Dois grupos nos EUA usam truques nanotecnológicos para mudar propriedades do material, aumentando em cem vezes sua eficiência
Um material barato, abundante e fácil de manipular pode ser, no futuro, uma arma poderosa contra o aquecimento global. Pelo menos é o que prometem dois grupos de cientistas dos EUA, que conseguiram usar fios de silício para produzir energia a partir de calor.
Seus experimentos, diga-se de saída, ainda estão muito longe de qualquer aplicação prática. Mas os pesquisadores esperam que os chamados nanofios de silício possam ser usados em dispositivos que capturem o calor desperdiçado na geração de energia por combustíveis fósseis. Que não é pouco: até 70% da energia produzida por dispositivos que queimam carvão, petróleo e gás natural é dissipada em forma de calor.
"Nós não podemos aumentar a eficiência da geração de energia, mas podemos recuperar o calor dissipado", disse à Folha o engenheiro chinês Peidong Yang, da Universidade da Califórnia em Berkeley. Se todo esse calor pudesse ser capturado e convertido em eletricidade, estima o cientista, o mundo ganharia de lambuja, por ano, 15 terawatts. É o equivalente ao que toda a humanidade consumiu de energia em 2004. Isso poderia reduzir o ritmo de consumo de combustíveis fósseis, principais causadores do aquecimento anormal da Terra.
Yang diz não saber quanto do calor poderia ser recuperado no final. Mas, em dois estudos publicados na edição de hoje da revista "Nature", ele e o grupo de James Heath (do Instituto de Tecnologia da Califórnia) apresentam a primeira prova de que isso pode ser feito.
O que os dois grupos fizeram foi transformar o silício em um material termoelétrico. Esse tipo de material tem propriedades físico-químicas que permitem a conversão de calor em uma corrente elétrica ou vice-versa. Sua eficiência é dada por um índice chamado ZT, ou "número de mérito".
Embora o efeito termoelétrico seja conhecido há muito tempo, até hoje ninguém conseguiu um material termoelétrico eficiente o bastante para funcionar em escala comercial. Para serem usados na prática, esses materiais precisam ter um número de mérito maior que 1. Os únicos em uso hoje são semicondutores caros e feitos de materiais exóticos.
O silício é um material semicondutor barato e abundante -usado em chips de computador mundo afora. O problema é que sua eficiência é baixíssima, cerca de um centésimo do que seria necessário para que tivesse alguma utilidade.
Isso porque os materiais termoelétricos precisam esquentar devagar para que possam conduzir eletricidade (veja quadro à esq.). Já o silício é um excelente condutor de calor; como esquenta depressa, ele foi durante 60 anos considerado imprestável para a função.
Mudança de hábitoYang e Heath descobriram um jeito de contornar esse problema: basta explorar as propriedades bizarras do mundo nanotecnológico.
Na escala dos nanômetros (o diâmetro de um fio de cabelo é 50 mil vezes maior que um nanômetro), os materiais sofrem alterações em seu comportamento. Ao reduzirem o silício a fios de 20 nanômetros de espessura e acrescentarem a eles algumas impurezas, por exemplo, os cientistas conseguiram impedir o fluxo de calor. "O fluxo de elétrons também sofre redução, mas pequena", disse Yang. No fim das contas, seu grupo conseguiu aumentar o índice ZT do silício de 0,01 para 0,6. Heath foi mais longe: conseguiu aumentar a eficiência em cem vezes, de 0,01 para 1.
Ainda não é a salvação do futuro energético do planeta. Mas o salto nanotecnológico anima os cientistas. "Se conseguirmos um ZT de 3, poderemos substituir todas as geladeiras domésticas", diz o chinês. Bastaria aplicar uma corrente a um material termoelétrico para que ele esfriasse, sem o uso de motores ou gases.
"Não tocamos nisso no estudo porque todo mundo hoje só fala em energia", brinca Yang.
(
Folha de São Paulo, 10/01/2008)