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amazônia
2008-01-07
O tempo disponível para que o Brasil assuma de fato seus compromissos como fiel depositário de um dos mais importantes patrimônios da humanidade, a Amazônia, é muito curto. Sob o ponto de vista científico, o atual ritmo de desmatamento e de comprometimento dos biomas amazônicos poderá destruir um delicado equilíbrio que garante a distribuição de recursos hídricos por toda a América do Sul, sem falar em seus impactos em outras regiões do planeta. Sob o ponto de vista geopolítico a Amazônia é vista por outros países e organizações internacionais como uma das regiões críticas para a sobrevivência da humanidade. O tempo, no máximo cinco anos, concordam cientistas, como o pesquisador do Instituto de Pesquisas da Amazônia, Antonio Donato Nobre, mestre em biologia tropical, e líderes do setor empresarial, como Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos.

Sob este olhar, organizações da sociedade civil da Amazônia e empresas começaram a construir as pontes que possibilitam pensar na existência de um futuro sustentável para a maior floresta tropical do planeta. Um caminho difícil e cheio de armadilhas, mas necessário para que os serviços ambientais da região sejam definitivamente incorporados aos sistemas de valores sociais, empresariais e políticos. Durante quatro dias neste início de novembro, em Belém, capital do Pará, um grupo de líderes, representando boa parte dos interesses presentes na região, se reuniu e criou o Fórum Amazônia Sustentável, uma organização que deverá atuar com metas claras no sentido de coibir incisivamente a ilegalidade, acabar com a impunidade e a corrupção que permeiam os processos de degradação socioambiental e demandar do Estado brasileiro, em suas diferentes esferas, o exercício pleno de suas responsabilidades constitucionais frente aos direitos humanos, como por exemplo, a justiça, a segurança pública e a proteção do meio ambiente.

Empresários e líderes sociais acreditam que não haverá desenvolvimento enquanto persistirem na Amazônia o crime e a impunidade como regras básicas, o trabalho escravo e a degradação ambiental como ferramentas aceitas para a obtenção de lucro. Ricardo Young, um dos mais ativos participantes do Fórum, acredita que é possível uma convergência dos interesses das grandes empresas que atuam na região e dos movimentos sociais a partir de indicadores claros que possibilitem um outro tipo de governança para a Amazônia. “Temos de construir novos paradigmas de confiança, que levem em conta os tempos, os interesses e a linguagem de cada um dos atores.”. Para ele o trabalho começa no estabelecimento do diálogo multicultural e multiétnico, com cada uma das partes entendendo que somente assim se conseguirá a legitimidade necessária para a ação. “É preciso construir uma agenda mínima comum, porque ninguém vai conseguir enfrentar sozinho o desafio”, diz Young.

Os números da região são desafiadores, a Amazônia brasileira corresponde a 59% de todo o território nacional, abriga 12,2% da população do país, com mais de 180 etnias distintas, mas responde por apenas 8% do PIB. Mais de dez milhões de pessoas, 45% de sua população, vivem abaixo da linha da pobreza e menos de 1% do PIB amazônico advém da biodiversidade regional.

Representatividade e legitimidade
A carta de fundação do Fórum Amazônia Sustentável, assinada por cerca de setenta organizações empresariais e da sociedade civil, coloca em linha de igualdade na complexa arquitetura do Fórum, empresas como Alcoa, Vale do Rio Doce, Philips e Petrobras, entre outros gigantes, como o Conselho Nacional dos Seringueiros, organizações indígenas, ongs tradicionais na região, como o Imazon, o Greenpeace, o Instituto Peabiru , entre muitas outras. E um dos desafios que o grupo assumiu é o de atrair para esta causa centenas de outras organizações de todo o Brasil.

Para Magnólio de Oliveira, da ong Saúde e Alegria, responsável por todo um trabalho de facilitação do diálogo durante os quatro dias de conversas que resultaram na fundação do Fórum, a Amazônia precisa que as pessoas se conheçam e que aprendam a conviver. Por isso todo o trabalho foi precedido de dinâmicas de grupo que levaram ao diálogo e ao sorriso. “É mais fácil acreditar nas pessoas depois que sabemos algo sobre elas”, explica o ambientalista. Ele mostra que, “para as pessoas que estão trabalhando para a construção do Fórum, muitas vezes até as palavras têm significados diferentes”.

