Entrevista: Carlos Alberto Dayrell, agrônomo que impediu derrubada de árvore em 1975
Quando atendeu ao telefonema de Zero Hora, o agrônomo Carlos Alberto Dayrell foi logo informando:
- Estou no meio da roça.
De enxada, lidava numa área de milho e mandioca de seu sítio, no interior de Montes Claros, norte de Minas Gerais. Dayrell está com 54 anos. Aos 22 anos, no dia 25 de setembro de 1975, produziu um gesto histórico do ambientalismo brasileiro. Trepou em uma árvore da Avenida João Pessoa, em Porto Alegre. Funcionários da prefeitura se preparavam para derrubar a tipuana para a abertura do Viaduto Imperatriz Leopoldina. O estudante de Engenharia Elétrica da UFRGS ficou ali, da manhã até o meio da tarde. Dois colegas da universidade o acompanharam depois no protesto e também se empoleiraram na tipuana. A fotografia da manifestação que impediu a derrubada da árvore correu mundo. O Brasil vivia sob ditadura. Até a prefeitura era ocupada por um interventor nomeado pelo regime militar, o engenheiro Telmo Thompson Flores.
Natural de Sete Lagoas, em Minas, desde 1970 Dayrell trabalhava num banco em Porto Alegre e depois passou a estudar na UFRGS. Era militante da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), fundada em 1971. Em 1976, desistiu de ser engenheiro elétrico, voltou para Minas e, em 1980, formou-se em Agronomia na Universidade Federal de Viçosa. Desde 1988, trabalha em Montes Claros, no norte mineiro, no Centro de Agricultura Alternativa, uma ONG que difunde projetos de manejo sustentável entre pequenos agricultores. Em 1998, voltou ao Rio Grande do Sul para receber o título de cidadão porto-alegrense, da Câmara de Vereadores, e reviu o pé de tipuana que salvara.
Na entrevista a ZH, Dayrell aplaudiu a decisão do 1º Batalhão Ambiental da Brigada, que impediu o show de fogos de artifícios na praia de Capão da Canoa para preservar um casal de corujas e seus quatro filhotes. Disse que gestos como esse contribuem para a formação da consciência ambiental, principalmente dos adolescentes. E pediu que não mexam no ninho.
Zero Hora - Como o senhor vê o caso das corujas?Carlos Alberto Dayrell - É uma boa surpresa para mim. Foi uma atitude muito interessante. Vejo como um reposicionamento institucional, porque a ação (de proteção às corujas) partiu de um órgão ambiental. Todas as formas de vida devem ser consideradas e respeitadas, mesmo que isso represente, como foi esse caso, restrições a uma festividade. Se uma atividade prejudica a vida, a vida é que deve ser respeitada.
ZH - Um fato como esse ajuda a formar consciências?Dayrell - Sim, especialmente da moçada, dos adolescentes. É importante que eles sejam sensibilizados. Infelizmente, a sociedade ainda está muito distante da natureza. Temos de respeitar os ciclos vitais. Um gesto como esse contribui para a percepção de que há um ecossistema, de que todos fazemos parte de uma cadeia ambiental. Gera mudanças e cria consciências, sim. Precisamos de limites, e esses limites são econômicos, sociais e ambientais.
ZH - O que mudou desde 1975?Dayrell - Evoluímos um pouco, mas não o suficiente. Ainda há grandes interesses econômicos conspirando contra o ambiente, mesmo que o planeta enfrente sérios riscos. Objetivamente, ainda há muito o que mudar. Essa não é uma questão apenas dos ambientalistas, mas de toda a sociedade. O positivo é que muitos buscam hoje um novo modelo de vida, o que nos deixa animados.
ZH - Como o senhor exercita esse novo modelo?Dayrell - Trabalho no Centro de Agricultura Alternativa, que assessora famílias de agricultores do norte de Minas, respeitando o ambiente do semi-árido. Desenvolvemos propostas de agricultura para o cerrado, a caatinga e a mata seca, sempre de acordo com as condicionantes ambientais. O cerrado enfrenta as conseqüências da monocultura do eucalipto, que é plantado aqui há mais de 30 anos. Sei que essa monocultura também está avançando sobre o pampa gaúcho. Se tomaram uma posição em favor da vida das corujas, com certeza também deverão saber tomar uma posição firme em defesa do pampa.
ZH - E o que se faz agora com as corujas?Dayrell - Deixem as corujas ali. Não mexam, não. Até que elas resolvam ir para outro lugar. Aprendi que é assim que se faz aí em Porto Alegre, durante minha convivência com o Lutzenberger (José Lutzenberger, um dos maiores ambientalistas brasileiros, morto em 2002), com o Augusto Carneiro (fundador da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural) e tantos outros. Porto Alegre foi uma etapa muito importante da minha vida. O Rio Grande do Sul foi decisivo na minha formação pessoal, profissional e política.
(Por Moisés Mendes,
Zero Hora, 04/01/2008)