Genebra - A relação entre o comércio internacional e a mudança climática poderia ser determinada por um acordo internacional que incluísse os principais poluidores. Muitas perguntas a respeito surgiram na conferência da Indonésia sobre mudança climática, realizada em dezembro pelas Nações Unidas, mas não houve respostas práticas, pelo menos nenhuma sobre a qual todos estivessem de acordo. Alguns gostariam que o sistema comercial compensasse qualquer desvantagem competitiva sofrida pela aplicação de medidas para atenuar a mudança climática.
Há muitas idéias circulando sobre quais seriam essas medidas “compensatórias”, e a maior parte da discussão se concentra nos países mais expostos comercialmente e nos setores de maior utilização de energia, como do aço e do alumínio. Por exemplo, alguns consideram a imposição doméstica de taxas sobre as emissões de carbono, enquanto outro grupo prefere se concentrar no que pode ser cumprido de maneira mais imediata pelo sistema comercial na luta contra a mudança climática, como a abertura de mercados para bens e serviços ambientais por meio da Rodada de Negociações de Doha, da Organização Mundial do Comércio.
Outra questão polêmica é a das emissões de dióxido de carbono do sistema de intercâmbio internacional, isto é, quanto desse gás causador do efeito estufa é lançado na atmosfera por diferentes atividades comerciais. Um novo conceito é o de “alimentos/quilômetros”, pelo qual se calcula a quantidade de carbono emitida no transporte internacional de alimentos, do seu local de origem até a mesa do consumidor. Muitos concluem que seria melhor produzir bens no próprio território para minimizar as emissões, em lugar de importá-los, mas este argumento nem sempre é possível de ser sustentado após verificações empíricas.
De fato, 90% dos bens comercializados internacionalmente são transportados por mar, de longe a maneira mais eficiente por suas baixas emissões, de apenas 14 gramas de dióxido de carbono por tonelada/quilômetro. Em seguida, vem o transporte ferroviário e, em terceiro lugar, o transporte terrestre. O menos eficiente é o aéreo, que emite um mínimo de 600 gramas de dióxido de carbono por tonelada/quilômetro. Ao trabalhar por um acordo internacional sobre a mudança climática, os países terão de refletir sobre o papel do comércio internacional.
O comércio produz ganhos em matéria de eficiência, ao permitir que os países se especializem no que podem produzir melhor, o que, por sua vez, leva ao crescimento econômico. Este oferece aos países mais recursos para investir em prevenção e diminuição da poluição, se tomam a decisão política de fazê-lo. Por exemplo, a OMC tem normas em matéria de pautas de produção que estimulam seus membros a usar as regras estabelecidas por muitas instituições internacionais especializadas, bem como as referentes a subsídios, impostos, propriedade intelectual, etc.
Todas estas ferramentas normativas podem ser valiosas na luta contra a mudança climática, mas deveriam ser usadas sob parâmetros ambientais mais claros, que somente a comunidade ambiental pode estabelecer. Na falta de tais parâmetros, a OMC continuará arrastada de um lado para outro por diferentes atores, com uma remota possibilidade de acertar o alvo. Uma contribuição que a OMC pode dar agora mesmo é abrir mercados às tecnologias e aos serviços ambientais. A Rodada de Doha oferece uma via para o amplo acesso de produtos como depuradores de gases, filtros de ar e sistemas para a administração de energia.
No entanto, como era de se esperar, definir o que é um bem ambiental é objeto de apaixonado debate. Para os economistas, as coisas parecem claras. Eles nos dizem que o mercado global de bens e serviços ambientais pode ser avaliado em mais de US$ 550 bilhões anuais. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que os serviços “verdes” ocupam 65% desse mercado e os bens “verdes” os 35% restantes. A prevenção da mudança climática e os produtos e serviços para sua minimização representam uma importante proporção destes números.
Lançadas dentro do contexto mais amplo do capítulo ambiental da Rodada de Doha (que inclui a redução dos subsídios para a pesca e a intensificação do sustento mútuo entre as normas da OMC e os acordos ambientais multilaterais), as negociações sobre bens e serviços ambientais poderiam ter um resultado muito positivo para alguns países-membros, para a natureza e o comércio.
(Por Pascal Lamy,
Envolverde/Terramérica, 07/01/2008)
* O autor é diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).