O ano está terminando com poucos e lentos avanços nas negociações mundiais para conter o aquecimento global.
A pesada herança de US$ 45 bilhões deixada pelas catástrofes naturais em 2006, segundo dados da segunda maior seguradora do mundo, a Munich Reinsurance, fez acender a luz vermelha logo no início de 2007, que também começou com as projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) apontando
a ação humana como muito provavelmente a principal responsável pelo aquecimento global nos últimos 50 anos. Se no início do ano o IPCC chocou ao anunciar previsões de que as temperaturas globais poderiam subir de 1,8ºC a 4ºC, e o nível do mar elevar-se em até 58 cm ainda neste século, no final do mesmo 2007 a Conferência de Bali – apesar da má vontade e das dificuldades de consenso – conseguiu indicar pelo menos um caminho de negociações e, de quebra, obter a aceitação, por parte dos Estados Unidos, do
documento que traça o “mapa do caminho” para os acordos que se seguirem ao Protocolo de Kyoto, a serem fechados a partir de 2009.
Recheado de discussões e controvérsias envolvendo principalmente posições relutantes como as da Austrália, do Canadá, dos próprios Estados Unidos, e ainda a resistência oficial brasileira no sentido de não aceitar imposições sobre limites de emissões, 2007 foi marcado também pela divulgação do polêmico “Uma Verdade Inconveniente”, que lançou o ex-vice-presidente americano Al Gore à conquista do Nobel da Paz, levando ao reconhecimento mundial um grupo expressivo de cientistas, inclusive alguns brasileiros. No Rio Grande do Sul, foi o ano em que os poderes Executivo e Legislativo mais se envolveram com o debate da causa, a ponto de ser criado e constituído oficialmente o
Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas pela governadora Yeda Crusius. Foi também destaque a realizaçãodo
2º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, em outubro, que levantou o tema “Aquecimento Global, um desafio para a Mídia”.
Reveja a seguir os principais fatos que marcaram o debate sobre o clima em 2007:
Dezembro: EUA dobram-se a argumentos da China e da Índia em Bali Poucas semanas antes de do final do ano, os Estados Unidos aceitaram as objeções da China e da Índia, que pediram "mais ação" dos países desenvolvidos no combate ao aquecimento global. Com o encerramento do encontro na Indonésia, que se estendeu pelas duas primeiras semanas de dezembro, ficou acertada uma espécie de faixa de transição para um
acordo pós-Protocolo de Kyoto, que deve durar até 2009.
Contudo, não foram definidas metas numéricas para cortes de emissões, mas sim o lançamento de um fundo das Nações Unidas – com recursos iniciais de US$ 36 milhões – para ajudar nações pobres a lidar com os efeitos de mudanças climáticas como secas ou enchentes. Também foi acordado um esquema que permite a venda, por nações pobres, de créditos de carbono para países ricos a partir de 2013, em retorno por não destruir suas florestas. Outra definição diz respeito a um plano para financiar uma tecnologia ainda sem testes que captura e enterra o dióxido de carbono, emitido por usinas de energia que queimam combustíveis fósseis.
Ainda em dezembro, o
Brasil, por meio do Itamaraty, recusou-se a aceitar a proposta feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) de que as emissões dos países do Terceiro Mundo atinjam seu pico em 2020 e sejam cortadas em 20% daí para a frente.
Novembro: Lovelock diz que 6 bilhões morrerão O fundador da Teoria de Gaia,
James Lovelock, anuncia que, devido ao aquecimento global, zonas de temperatura como a América do Norte e a Europa se aqueçam quase 8º – quase o dobro das previsões mais prováveis do relatório mais recente do IPCC. Segundo ele, até 2100 a população da Terra encolherá dos atuais 6,6 bilhões de habitantes para cerca de 500 milhões. Ao mesmo tempo, os
Estados Unidos anunciam que suas emissões de gases estufa caíram 1,5% em 2006, e o
Brasil fica pé em não aceitar metas de redução de emissões. No âmbito das previsões, cientistas da Universidade de East Anlgia, na Inglaterra, revelam que o ano de 2007 deve terminar não tão quente como se esperava, sendo o
sexto mais quente da história, considerando registros iniciados há 150 anos.
