A circunstância é raramente factível, mas a melhor fruta é a que se come no pé, como sabem os que já o fizeram. Mesmo após a colheita, a atividade metabólica de frutas e hortaliças continua, alterando-lhes a qualidade, até a perda do valor comercial. O amadurecimento e o envelhecimento de frutas e hortaliças frescas são inevitáveis e independentes do método de conservação. A velocidade desses processos é que pode ser reduzida, preservando os produtos por mais tempo. É o que se faz nos sistemas de refrigeração com o controle da temperatura e umidade relativa do ar, pois de cada produto se conhece os gradientes de temperatura e umidade relativa adequados para a conservação após a colheita.
Com o objetivo de fornecer à comunidade acadêmica e ao setor produtivo uma ferramenta prática de auxílio a processos e tecnologias de pós-colheita de frutas e hortaliças, já esta disponível para download o software CoolSys. O projeto, coordenado pela professora Barbara Teruel Mederos, do Conselho Integrado de Infra-Estrutura Rural da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, foi desenvolvido por uma equipe de professores e alunos de graduação e pós-graduação das engenharias agrícola e química da Universidade, do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e está registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).
A faculdade congrega docentes e alunos de pós-graduação que atuam na tecnologia de pós-colheita, reunindo linhas de pesquisa e projetos voltados para o desenvolvimento, aprimoramento e aplicação de tecnologias na agricultura brasileira.
Após a colheita, torna-se indispensável estabelecer uma adequada cadeia do frio para que frutas e hortaliças mantenham a qualidade e sejam comerciáveis por maior tempo. A cadeia do frio é constituída pelo conjunto de sistemas e operações que mantêm o produto sob condições de temperatura e umidade relativa dentro dos limites recomendados depois do beneficiamento e até a comercialização. Com isso, se diminui a taxa respiratória e a degradação enzimática, reduz-se a velocidade de desenvolvimento de fungos, a produção de etileno, acelerador natural do amadurecimento, e a perda de água (massa), que afeta a aparência, o sabor, o aroma e a textura. O processo garante produtos mais adequados para o processamento e manuseio.
A professora Bárbara explica que “o CoolSys constitui uma ferramenta que surgiu da necessidade que sentimos ao longo de nosso trabalho de fornecer uma interface gráfica para que o público acadêmico, estudantes de engenharias e o setor produtivo pudessem entender como um produto hortícola fresco se comporta quando submetido a baixa temperatura, ou seja, sob refrigeração, que é uma das técnicas mais usadas hoje para conservação desses tipos de produtos”.
Ela trabalhava com uma série de modelos matemáticos e simulações que pela própria natureza são acessíveis a um público muito especifico. Então pensou, juntamente com os professores Teho Kieckbusch, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ), Luis Cortez, da Feagri, e Antonio Gilson de Lima, da Universidade de Campina Grande, Paraíba, em utilizar princípios científicos, equacionamentos matemáticos e modelos teóricos em interfaces amigáveis, disponíveis na tela do computador, acessíveis tanto para o público acadêmico quanto para o setor produtivo. Introduzindo os dados minimamente necessários, o usuário obtém rapidamente respostas aproximadas para o que aconteceria com a fruta ou hortaliça ao longo do tempo em relação à diminuição de temperatura quando submetida à refrigeração em determinadas condições, sem necessidade do experimento, nem sempre exeqüível.
Tomando como referência o limão, exemplificado em uma das telas que permite a simulação do processo de resfriamento, Bárbara esclarece: “Ao acessar o programa o usuário precisa informar o diâmetro do fruto, sua temperatura inicial, as dimensões da embalagem, o sentido da circulação do ar refrigerado em relação ao posicionamento da embalagem, a velocidade do ar, para então, obter o tempo necessário para atingir o gradiente adequado de temperatura. Falamos em gradiente porque os frutos em posições diferentes na embalagem, em relação ao sentido da circulação do ar resfriam-se em tempos diferentes e o desejável é que essa diferença seja a menor possível para que não influa na conservação do produto, uma vez que, quanto maior a temperatura, mais acelerado é o metabolismo e mais rápida a perda de qualidade”.
