Enquanto o mundo discute a salvação das florestas tropicais, no Brasil, o cerrado continua cada vez mais ocupado por monoculturas como a soja e a cana, além da pecuária. Cálculos feitos pela UnB (Universidade de Brasília) mostram que as emissões de carbono desse bioma é bastante significativa: 35%, pelo menos, do que emite a Amazônia. O maior vilão deste processo é justamente a velocidade na mudança no uso do solo.
Para chegar a essa taxa, Mercedes Bustamante e colegas determinaram um período de 20 anos e compararam o que ocorreria entre um hectare de floresta e um de savana. "Enquanto o cerrado emitiria importantes 220 toneladas de carbono equivalente por hectare, no período estudado, a Amazônia emitiria 620 toneladas", disse Bustamante à Folha. Os números, que serão publicados em breve, são inéditos para a comunidade científica.
Para a bióloga da UnB, não há dúvida de que a participação do cerrado nas emissões brasileiras ainda está subestimada. Ainda mais porque o bioma, que ocupa 24% da área do Brasil, tem aproximadamente 40% do seu ambiente natural já alterado.
"A mudança no uso da terra é muito mais rápida no cerrado do que na floresta tropical", afirma Bustamante. Essa história da transformação do ecossistema é relativamente recente. Tudo começou nos anos 1970.
Além da pecuária, a soja, o milho e o algodão são as principais culturas desenvolvidas nas savanas brasileiras hoje. No Estado do Mato Grosso, por exemplo, a soja ocupa 88% do cerrado do Estado, segundo os números da UnB.
Hoje, as emissões por causa das queimadas da Amazônia representam aproximadamente 75% do total do Brasil -o restante é causado pelos automóveis que circulam pelas grandes cidades basicamente.
Se o cerrado for colocado agora dentro da categoria "mudança do uso do solo" ele contribuirá com um aumento de 25% pelo menos, segundo permitem inferir os números divulgados agora pela UnB.
Além disso, segundo Bustamante, a emissão de metano pelo gado, a atividade comercial mais comum na área de cerrado, que ocupa uma área de 50 milhões de hectares, foi computada, no cálculo, apenas para a realidade da Amazônia. "Isso aumentará bastante as emissões do cerrado", explica a pesquisadora da UnB.
Esses cálculos sobre o metano também estão sendo feitos agora pelo pesquisadores. Mas estimativas iniciais, de estudos anteriores, mostram que apenas a região Centro-Oeste do Brasil, onde boa parte é ocupada pelo cerrado, responde por 30% das emissões metano do país. No total, essa quantia é eqüivalente ao lançamento anual de carbono feito por 36 milhões de carros de passeio.
A transformação do uso do solo na savana está diretamente relacionada com o aumento das emissões de carbono. Já na floresta, é o uso da biomassa vegetal --as árvores da floresta cortadas ou queimadas-- que protagoniza a subida das emissões do gás do efeito estufa.
Sistema adulterado
Não é apenas a quantidade de de carbono emitida para a atmosfera todos os anos que preocupa os pesquisadores de Brasília -cidade que nasceu, aliás, antes do pico de alteração das savanas nacionais.
Novos estudos, ainda preliminares, mostram que o ciclo da água, por exemplo, é transformado de maneira radical quando em vez das plantas naturais do bioma estão sobre o solo plantações de soja. Em resumo, na primeira situação, a água segue o seu fluxo natural. No segundo ela circula menos e o ecossistema fica mais seco.
Segundo Bustamante, os resultados iniciais já obtidos pelo seu grupo dão uma diretriz clara de como é preciso tratar o cerrado. "A manutenção da biodiversidade [o cerrado brasileiro é a savana com mais biodiversidade do mundo] e dos sistemas naturais é uma condição e não uma opção", afirma a pesquisadora. Segundo ela, o próprio agronegócio que existe pode ser prejudicado com o desequilíbrio ambiental.
(Por Eduardo Geraque, Folha de S.Paulo, 25/12/2007)