteco Mineração, o procedimento prévio da auditagem, avaliação, para posterior alienação.
79. Inegável, assim, a violação dos direitos patrimoniais da CVRD, pelo ato do CADE, no ponto em que se omitiu de determinar a auditagem, a avaliação e a declaração da CSN de que pagaria o justo preço do direito de preferência sobre a Mina Casa de Pedra.” (Fl. 74)
Destaco da decisão proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal que indeferiu o pedido de antecipação de tutela requerido pela CVRD nos autos do Processo nº 20063400015624-4, verbis:
“A despeito de seu caráter anticompetitivo, o Cade não cominou o desfazimento total dos atos, tendo em conta a relevância de seus resultados econômicos, nos termos do art. 54, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.884/94.
Limitou-se, amparado no princípio da intervenção mínima, segundo o qual o ente regulador deve suprimir apenas e tão-somente um dos fatores de que resulta o monopólio, a determinar que a CVRD optasse entre a subsistência da cláusula de preferência sobre a Mina Casa de Pedra e a prevalência da aquisição da Ferteco, conforme lhe faculta o art. 54, § 9º, da Lei 8.884/94.
(...)
A uma, porque o CADE poderia adotar qualquer medida que entendesse necessária à cessação dos efeitos nocivos à ordem econômica, independentemente de responsabilidade civil por perdas e danos causados a terceiros, a teor do art. 54, § 9º, da Lei nº 8.884/94, e, com mais razão, ao autor da prática lesiva à concorrência.
Nesse sentido, confiram-se os parágrafos do art. 54 que interessam ao caso (...)” (Fls. 99 e 101)
O que quer, em verdade, a reclamante é que esta Presidência a autorize a persistir no descumprimento do acórdão proferido pelo CADE, tentando, mais uma vez, sobrepor os seus interesses privados, de índole patrimonial, ao interesse público, qual seja, a defesa da ordem econômica.
É dizer, a CVRD tenta subordinar o interesse público, consubstanciado na defesa da livre concorrência, ao seu interesse privado de ter seu patrimônio devidamente ressarcido pela CSN, antes da execução do acórdão do Cade. É o que se infere do próprio pedido de antecipação de tutela. Foi ele formulado no sentido de que a CVRD somente tenha de fazer a opção entre a venda de ativos da Ferteco Mineração S/A e a eliminação das cláusulas de preferência do Acordo Casa de Pedra após o Poder Judiciário lhe garantir o direito de justa e prévia indenização.
Não se pode subordinar o devido cumprimento de decisões do Cade à prévia resolução de questões patrimoniais, de natureza eminentemente privada, que devem ser equacionadas no foro adequado. Cabe à CVRD buscar o seu direito ao ressarcimento da preferência de exploração da Mina Casa de Pedra no juízo cível competente, ajuizando, se for o caso, ação contra a CSN.
Nesse sentido, a própria reclamante consignou na petição inicial da ação sob o procedimento ordinário, verbis:
“72. É certo que a indenização a ser paga pela CSN à CVRD, na hipótese de a CVRD vir a optar pela exclusão das cláusulas de preferência sobre a Mina Casa de Pedra, haverá de se dar na esfera privada.
(...)
74. Esqueceu-se, é certo, tanto a Procuradoria do CADE, como o próprio CADE, que a determinação de impor a transferência de ativos da CVRD para a CSN sem que se saiba, ainda na fase administrativa, se a CSN admitirá o ‘justo preço’ dos direitos de preferência, pode chegar a um impasse no âmbito de um processo privado, caso se apure um valor que a CSN considere — no seu juízo — inaceitável.” (Fl. 73)
Vislumbro, outrossim, a possibilidade de ocorrência do denominado perigo de dano inverso, dado que a decisão proferida pelo CADE poderá tornar-se ineficaz caso não seja imediatamente cumprida pela CVRD. Nesse sentido, a Juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha, da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, ao indeferir o pedido de antecipação de tutela requerido pela CVRD, escreveu, verbis:
“(...) conforme já se averbou, a mácula à livre concorrência potencializa-se ao longo do tempo, pois que os concorrentes vão sendo paulatinamente eliminados do mercado até que a empresa dominante passa a impor seus preços e impedir a entrada de qualquer outro agente.