Bárbara lembra ainda que a refrigeração não acresce qualidade ao produto, mas visa mantê-la próxima do padrão de consumo exigido pelo mercado durante um certo tempo. O programa permite inclusive determinar a temperatura do ar refrigerado ao longo do processo, que sofre aumento de temperatura enquanto os produtos resfriam.
Modelo
A pesquisadora lembra que o processo apresentado na tela do computador de forma simples e rápida envolve na realidade fenômenos complexos, porque o resfriamento depende de uma série de leis que regem a Mecânica dos Fluidos, a Termodinâmica, a Transferência de Calor e Massa. Além disso, a perda de calor em função do tempo depende das propriedades termofísicas do produto e do ar, da posição, das dimensões e geometria do produto. Fábio Luiz Usberti, que participou do projeto quando ainda aluno de graduação da Feagri e que atualmente é doutorando na Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (Feec), acrescenta: “São muitos fatores e incluí-los todos em um único modelo, em uma única ferramenta, é uma questão bastante complicada. Tanto é que não temos ate agora conhecimento de outra ferramenta disponibilizada que considere todos estes fatores. O que existem são modelos para um único produto, submetido a uma corrente de ar com propriedades consideradas geralmente constantes e que estabelecem condições muito limitantes e, por isso, entendemos que avançamos”. Bárbara enfatiza: “Claro que ferramenta, como todo o processo tecnológico, nunca pára. Pretendemos que o trabalho seja continuamente melhorado, o que vai depender de sua aceitação pela comunidade. Ao desenvolvê-lo almejamos uma visão aproximada do que ocorre durante o processo de resfriamento”. Verificações experimentais desenvolvidas durante a pesquisa permitiram validar o modelo, pois as diferenças entre os valores obtidos para alguns produtos nos dois procedimentos foram de até 5%, mesmo com as simplificações necessárias em um processo de tal complexidade.
Desenvolvido por equipes multidisciplinares que trabalharam simultaneamente, o CoolSyst está dividido em dois módulos. O Modulo 2 permite simulações e o 1 contém um banco de dados com informações úteis para o usuário com vistas a dinamizar o uso do software. Assim, o item que trata de armazenamento apresenta uma lista de frutas e de hortaliças com os nomes cientifico e usual, a temperatura de conservação recomendada, o tempo de armazenamento para manutenção de qualidade, umidade relativa recomendada, tipo de resfriamento que pode ser aplicado, sensibilidade ao etileno, favorecedor do amadurecimento. Fornece ainda a relação dos produtos que podem ser conservados sob as mesmas condições de temperatura e umidade relativa do ar, dá informações sobre as embalagens disponíveis para cada produto, suas geometrias e capacidades, áreas de abertura, etc. O Módulo 1 apresenta ainda um banco de dados das propriedades físicas e térmicas de frutas e hortaliças, normalmente dispersas na literatura e que são de muita utilidade para cálculos de engenharia de processos e equipamentos, reunindo preferencialmente as informações resultantes de pesquisas realizadas no Brasil. Acompanham os dados as fontes, os métodos utilizados e suas limitações. Bárbara diz que se pretendeu “que o usuário pudesse ter acessibilidade a esse tipo de informações de forma rápida e esperamos que a comunidade nos nutra com os resultados de suas pesquisas para que o trabalho se amplie com mais produtos e variedades”.
Aproximação
Um dos grandes objetivos dos pesquisadores desta área ao disponibilizar a ferramenta, segundo Bárbara Teruel, é o de aproximar mais a Faculdade de Engenharia Agrícola do setor produtivo, do produtor, do usuário dessas tecnologias. Ela acrescenta que se procura romper com a idéia geralmente vigente de que na universidade se faz apenas estudos muito científicos e de difícil entendimento. Porque, enfatiza, “são os problemas e as dificuldades do setor produtivo que orientam o desenvolvimento de nossas pesquisas, cujos resultados podem contribuir para melhorar a agricultura, a conservação, as tecnologias, as colheitas e nos apontam para processos otimizados, nos levam a aplicar controles automáticos, procurando uma melhor relação custo-beneficio, atendendo às necessidades emergentes, o que faz aproximar universidade e comunidades”.
(Por Carmo Gallo Netto, Jornal da Unicamp, 10/01/2008)