Isto fica claro quando, entre os executivos presentes, que representavam empresas de grande porte com atuação na região, havia sempre a impressão de que as conversas eram redundantes e que o tempo gasto poderia ser muito menor. No entanto, aos poucos, se sobrepôs a compreensão de que a lógica das reuniões empresariais não é a mesma das articulações dos movimentos sociais, onde a “fala” tem o papel de legitimar o tema e os interlocutores, afinal, coletivos sociais são estruturas com hierarquias distintas e onde cada organização precisa se posicionar. Também, aos poucos, foi se construindo a compreensão de que as empresas têm muito a aprender com a sociedade civil. “Não pode existir um empreendimento econômico de sucesso inserido em uma sociedade fracassada”, disse Rubens Gomes, do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).

Esta percepção já chegou a algumas das mais importantes empresas que atuam na região. A Alcoa deixou isto bastante claro quando seu principal executivo no Brasil, Franklin Feder compareceu a uma das reuniões de preparação do Fórum Amazônia Sustentável. A empresa está fazendo investimentos de R$ 1,3 bilhão na pequena Juruti, cidade de 35 mil habitantes no Oeste do Pará. “Queremos ser a geração 3.0 da mineração sustentável”, diz Feder. Ele acredita que o diálogo com as comunidades será fundamental para estabelecer uma relação de confiança com a sociedade e inserir a empresa em um permanente processo de aperfeiçoamento da relação com os stakeholders locais. “A empresa vai ficar por gerações na região, é preciso que a nossa atividade gere benefícios tangíveis para a sociedade”, explica. A Alcoa tem diversas experiências no Sul de Minas, onde mantém atividades há mais de 40 anos, e no Maranhão, onde está presente com o projeto Alumar. “Não desejamos sobrepor o poder local, mas apoiar iniciativas que possam estimular o IDH das regiões onde estamos”, disse o executivo.

Diálogos, falas e expectativas
Outras empresas também tiveram representação de alto escalão, como a Natura, com seu presidente Guilherme Peirão Leal, o Banco ABN Amro com Christopher Wells, a Philips com a gerente-geral de Sustentabilidade, Flávia Moraes, o presidente do Grupo Orsa, Sergio Amoroso e outros executivos de bancos como Itaú, CEF e Banco da Amazônia, além de equipe da Petrobrás, da Vale do Rio Doce e de outras empresas. Flávia Moraes disse que a experiência da constituição do Fórum foi um grande aprendizado. “Estamos acostumados aos processos executivos e durante os diálogos do Fórum começamos a perceber novos valores que devem estar expressos nos modelos de desenvolvimento sustentável que precisamos construir”, disse.

O diretor do ABN Amro, Christopher Wells, disse que existem alguns elementos inovadores neste Fórum: “nunca vi outra reunião onde tantos atores com interesses quase opostos conseguem construir convergências, como aconteceu em Belém”. Ele destacou, também, a importância da presença de diversas instituições financeiras. “A maior parte dos grandes projetos na Amazônia são realizados com crédito. Se os bancos assumirem compromissos claros em relação à sustentabilidade na região, será um grande avanço”, disse Wells.

Para o diretor executivo do Instituto Ethos, Paulo Itacarambi, um dos grandes desafios a ser enfrentado pelos participantes do Fórum Amazônia Sustentável será a construção de indicadores que sirvam para estabelecer novas maneiras de manejar a riqueza da Amazônia, com a preservação da biodiversidade e dos direitos. Ele lembra que a ausência do Estado é um grande entrave para o desenvolvimento e para a sustentabilidade, “pois sem educação, segurança e justiça não é possível criar um ambiente estável de negócios para que as empresas bem intencionadas possam atuar e distribuir benefícios”, explica. Ele lembra que nenhuma instância do Estado participou dos quatro dias de articulação para a construção do Fórum, mas garantiu que isto não será um entrave. “Para chegar até a reunião de Belém foram oito meses de trabalho, e o Fórum vai continuar trabalhando para atrair todos os atores que precisam ser envolvidos”, garantiu Itacarambi.

Outra adesão de peso para o Fórum Amazônia Sustentável foi levada pelo ator Vitor Fasano, que representou no evento o movimento “Amazônia para Sempre”, que tem a participação de Juca de Oliveira, Christiane Torlone, Ana Botafogo e dezenas de outros artistas motivados, principalmente, pelos cenários que presenciaram durante o trabalho que realizaram na região para a filmagem da minissérie “Amazônia”, produzida pela Rede Globo de Televisão. O manifesto dos artistas e um belíssimo audiovisual podem ser vistos no site http://www.amazoniaparasempre.com.br . Fasano, que fez a leitura do documento de fundação do Fórum Amazônia Sustentável, faz um alerta sobre a necessidade urgente de parar com o desmatamento. “Vivemos em um país com nome de árvore, Brasil, somos um povo da floresta”, afirmou.