A reversão desses efeitos nocivos é indubitavelmente mais difícil e onerosa do que a anulação do acórdão do CADE ao fim da ação, haja vista que os danos ao mercado são difusos.” (Fl. 98)
Ao deferir o pedido de contra cautela formulado pelo Cade, disse o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, verbis:
“O não-cumprimento do acórdão proferido pelo CADE, após o emprego de vários expedientes de cunho judicial, constitui ofensa à ordem pública administrativa, uma vez que compromete — à evidência — a tutela administrativa de defesa da ordem econômica, subverte a execução das deliberações administrativas emanadas da autarquia e impede o normal exercício de suas funções e atribuições. Na hipótese dos autos, os atos tidos como de concentração são datados de 2000 e 2001, apreciados pelo Cade em 2005 e, até agora, conforme assinalado, não houve o devido cumprimento da deliberação administrativa.
Sob o prisma da ordem econômica, verifica-se também de modo indelével a potencialidade da ofensa. O que se acha em causa aqui é a alegação de monopólio sobre a produção do minério de ferro no País. Esse poder de monopólio, como se sabe, permite ao interessado impor preços acima daqueles que seriam obtidos em ambiente de normal concorrência, resultando dele a redução de investimentos e a retração do emprego e da renda, com conseqüências danosas para o crescimento da economia.
O Juízo de 1º grau, preocupado com a eficácia das decisões administrativas proferidas em defesa da livre concorrência, indeferiu o pleito de antecipação da tutela, assentando que o ‘mercado é uma realidade dinâmica e a procrastinação no cumprimento de uma decisão pode consolidar os efeitos da conduta anticoncorrencial, em detrimento da economia nacional e dos consumidores’ (fl. 451).
O que realmente importa na análise da espécie é a ocorrência do interesse público, que se encontra nitidamente presente, bem como o preenchimento dos dois pressupostos acima referidos, previstos na Lei 8.437/1992. Assim, em nada releva, para o desfecho da controvérsia, a circunstância de o Cade haver demorado cerca de quatro anos para proferir a sua decisão.
Além do mais, desponta nos autos o interesse exclusivamente de ordem patrimonial por parte da CVRD, passível de reparação nas vias próprias, em sendo o caso.” (Fls. 39-40)
Ressalte-se que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica julga as fusões e aquisições de empresas, com o objetivo de manter a livre concorrência e de impedir a formação de cartéis e monopólios, nocivos ao interesse público, certo que estamos a discutir questões relativas à exploração de nossas reservas minerais.
No presente caso, o Cade julgou as transações em apreço com a utilização de critérios que se encontram, em princípio, dentro de um juízo eminentemente técnico, limitando-se a determinar que CVRD optasse por manter a preferência sobre a Mina Casa de Pedra ou por continuar com os ativos da Ferteco Mineração S/A.
Anoto, ainda, que a determinação prescrita na decisão proferida pelo relator do Agravo de Instrumento 2007.01.00.039244-8/DF, objeto da referida medida de contracautela, atinge as atribuições do Cade, o que certamente colocará em risco a própria eficácia de suas futuras decisões.
Concluo, assim, que não se está, em verdade, a discutir, apenas e tão-somente, questões de índole constitucional, mas, também, de legalidade, o que não enseja a competência exclusiva desta Presidência para a apreciação do mencionado pedido de suspensão, nos termos do art. 4º, caput, da Lei 8.437/92, motivo por que não há que falar em usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, a jurisprudência desta Casa é no sentido de que a reclamação não pode servir como sucedâneo de recursos cabíveis. Nesse sentido, menciono os seguintes precedentes: Rcl 4.545-MC/RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.12.2006; Rcl 3.516/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 15.8.2005; Rcl 2.172-MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.6.2005; Rcl 3.104/CE, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 18.5.2005; Rcl 1.591/RN, de minha relatoria, DJ 28.3.2003; Rcl 1.852-AgR/RN, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 08.3.2002; Rcl 603/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 12.02.1999; e Rcl 4.570/CE, de minha relatoria, DJ 08.9.2006.
Assevere-se, finalmente, que a Presidência do Supremo Tribunal Federal não pode ser transformada numa indevida instância revisional de decisões proferidas pela Presidência do egrégio Superior Tribunal de Justiça no âmbito de sua legítima competência para o julgamento de pedidos de suspensão de decisões prolatadas em ações que tenham por fundamento questões de índole infraconstitucional.
4. Ante o exposto, nego seguimento à presente reclamação, ficando prejudicado o exame do pedido de medida liminar (RISTF, art. 21, § 1º).
Publique-se.
Brasília, 15 de janeiro de 2008.
(Revista Consultor Jurídico, 16/01/2008)