Havana – Severas irregularidades climáticas, incêndios florestais, sinistros em residências e aumento dos casos de roubos e das migrações figuram entre os dramas que podem afetar Cuba este ano, segundo os babalaôs. Porém, a esperança não se perde entre os maus augúrios. Passados os abraços e as comemorações, boa parte dos cubanos se volta com interesse a cada começo de ano para as previsões de ifá, o intermediário entre os orixás (divindades) e o homem, para saber o que acontecerá nos próximos 12 meses.
Trata-se da chamada “Letra do ano” que os babalaôs, sacerdotes da Regla de Ocha ou Santeria, “tiram” em liturgia realizada no dia 31 de dezembro e cuja forma de difusão evoluiu com o tempo. Hoje, esta espécie de oráculo segue circulando de mão em mão em um simples folheto, mas também chega em segundos a milhões de pontos graças à Internet.
“É um fenômeno social e cultural... É parte de algo que levamos no sangue, que é nosso e que damos ao mundo, como precaução sobre as coisas que podem nos afetar”, disse à IPS a etnóloga cubana Natalia Bolívar, acrescentando que seguir as recomendações da Letra prepara o caminho para uma vida “melhor ou mais tolerável”. A Letra é ditada pelo ifá através de um tabuleiro de madeira que representa o mundo. O babalaô com menos tempo de iniciado é designado para tirá-la com uma fileira de 16 peças ou ikines, presas por um cordão vegetal. Com essa cadeia são feitas cerca de quatro mil combinações, uma espécie de teoria das probabilidades.
Em entrevista coletiva dada no dia 3, a comissão organizadora da Letra do Ano informou que 2008 estará regido por Ogum, divindade que representa as guerras e os guerreiros (São Pedro, na liturgia católica), acompanhado de Iemanjá, a divindade das águas e mãe dos peixes (Também Virgem de Regla). O signo regente, Iwori Rete, prevê catástrofes climáticas, alem de doenças da pele, neurológicas e desajustes do sistema nervoso. “O desafio não é político, nem social, mas com a natureza”, diz o babalaô Victor Betancourt, que pediu “prioridade máxima” para situações muito criticas que começaram a ocorrer a partir deste ano.
Em sua opinião, não se deve “pensar tanto nas guerras, ou na situação política, quem deve morrer ou em quem não deve morrer, mas que todos podemos morrer segundo o que diz Iwori Rete”. Alem das “serias irregularidades do clima”, as previsões incluem incêndios florestais e perigo de sinistros em residências, aumento do índice de roubo com violência e da emigração interna e externa, bem como sérios problemas familiares por assuntos relacionados à moradia.
Apesar de tudo isso, Bolívar considerou que esta ano a Letra “dá uma esperança de vida”, para alem dos problemas climatológicos. “Esta letra matiza um pouco mais os anos anteriores que tivemos e que nos marcaram”, disse a etnóloga, para quem, enquanto forem seguidas as recomendações (da Letra), tudo irá bem”. Os babalaôs estiveram renitentes em fazer referencias de cunho político e pediram aos jornalistas que evitassem a manipulação de suas expressões. “Não somos políticos", disse Lázaro Custa, porta-voz da comissão, cuja cerimônia anual contou com o apoio de mais de mil babalaôs.
Em liturgia separada, o Conselho de Sacerdotes Maiores de Ifá, da Associação Cultural Yorubá de Cuba, também tirou sua letra e informou que 2008 estará regido pelo signo Igouri Ogbem, que não está isento de lógicas dificuldades, embora “se possa salva-las”. Esta previsão coincide com a da Comissão ao também alertar sobre “mudanças climáticas que podem ocorrer” e considerou que “devem ser tomadas medidas para minimizar os riscos e danos decorrentes das penetrações do mar e suas conseqüências”. Para a antropóloga María I. Faguaga, este sistema de previsão é um elemento fundamental da cultura cubana.
“Se a Letra oferece uma solução para suas dificuldades, o cubano a assume sem fazer diferença entre ideologia religiosa e ideologia política, ou entre as diferentes manifestações religiosas”, afirmou Faguaga. Nesse sentido “a Letra do ano transcende na cultura cubana e é um elemento que demonstra o caráter pragmático dos nascidos e nascidas neste país. A população cubana acompanha majoritariamente estes vaticínios”, acrescentou.
Não se conhece o numero de praticantes da Regla de Ocha e de outras religiões de origem africana em Cuba, mas, estudos especializados dão conta da extensão de elementos desta religiosidade em amplas camadas da população. Cuba é considerada o país onde melhor se conservam as tradições culturais desta religião, herdada dos escravos trazidos da África, principalmente da etnia Yorubá, no final do século XVIII.
(Por Patrícia Grogg,
Envolverde, 04/01/2008)