Pesquisa científica indica que, graças ao desmatamento nos próximos anos, aves endêmicas da Amazônia brasileira podem entrar na lista de espécies ameaçadas de extinçãoPelo menos oito espécies de pássaros endêmicos da Amazônia Brasileira podem estar na lista vermelha da União Mundial para a Conservação da Natureza (UICN) até 2020, devido a perda de habitat, provocada por grandes obras de infra-estrutura. Esta é a conclusão de um estudo que cruzou dados de previsões sobre o desmatamento com mapas de ocorrências de aves na região. De acordo com a pesquisa, outras oito espécies devem perder pelo menos metade da área onde hoje são encontradas em território brasileiro.
As conclusões da pesquisa estão em um artigo aprovado para a publicação na revista Conservation Biology, assinado por quatro pesquisadores, entre eles dois brasileros, os ornitólogos Mariana Moncassim Vale, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, autora principal do artigo, e Mario Cohn-Haft, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). O artigo é assinado também por Scott Bergen e Stuart Pimm.
Os pesquisadores selecionaram 39 espécies endêmicas na região, ou seja, que ocupam áreas de até 500 mil hectares. Foram consideradas apenas aves que tenham a maior parte do hábitat em território brasileiro. “Várias espécies chegaram a um tamanho de hábitat remanescente crítico, que as pode levar à lista vermelha da IUCN”, conta Mariana Vale.
O modelo de desmatamento utilizado foi publicado na revista Sciense em 2001, pelos pesquisadores americanos William Laurence e Scott Bergen. “É um modelo explícito do ponto de vista espacial, bastante simples, que usa padrões históricos de desmatamento associado a projetos de infra-estrutura para replicar o desmatamento em projetos futuros”, explica Mariana Vale.
Este modelo projeta um desmatamento adicional de 2,6 mil a 5,06 mil quilômetros quadrados de florestas por ano na região, principalmente ao longo de rodovias, rios e obras de infra-estrutura, como hidrelétricas. Conforme este modelo, o desmatamento vai atingir entre 28% e 42% da floresta amazônica brasileira até 2020. Para o estudo sobre efeitos da destruição da floresta sobre os pássaros, os pesquisadores preferiram as projeções mais otimistas (2,6mil Km2 ao ano e desmatamento em 28% da floresta).
Seis ecorregiões possuem espécies ameaçadas pelo desmatamento, conforme o cruzamento dos dados do modelo de desmatamento. Outras cinco devem perder mais da metade da cobertura até 2020. “Como na Amazônia não temos muitas informações sobre a biodiversidade, aves desconhecidas atualmente podem estar ameaçadas também”, segundo Mariana Vale.
Várzea A surpresa foi encontrar espécies que vivem ao longo dos rios entre as potencialmente ameaçadas. De acordo com os especialistas, as aves que vivem na várzea, em geral, são resistentes a perturbações, pois são áreas que passam constantemente por mudanças naturais. As pesquisas mostraram que estas espécies também sofrem os efeitos do desmatamento “Tem bicho com a distribuição restrita e a várzea em si é muito estreita. A abundância pode ser grande, mas a extensão é pequena”, explica o ornitólogo do Inpa, Mário Cohn-Haft.
O endemismo da várzea já havia sido notado por Cohn-Haft em um trabalho anterior, feito para o Programa Pró-Várzea, do Ibama. “Algumas espécies são encontradas em toda a várzea, mas existem outras que são restritas a determinadas sub-regiões”, conta o cientista.
Segundo os critérios da UICN, espécies de aves que ocupem menos de 100 quilômetros quadrados estão criticamente ameaçadas. São classificadas como ameaçadas aquelas encontradas em áreas de até 5 mil quilômetros quadrados. Até 20 mil quilômetros quadrados, estão as vulneráveis. As espécies podem ser classificadas ainda como quase ameaçadas (no concern) ou extintas na natureza (quando ainda existem em cativeiro) ou extintas (quando desaparecem completamente).
Na Amazônia, já foram registradas 1778 espécies de pássaros. Na porção brasileira da floresta são encontradas 12 % das espécies de pássaros do planeta, segundo citação feita no artigo. Elas estão principalmente em três ecorregiões consideradas mais ricas em variedades de espécies de aves, o Planalto das Guianas, ao norte da Região, no Oeste Amazônico e ao Sul do Rio Amazonas. O mapa de riqueza da biodiversidade de aves indica uma grande variedade de espécies também nas várzeas.
Espécies ameaçadas Para duas espécies analisadas (Lepidothrix vilasboasi e Clytoctantes atrogularis) existem apenas registros pontuais, sem distribuição definida. O C. atrogularis está criticamente ameaçado de extinção. A espécie existe em duas regiões, na Cachoeira de Nazaré, estado de Rondônia, e no Rio Sucunduri, no Amazonas. Estas áreas são ameaçadas pela migração e desmatamento das rodovias BR-230 e BR 364.
O L. vilasboasi hoje é classificado como vulnerável, mas pode entrar na lista das criticamente ameaçadas. É uma espécie endêmica no Brasil, encontrada em dois pontos do Pará, em Novo Progresso e no Rio Cururu. Está ameaçado pela pavimentação da BR-163, segundo a pesquisa.
O Picumnus varzeae, que ocorre na Várzea do Rio Amazonas, está quase ameaçado, mas pode aparecer na lista de ameaçados em poucos anos. Esta espécie terá perdido 81 por cento da área que hoje ocupa, segundo o modelo de desmatamento usado na pesquisa. Sobrariam apenas 4,8 mil quilômetros quadrados para a espécie viver em 2020.
O Synallaxis kollari, que recentemente teve sua área de distribuição revista, pode ficar ainda mais vulnerável. A preocupação é com as fazendas de arroz na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, destruam as matas de galeria onde a espécie vive. A previsão feita pelo modelo é que em 2020 sobrem apenas 6,45 mil quilômetros área para ele viver.
A Rhegmatorhina. Berlepsch, encontrada no interflúvio Madeira/Tapajós, pode ir para a lista de vulneráveis devido à redução do hábitat e modificações no ecossistema provocado por atividades humanas, como o corte seletivo de árvores e agricultura familiar.
Duas espécies que hoje estão fora de risco estariam perto de figurar entre as ameaçadas nos próximos anos (Amazona diadema, Cranioleuca muelleri). A A. diadema vive na terra firme nos interflúvios dos rios Negro/ Solimões e Negro/Amazonas é ameaçada pelo crescimento urbano de Manaus, conforme a pesquisa. A C muelleri vive ao longo do Rio Amazonas, onde existe grande tráfego de barcos e impactos da presença humana na várzea. Segundo a projeção, a espécie pode perder 73 por cento da área onde vive.
A C. carbonaria vive em matas de galeria no norte da Amazônia. Esta espécie, hoje na categoria vulnerável, passaria para quase ameaçada, pois sua distribuição foi revista recentemente.
Os projetos de infra-estrutura na Amazônia não aumentarão apenas o crescimento econômico, como se costuma dizer. Como se vê, eles podem ajudar a engrossar as listas de espécies ameaçadas de extinção.
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Vandré Fonseca, O Eco, 11/01/2008)