Quando era garoto e pilotava tratores pelas lavouras da região de Mostardas, município no litoral sul gaúcho, Eloir Silva começou a apresentar sintomas um tanto estranhos para um agricultor tradicional. Sempre que via ninhos, pisava no freio e afastava ovos e filhotes da morte certa sob as rodas. Em seguida, passava com o maquinário e devolvia os filhotes ao lugar de origem. “Com os bichos temos que ter o mesmo cuidado e o mesmo respeito que temos com outras pessoas”.
Hoje com 42 anos, Eloir abandonou tratores e arados, mas mantém essa idéia na cabeça e se tornou um dos artistas plásticos que melhor retratam a fauna emplumada das lagoas do Rio Grande do Sul e também de outros pontos do Brasil.
Observador e aficionado pelas incontáveis cores e formas das aves que povoam ou visitam a região do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, passou os últimos dez anos trabalhando com afinco e aprimorando suas esculturas. Antes, arriscou pinturas em tela. Tudo para “ter as aves por perto”. Algo mais digno que as gaiolas que enjaulam milhares de pássaros pelo País.
Com pouco “estudo formal” e intocado por aulas clássicas de arte, descobriu na escola suada do dia-a-dia como extrair as formas das madeiras e misturar as tintas para reproduzir com espantosa fidelidade os bichos que vê na natureza ou nos livros. Até inventou o “jacaré”, barquinho camuflado que ajuda a fotografar, filmar ou apenas observar a bichara livre pelos campos e ares. Com o barco-réptil, as aves chegam bem perto e até pousam sobre o artista. “Quero fazer um vídeo sobre as aves da região, por isso estou acumulando material”, diz.
Aproveitando restos de árvores nativas e exóticas vindos de podas e de galhos quebrados de laranjeiras, abacateiros e figueiras, criou quase 200 modelos de aves. Nos bicos e caudas, a taquara (bambu) é o material preferido, também livre de desmatamentos. “Tirar da natureza, não”, avisa Eloir, que vende até 60 esculturas por mês, entre R$ 15 e R$ 150,00.
Os principais clientes são colecionadores, biólogos, ornitólogos e apaixonados por arte e natureza. Centenas de peças já foram enviadas a exposições e compradores no Brasil, Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. As esculturas são totalmente artesanais, feitas sem o auxílio de nenhuma máquina ou molde. “Sou uma pessoa simples, sem estudo, conheço poucos lugares, mas fico feliz quando vejo minhas peças chegando no exterior”, ressalta.
Além da compra direta com o artista de Mostardas, a quase 400 quilômetros de Porto Alegre, algumas lojas já oferecem as aves talhadas no interior gaúcho. Podem ser encontradas no Museu da PUCRS (Porto Alegre), no Museu Oceanográfico (Rio Grande) e também na Ecoloja (Águas de São Pedro), em São Paulo.
Fazendo da arte uma forma de vida e uma ferramenta a serviço da preservação, Eloir olha para trás e acredita que tudo valeu a pena. As esculturas multicoloridas são o principal sustento da casa e do carro modestos, da esposa e da filha, que já ensaia com as madeiras. “Acho que estou levando uma mensagem a outras pessoas, para que conheçam e se inspirem a preservar a natureza”, explica o artista.
Na ponta da língua
Na caminhada que a reportagem de O Eco fez junto com Eloir pelas margens da Laguna dos Patos, o artista apontava seguro e dizia o nome de várias espécies de aves, mesmo à distância. Segundo ele, conhecimento obtido pela vizinhança com o Parque Nacional da Lagoa do Peixe e pelo contato freqüente com biólogos e professores.
Ironias da burocracia, Eloir está tentando há quase dois anos autorização do Ibama para fotografar e filmar dentro da área protegida federal. Sem sucesso. Enquanto isso, como já se mostrou aqui, hotéis e pousadas da região fazem uso comercial e livre da unidade de conservação
Assim, resta a ele atuar em outras regiões onde muitas vezes alagados (banhados) estão sumindo, engolidos pelo arroz, pinus e agrotóxicos. “Mesmo assim, nunca deixarei de incentivar as pessoas a preservarem o parque. Tudo que fiz valeu muito e sigo fazendo a minha parte”, avisa o artista.
(Por Aldem Bourscheit, O Eco, 12/01/2008)