A usina hidrelétrica (UHE) de Pai Querê é uma das várias obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) sem nenhuma licença ambiental concedida. Está prevista para interromper mais uma vez o rio Pelotas, agora entre os municípios de Bom Jesus (RS) e Lages (SC). Seu projeto foi concebido em 1977, em pleno governo militar. Na época, eram planejados grandes empreendimentos, geralmente mega-impactantes como no caso das hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, da Rodovia Transamazônica e das usinas nucleares de Angra. Esta área do rio Pelotas, prevista para a nova hidrelétrica, é considerada Área Prioritária para a Conservação (Ibama) e Área Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (Unesco), no Rio Grande do Sul.
A represa, com seu muro de 150 m de altura, prevê a produção de 290 MW, o equivalente à produção do parque eólico de Osório (RS). Corresponde a menos da metade da energia produzida pela hidrelétrica de Barra Grande, no rio Pelotas. Produziria 1/3 da energia da UHE de Chapecó, no rio Uruguai, prevista para funcionar em 2010. Porém o lago da barragem teria uma superfície de 6.120 hectares, com área equivalente a 75% daquela atingida pela hidrelétrica de Barra Grande. Para a futura obra, mais de 200 famílias seriam desalojadas. Seria necessário o corte de mais de quatro milhões de árvores e a destruição de mais de 3.940 hectares de florestas com araucária. Muitas dezenas de espécies vegetais e animais já constam nas listas oficiais de espécies ameaçadas de extinção. Mais de 80 quilômetros do rio Pelotas seriam transformados em um corpo de águas paradas, com liberação do gás metano pela decomposição da matéria morta. O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Philip Fearnside, um dos maiores especialistas em mudanças climáticas no mundo, afirma que estes gases emanados pelas hidrelétricas no Brasil podem gerar o equivalente a quatro vezes o volume de gases oriundos das termoelétricas a combustíveis fósseis.
Quanto ao estudo de impacto ambiental (EIA-Rima) de Pai Querê, sua elaboração foi feita pela Engevix, a mesma empresa responsável pelas irregularidades no EIA-Rima de Barra Grande, sendo por isso multada pelo Ibama em R$ 10 milhões. No caso da UHE de Pai Querê, o estudo apresentado é superficial ou minimiza os impactos. A empresa considera como de nível “médio” o impacto da transformação de um rio que possui dezenas de endemismos ligados a um rio corrente, em altitude elevada, para um grande lago de seis mil hectares. Isso é, no mínimo, mais um escândalo. Os estudos da flora são pobres. Outro aspecto não destacado é a presença das últimas populações de queixada, Tayassu pecari (Link, 1795), espécie criticamente ameaçada no RS, que não existe mais em outra região do Estado. O mesmo risco acontece com o puma, a jaguatirica, quatro espécies de veados, a águia chilena, todas cada vez mais raras na maior parte dos Campos de Cima da Serra.
O rio Pelotas-Uruguai já foi ferido de morte por outras quatro hidrelétricas. Os planos governamentais visam construir oito ou nove hidrelétricas, desde a altitude de 50 m até 900m. O que sobrou da biodiversidade concentra-se no vale do rio Pelotas, agora sujeito à inundação. Fora dele, o pínus e outras monoculturas tomaram conta da paisagem dos Campos de Cima da Serra. Atualmente, o Ministério de Meio Ambiente propõe a criação de um Refúgio da Vida Silvestre, com mais de 270 mil hectares, concentrado, entre o vale do rio Pelotas. A Casa Civil e o lobby das mega-empresas permitirão este Corredor Ecológico? Apesar da desgraça potencial, políticos e governantes estão sedentos por empreendimentos como este.
Áreas livres de barramento para nossos rios e uso racional de energia no Brasil!
(Por Paulo Brack*,
EcoAgência, 14/01/2008)
*Professor do Departamento de Botânica da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e membro do Instituto Gaúcho de
Estudos Ambientais (INGÁ).