O Brasil tem três dos 32 projetos e empresas que estão na "lista negra" mundial das organizações não-governamentais (ONG) voltadas para a defesa do meio ambiente e de direitos sociais. Integram a relação as fábricas de celulose da Aracruz, as usinas hidrelétricas do rio Madeira e a Pará Pastoril e Agrícola (Pagrisa), empresa recentemente autuada pelo Ministério do Trabalho, por ter mantido mais de mil trabalhadores em condições degradantes e análogas à escravidão.
Na América do Sul, também fazem parte da lista a fábrica de celulose da finlandesa Botnia no Uruguai, inaugurada em novembro de 2007, que causou a "guerra das papeleiras" com a Argentina. E o Projeto Camisea, para exploração de gás natural na região amazônica do Peru, cuja segunda fase está prestes a começar, ao custo aproximado de US$ 400 milhões. As ONGs temem os impactos ambientais e sobre as comunidades indígenas dos gasodutos que vão ser construídos.
A relação dos empreendimentos e companhias está no "Bank Track", conduzido por organizações como WWF, Friends of the Earth (Amigos da Terra), International Rivers Network e Rainforest Action Network. Os projetos colocados na lista não são necessariamente os mais agressivos do ponto de vista ambiental ou social, mas têm aspectos emblemáticos e guardam uma característica em comum: precisam de grandes financiamentos de agências locais de desenvolvimento ou de bancos internacionais. A intenção das ONGs, ao divulgar os impactos negativos desses projetos e das empresas responsáveis por eles é evitar - ou pelo atrasar - o crédito a esses empreendimentos, bem como manchar a imagem das instituições financeiras envolvidas.
"No caso de obras não iniciadas, que estão em fase de projeto, fazemos uma pressão que causa dificuldades em tornar a obra viável ou, no mínimo, algum constrangimento aos seus empreendedores e financiadores", explica Gustavo Pimentel, gerente do programa Eco-Finanças na seção brasileira da Amigos da Terra. "No caso das obras que já foram iniciadas, continuamos vigilantes em cima dos financiadores. Mostramos os riscos financeiros e de reputação."
A Ásia é o continente com o maior número de projetos na lista. São 17 empreendimentos na China, Índia, Indonésia, Turquia, Filipinas e outros países. Há projetos também na Europa, como as usinas nucleares de Belene, Bulgária. Os dois reatores previstos, de 1.000 megawatts (MW) cada, estão situados em região de forte atividade sísmica e a apenas 14 quilômetros de uma localidade em que 200 pessoas morreram depois de um terremoto, em 1977.
No Brasil, as usinas do rio Madeira foram incluídas no "Bank Track" não só pelos temores de impactos sobre a diversidade de peixes e a saúde das comunidades locais, com o possível aumentos de doenças como malária. A Amigos da Terra ressalta o fato de que a taxa de desmatamento na região fronteiriça de Rondônia aumentou 600% a partir de agosto de 2007, em relação a igual período de 2006. Uma das causas desse aumento, segundo a ONG, teria sido a expectativa de ocupação da região após a emissão da licença ambiental prévia às duas hidrelétricas do rio Madeira.
Com relação à Aracruz, as organizações acusam a empresa de ter provocado impactos negativos no solo, água e biodiversidade das áreas em que tem plantações de eucalipto. Citam ainda os conflitos com tribos indígenas e comunidades quilombolas. Quanto à Pagrisa, o motivo de sua inclusão na lista negra foi uma missão móvel, realizada em junho pelo Ministério do Trabalho, que "libertou" 1.108 trabalhadores em condições análogas à escravidão - eles tinham os salários descontados pela aquisição de remédios e alimentos, além serem submetidos a jornadas acima de 12 horas.
A empresa, que atua na produção de álcool e açúcar no Pará, nega as acusações. As ONGs pedem a suspensão do crédito a taxas subsidiadas pelo Finame. Segundo a Amigos da Terra, pesaram dois fatos para a inclusão da Pagrisa no "Bank Track": não havia ainda casos de semi-escravidão na lista e trata-se de um setor em evidência - o dos biocombustíveis.
As empresas brasileiras mencionadas no relatório contestam as reclamações das ONGs e rebatem as críticas sobre os impactos socioambientais de seus empreendimentos. O Consórcio Madeira Energia não quis pronunciar-se sobre a lista, mas lembrou que o empreendimento foi "detalhadamente" analisado pelo Ibama, que deu sinal verde às obras.
Para viabilizar as hidrelétricas, o consórcio assumiu o compromisso de construir canais seminaturais para facilitar o deslocamento dos peixes pelos reservatórios, além de manter um centro de reprodução artificial da fauna encontrada no rio. Também se comprometeu a aumentar a área de preservação permanente das matas em torno das usinas e a monitorar os níveis de mercúrio das águas do rio Madeira.
A Aracruz Celulose afirmou que estão "inteiramente superados" os conflitos com indígenas no Espírito Santo. Um termo de conduta foi assinado no dia 3 de dezembro e contempla os direitos e obrigações de cada parte (companhia, índios e Funai) no processo de transferência de 11 mil hectares de terras para os índios. As partes desistem de ações judiciais sobre o assunto.
O diretor de sustentabilidade da Aracruz, Carlos Roxo, observou que 34% das terras da empresa - o equivalente a 158 mil hectares - são de matas nativas totalmente preservadas. "Há ONGs que reconhecem que as últimas reservas de mata atlântica no sul da Bahia e no centro do Espírito Santo estão em áreas da Aracruz", disse Roxo. Além disso, ressaltou o executivo, a Aracruz é a única companhia do mundo da área florestal que integra o Índice Dow Jones de Sustentabilidade, da Bolsa de Valores de Nova York, com 318 empresas listadas. O índice leva em conta não apenas a performance financeira, mas aspectos como governança corporativa e responsabilidade social e ambiental como forma de sustentabilidade no longo prazo.
A Pagrisa tem, em sua página na internet, um relatório em que rebate as acusações feitas pelo Ministério do Trabalho sobre a presença de mão-de-obra escrava em suas fazendas no Pará. A empresa diz que gera 1.800 empregos diretos, mantém serviços de alfabetização de adultos, oferece supletivo de ensino fundamental e médio em parceria com o Sesi. Sobre a situação dos 1.108 trabalhadores "libertados" pela fiscalização, a Pagrisa admite "pequenas irregularidades, existentes em qualquer empresa, mas absolutamente insuficientes para caracterizar o trabalho em condições degradantes e/ou análogas às de escravo".
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Valor Econômico, 10/01/2008)