Depois de passar 29 dias em um acampamento a 2 mil metros de altitude enfrentando temperaturas de 23 graus celsius negativos, um grupo liderado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) conseguiu obter, no mês passado, um testemunho de gelo de 133 metros de profundidade – o maior já coletado na Península Antártica, uma das regiões mais sensíveis do mundo às mudanças climáticas.
De acordo com o líder da missão, o glaciólogo Jefferson Cardia Simões, coordenador do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas do departamento de Geografia da UFRGS, os testemunhos – cilindros de 7,5 centímetros de diâmetro obtidos por perfuração do gelo – deverão permitir a obtenção de dados sobre as variações do clima e mudanças na química atmosférica ao longo dos últimos 250 anos.
“Os testemunhos são a melhor fonte de informação sobre o clima e a química atmosférica ao longo do tempo, porque o gelo preserva as características das amostras. Na América Latina só nosso grupo tem o equipamento de perfuração eletromecânica para esse tipo de missão”, disse Simões à Agência Fapesp.
O grupo contou com nove cientistas. Dois do Instituto Antártico Chileno, um do Instituto de Mudanças do Clima da Universidade do Maine, nos Estados Unidos, e os outros da UFRGS, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Os testemunhos foram extraídos do topo da península Antártica, no platô Detroit, na parte mais setentrional do continente. Os dados deverão ajudar a definir a variabilidade climática. Segundo o cientista, os testemunhos de gelo são a principal fonte de dados para o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC).
“Só por causa desse tipo de estudos foi possível, por exemplo, determinar variações na concentração de gases estufa ao longo dos últimos 720 mil anos e constatar que em todo esse tempo elas nunca estiveram nos níveis dos últimos 40 anos”, disse Simões, um dos líderes científicos do Programa Antártico Brasileiro (Proantar).
As amostras são extraídas em secções de cerca de 1 metro com a sonda eletromecânica, cuja capacidade é de 200 metros. Depois de uma primeira limpeza, os fragmentos são ensacados e guardados em caixas de isopor ultra-resistente.
“Os testemunhos serão agora transportados em uma câmara fria, a 20 graus negativos, para os Estados Unidos, onde será feita a descontaminação, descartando-se a camada exterior das lâminas. As amostras serão então lavadas com água ultrapura”, explicou.
O processo inteiro é longo. O trabalho de análise e descontaminação das amostras deverá levar um ano. Depois será preciso mais um ano para a interpretação dos dados ambientais.
“Serão feitas mais de dez análises diferentes, incluindo de isótopos estáveis por espectrometria de massa, conteúdo iônico e determinação de elementos-traço por ICP-MS [Espectrometria de Massas com Plasma Indutivamente Acoplado]”, disse.
Os cientistas deverão analisar os conteúdos de micropartículas para verificar a presença de amostras de origem vulcânica ou cósmica, além de estudar o DNA de bactérias. Uma bateria de dados também medirá eventuais produtos radioativos presentes nas amostras. Só depois terá início a fase de interpretação ambiental.
“Faremos também um estudo para tentar detectar o transporte de poluentes gerados pelas queimadas no Brasil para a Antártica, que será coordenado pelo professor Heitor Evangelista, da Uerj”, disse Simões.
Condições inóspitas
O grupo brasileiro viajou no dia 15 de novembro para a Antártica, onde desembarcou em um avião especial equipado com esquis. Os pesquisadores chegaram ao acampamento no dia 26 e retornaram no dia 24 de dezembro. Segundo Simões, a logística, a tecnologia e o conhecimento obtidos pela equipe desde 2004 permitiram um trabalho diferenciado.
“O principal diferencial de nosso grupo é que não ficamos em estações nem em acampamentos sobre a rocha. Somos o único que avançou para o interior do contintente”, afirmou Simões.
Acampados em barracas polares do tipo pirâmide, os pesquisadores enfrentavam, durante a noite polar, temperaturas de 23 graus celsius negativos, mas com sensação térmica de 37 graus negativos.
Segundo Simões, o trabalho do grupo é uma das contribuições do Brasil na Antártica, é parte do Ano Polar Internacional e serviu como treinamento para uma das missões mais avançadas do Proantar, que será realizada no verão de 2008/2009.
Os trabalhos têm apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, e do Ministério do Meio Ambiente.
(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 10/01/2008)