Outubro: congresso debate papel da mídia no aquecimento global Porto Alegre chamou a atenção da mídia especializada em questões globais ao sediar o 2º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, que trouxe ao Salão de Atos da UFRGS personalidades como o
documentarista Adrian Cowell, que compartilhou suas experiências em retratar o
desmatamento na Amazônia. Foi anunciada no evento a concessão do Prêmio Nobel da Paz a Al Gore, cujo
documentário
recebeu elogios da Alta Corte britânica, que não deixou de apontar erros na fidelidade do filme aos fatos científicos.
Junto com Gore, nove cientistas brasileiros receberam o Nobel. Também em outubro, o
Rio de Janeiro foi sede da primeira reunião do IPCC na América Latina.
Setembro: maiores poluidores se reúnem nos EUAO
presidente norte-americano George W. Bush reuniu representantes do Brasil, além de União Européia, França, Alemanha, Itália, Reino Unido, Japão, Canadá, Índia, Coréia do Sul, México, Rússia, Austrália, Indonésia e África do Sul para discutir ações sobre a mudança climática. O encontro acabou gerando espaço para a ação do
lobby nuclear, que defendeu o uso da energia atômica como essencial ao cumprimento de metas de emissões. Esta foi também a posição do presidente da Federação das Indústrias da Alemanha (BDI), Jürgen Thumann, em encontro realizado em Berlim. No Rio de Janeiro, foi realizado o
Rio+15, encontro que fez um balanço dos avanços e retrocessos com relação à cúpula mundial do clima de 1992.
Agosto: Brasil assina primeiro contrato de venda de crédito de carbonoNo final de agosto, o
Brasil deu o primeiro passo na comercialização de créditos de carbono de projetos após o término do Protocolo de Kyoto, em 2012. A consultoria especializada KeyAssociados, que realizou o projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL, processo pelo qual uma empresa consegue ter direito aos créditos de carbono), participou da assinatura do contrato entre a Penha Papéis e Celulose e o banco alemão KFW para a compra e venda dos créditos gerados pela indústria de papel.
Julho: show polêmico reúne 400 mil pessoas em CopacabanaDepois de ações do Ministério Público para impedir sua realização, devido à precariedade de segurança pública no Rio de Janeiro, a Justiça acabou dando liminar favorável ao
Live Earth, que aconteceu no dia 7 de julho, às 16h, no Rio de Janeiro e em outras sete capitais do mundo. Considerado o maior evento voltado à consciência ambiental da história, o show teve o respaldo de quase 700 policiais. Ainda em julho, a
Assembléia Geral das Nações Unidas realizou seu primeiro debate informal dedicado à questão do aquecimento global, e a
Prefeitura de São Paulo anunciou, para setembro, o primeiro leilão público do Brasil voltado à venda de créditos de carbono, com o qual espera arrecadar cerca de R$ 30 milhões.
Junho: IBGE registra aumento no nível do mar no RJ e em SC O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, no final do mês, dados de um estudo preliminar sobre a
elevação do nível do mar em dois pontos da costa brasileira. Os registros mostram que, de dezembro de 2001 a dezembro de 2006, o mar subiu, em média, 2,5 milímetros por ano em Imbituba (SC) e 37 mm por ano em Macaé (RJ). Pouco antes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indicava que o
aquecimento global contribui, direta ou indiretamente, para cerca de 77.000 mortes anuais da região da Ásia e do Pacífico. Na Europa, devido à crescente demanda de fontes energéticas não emissoras de gases estufa,
aumentou a aceitação popular da indústria de energia nuclear, principalmente nos antigos países comunistas.