Para continuar o trabalho de articulação, organização e mobilização, e para atingir os objetivos do Fórum, a Comissão Executiva que organizou o evento de Belém foi reconduzida ao cargo para mais um ano de mandato, e o Imazon – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia foi confirmado novamente como secretaria executiva do novo Fórum.

A fundação do Fórum Amazônia Sustentável
Para a cerimônia de fundação do Fórum Amazônia Sustentável estiveram presentes a ministra do Meio Ambiente e a governadora do Pará, Ana Julia Carepa. Ambas ouviram a palestra proferida pelo cientista Antonio Donato Nobre, que deixou claro, com dados científicos coletados em anos de pesquisa, que o ecossistema amazônico está entrando em colapso. “Temos em 2007 dados de aquecimento que só deveriam acontecer em 2050”, alertou. Sua apresentação mostrou que o ecossistema da região é muito mais do que simplesmente floresta e água, é um sistema de auto-regulação que bombeia a umidade sobre o oceano Atlântico e a leva para o Sul/Sudeste do Brasil. A tese do cientista é de que a floresta tropical emana substâncias que fazem chover e que as queimadas estão prejudicando esta delicada relação.

Nobre alerta que o equilíbrio da floresta é rompido pelas queimadas porque a Amazônia não é um ecossistema acostumado ao fogo. E mostra, em mapas, que o Sudeste brasileiro só é fértil por conta da água que a Amazônia manda para a região. “São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul estão na mesma latitude em que em outros continentes existem desertos”, explica, mostrando que na mesma latitude, na África, existe o deserto de Kalahari e, o grande deserto australiano. Segundo Nobre, esta região brasileira só não é desértica graças a uma combinação de umidade da Amazônia e cordilheira dos Andes, que empurram as nuvens para irrigar a região mais rica e produtiva do Brasil. E ele cita um número impressionante: se o homem tivesse de gastar energia para evaporar as 20 bilhões de toneladas de água por dia, serviço ambiental que a Amazônia faz de graça, seria necessária a energia de 50 mil usinas de Itaipu. Para melhor compreender esta tese pode-se ler a entrevista que Antonio Nobre concedeu ao jornalista Roberto Belmonte Villar, publicada originalmente na Ecoagência, do Rio Grande do Sul (http://www.rvb.jor.br/nobre.htm ).

A ministra Marina Silva disse, em sua fala durante o lançamento do Fórum, que é hora de se sair do debate para o diálogo. Para ela, somente iniciativas que tenham o potencial de juntar os diferentes podem ser transformadoras. A ministra lembrou os programas de governo existentes para a região e disse que o Brasil deve fazer um grande esforço para proteger a Amazônia. “As mudanças climáticas serão avassaladoras para a Amazônia, mesmo que façamos nosso dever de casa”, disse, lembrando que a humanidade está vivendo a era dos limites, onde há coisa que devemos reconhecer como insustentáveis, mesmo que gerem lucros no curto prazo. Marina Silva fez um alerta importante sobre o ano de 2008. Ela lembrou que em anos eleitorais o desmatamento historicamente cresce na região, “e a pressão será ainda mais forte porque existe uma tendência de valorização das commodities que são produzidas na Amazônia”, afirmou.

Compromissos Assumidos
Os fundadores do Fórum Amazônia Sustentável concordaram com oito linhas de ação que serão assumidas de imediato e que deverão ter resultados para a próxima reunião geral, dentro de um ano:

1.Mobilização da sociedade para o controle social do mercado e das políticas públicas;
2.Fortalecimento do mercado de produtos e serviços sustentáveis;
3.Construção de compromissos de boas práticas produtivas;
4.Valorização do conhecimento tradicional e reconhecimento e garantia dos direitos de povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais;
5.Estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico para a sustentabilidade;
6.Demanda de ações do Estado para ordenamento, regulação, fiscalização, monitoramento e proteção de direitos;
7.Proposição de Políticas Públicas de fomento e apoio ao desenvolvimento sustentável; e
8.Fomento ao diálogo entre as organizações e redes dos países amazônicos.

Informações para adesão ao Fórum Amazônia Sustentável: http://www.imazon.org.br

(Por Adalberto Wodianer Marcondes , Envolverde, 07/01/2008)


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