Relatório da Câmara dos Deputados sugere criação de um órgão autônomo para fiscalizar as atividades nucleares brasileiras. Não existe ainda legislação que regulamente quem pode autuar e multar irregularidades no setorAutor de relatório da Câmara Federal sobre as atividades atômicas brasileiras, o deputado Edson Duarte (PV-BA) faz coro com quem ataca a falta de transparência no setor. Para ele, as causas dessa realidade remontam à própria estrutura da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). A entidade que congrega, num só órgão, inclumbências de gestão e fiscalização do programa nuclear.
Tal situação, ressalta o deputado, torna a comissão fiscal de si mesma, numa conjunção que contraria convenções internacionais assinadas pelo Brasil e que, de acordo com o relatório da Câmara dos Deputados, só encontra paralelo no Irã e no Paquistão. O documento conclui ser urgente separar, em instituições distintas, as atividades de fomento das de regulação e fiscalização do setor.
"O governo ainda trata a área nuclear com a visão miliciana de soberania e defesa nacional, em que tudo é sigiloso", ressalta o relatório, numa posição corroborada por Rogério Gomes, presidente da Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear (Afen). Composta por cerca de 150 técnicos da Cnen, a Afen pede que seja criada uma carreira específica para a fiscalização da área. Atualmente, os funcionários da Comissão alocados para essa incumbência não podem aplicar multas nem promover autuações. Não existe legislação que regulamente essas tarefas. "Apenas produzimos relatórios internos, que podem ou não ir para a gaveta", diz ele.
Odair Dias Gonçalves, presidente da Cnen, rebate as críticas. Ele explica que a comissão é subdividida em três diretorias - entre elas uma voltada à fiscalização e à segurança nuclear -, numa situação absolutamente condizente com os acordos internacionais. "Temos de ser funcionalmente independentes. E assim acontece", atesta. Ele diz ser contra a proposta pela Afen e questiona inclusive a representatividade do grupo. "É uma associação de 20 pessoas".
Segundo Gonçalves, todo o setor nuclear concorda que uma reestruturação da Cnen é conseqüência natural do crescimento do programa atômico brasileiro. Mas diversos de seus representantes afirmam que qualquer separação agora gerará uma dispersão de recursos, prejudicial a esse desenvolvimento.
As alegações de falta de transparência das atividades nucleares oferecem subsídios para quem antevê o perigo de desdobramentos bélicos. "Quem disser que existe uma energia atômica para a paz e outra para a guerra está mentindo", ressalta uma famosa frase atribuída ao físico Robert Oppenheimer, chefe da equipe que criou a primeira bomba nuclear americana.
Essa linha de raciocínio é encampada pelo Greenpeace do Brasil, um dos principais opositores à construção de Angra 3. "O domínio do ciclo de urânio viabiliza o uso da energia nuclear para fins militares", afirma um manifesto da ONG. "Até hoje, não houve explicação adequada para a perfuração de 320 metros de profundidade encontrada em uma base da aeronáutica na serra do Cachimbo (PA), que tinha todas as características de local para testes de artefatos nucleares."
A controvérsia sobre a base em questão veio à tona em 1986, quando a imprensa divulgou a descoberta de um local no oeste paraense que abrigava de cisternas a covas secretas. Investigações realizadas depois da denúncia indicaram que havia um programa nuclear paralelo em desenvolvimento no local, voltado à produção de uma bomba atômica brasileira.
A existência dessa iniciativa, gerida secretamente por militares e funcionários públicos federais, foi confirmada recentemente pelo próprio José Sarney, presidente da República à época. Rex Nazaré Alves, então titular da Cnen, foi acusado de movimentar contas secretas, apelidadas de "delta", cujo suposto objetivo era financiar o programa. Atualmente, ele permanece envolvido com atividades atômicas do país. Em 2003, foi nomeado integrante da Comissão Deliberativa da Cnen.
O então ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, foi quem nomeou Nazaré Alves para a comissão. Também em 2003, logo no primeiro mês de mandato do presidente Lula, Amaral causou mal-estar ao dizer que o Brasil deveria buscar o conhecimento necessário para fabricar um artefato nuclear. Dias depois, Lula afastou a polêmica reafirmando seu compromisso com o uso da energia atômica somente para fins pacíficos.
(Por André Campos,
Reporter Brasil, 08/01/2008)