Maio: Canadá sofre processo e Semana do Meio Ambiente mobiliza ONGsA
organização ambientalista Friends of the Earth do Canadá processou o governo do país por abandonar seus compromissos internacionais sob o Protocolo de Kyoto. Na China, a
população sofre com enchentes e, paradoxalmente, em outras regiões, com a pior seca em 60 anos. Em cinco capitais brasileiras, na comemoração da Semana do Meio Ambiente, o
Greenpeace anunciou convite à população na caminhada "Volta pelo Clima", que pode ser a pé ou usando bicicleta, skate ou ainda patins. No município de Rio Grande, foi realizado o
Fórum Regional Aquecimento Global no Rio Grande do Sul, como parte da Semana do Meio Ambiente. No evento, foi exibido o documentário “Uma verdade inconveniente”, seguido de debate.
Abril: Brasil afirma ter pacto para defesa do clima
Numa iniciativa do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e de entidades ambientalistas, tendo à frente o Greenpeace, foi lançado, em 23 de abril, em São Paulo, o documento “
Pacto de Ação em Defesa do Clima”. O documento identifica ações a serem adotadas por empresas e governo a fim de mobilizar a sociedade brasileira para reduzir os níveis de emissões de gases de efeito estufa no país. Já em Porto Alegre, após retornar de Miami,
o prefeito José Fogaça informou ter acertado com o presidente do World Resources Institute (WRI), Jonathan Lash, a realização de um seminário internacional, a ser promovido na capital gaúcha pelo WRI e pela prefeitura, sobre mudanças climáticas nas cidades da América do Sul, tendo como tema central Transporte Urbano e Aquecimento Global. E nos Estados Unidos,
milhares de pessoas participaram de uma iniciativa dos ambientalistas, que pressionaram o Congresso por medidas urgentes contra a mudança climática, cobrando a aprovação de uma lei para a redução em 80% das emissões de dióxido de carbono até 2050.
Março: a lembrança do Catarina ainda desperta medoBrasileiros, especialmente catarinenses, lembraram com temor a ocorrência do
primeiro furacão registrado no país, na madrugada de 27 para 28 de março de 2004. Com ventos de 153 quilômetros por hora, o Catarina ainda desperta receios de uma reprise. O
Congresso Nacional criou comissão mista para debater aquecimento global, formada por sete deputados e sete senadores e tendo como relator o senador Renato Casagrande (PSB-ES). No âmbito do Poder Executivo, o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco, anunciou que o
Brasil terá um plano nacional de combate a mudanças climáticas.
Fevereiro: Filme de Al Gore é censurado O
documentário “Uma Verdade Inconveniente”, de Al Gore, foi duramente criticado por docentes de escolas norte-americanas da Associação Nacional de Professores de Ciências (NSTA, sigla em Inglês). O presidente da entidade, Gerald Wheeler, reconheceu que recebe patrocínio da indústria do petróleo, e a produtora do documentário, Laurie David, fez com que o caso fosse parar em um artigo do jornal Washington Post. A oposição parece não ter atingido Gore, que, com o Yahoo!, também em fevereiro, acabou lançando um
site para estimular os consumidores norte-americanos a combater o aquecimento global trocando o tipo de lâmpadas que usam em casa.Janeiro: Torre Eiffel se apaga contra o aquecimentoNo final do mês, foi anunciado que as
20 mil lâmpadas elétricas da Torre Eiffel seriam apagadas por cinco minutos, em 1º de fevereiro, horas antes de cientistas divulgarem, oficialmente, um relatório sobre o aquecimento global. O apagão foi um pedido de ambientalistas para chamar a atenção para o desperdício de eletricidade. A
Indonésia tornou pública a ameaça de poder perder cerca de 2 mil ilhas, até 2030, devido a mudanças climáticas.
O tema do aquecimento global também entrou com força na pauta do Fórum Social Mundial realizado em Nairóbi.
(Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 27/12/2007)