Relator diz que Judiciário não pode interferir em definição de políticas públicas"A decisão do Supremo não significa vitória de ninguém sobre ninguém", afirmou Geddel Vieira Lima, ministro da Integração Nacional
Ontem o STF (Supremo Tribunal Federal) liberou as obras de transposição de parte das águas do rio São Francisco. Também ontem, o bispo de Barra (BA), d. Luiz Cappio, que faz greve de fome contra a transposição, passou mal e foi internado, segundo informações do médico que o atendeu, frei Klaus Finkam. Pela manhã, o plenário do STF negou recurso que, se aceito, paralisaria as obras. Em outro processo, o ministro do STF Carlos Menezes Direito cassou decisão do juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região Antonio Souza Prudente que havia suspendido as obras.
Tanto a rejeição do recurso quanto a derrubada da decisão do TRF-1 representam uma importante vitória judicial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que elegeu a transposição, orçada em mais de R$ 5 bilhões, como uma das prioridades de seu governo.
Por 6 votos a 3, os ministros negaram um pedido de paralisação das obras, apresentado em julho pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, para quem o governo não cumpriu as exigências mínimas para executar o projeto. Os ministros favoráveis à suspensão das obras foram Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello. Para eles, seria uma medida de cautela contra eventuais riscos de danos a ambiente, erário público e populações atingidas.
A maioria dos ministros disse que o governo vem cumprindo os requisitos para realização do projeto e que o Judiciário não pode interferir na definição de políticas públicas. "Cabe ao Executivo a exclusiva responsabilidade de avaliação, definição, execução e portanto opção de políticas públicas diante das necessidades sociais da população", disse Direito, o relator.
Ele rebateu um dos pontos mais polêmicos do projeto: a necessidade de autorização do Congresso por atingir comunidades indígenas. Direito afirmou que só haveria essa exigência se a finalidade fosse retirar recursos hídricos das terras indígenas, não fornecer a elas. Britto, um dos votos vencidos, disse que o rio São Francisco padece de "pobreza franciscana" e criticou a transposição simultaneamente à revitalização. "Se o rio está doente, deveria ser revitalizado primeiro. Não se pode exigir que a pessoa doente seja doadora de sangue", afirmou ele.
As obras de transposição são contestadas pelo Ministério Público Federal, seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, entidades ambientalistas e associações de trabalhadores rurais, principalmente da Bahia, de Sergipe e Minas Gerais.
"Vamos levar adiante esse projeto, que é importantíssimo ao Nordeste e ao Brasil. Vamos repetir que a decisão do STF não significa vitória de ninguém sobre ninguém, nós continuamos abertos para ouvir propostas venham ela de onde vier, inclusive do bispo, que possam aprimorar, melhorar, agregar qualidade ao projeto", disse o ministro Geddel Vieira Lima (Integração Nacional).
Fracasso
Também ontem Lula encerrou as negociações com o bispo. A decisão foi informada no final da tarde de ontem ao comando da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), por meio de um telefonema do chefe-de-gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, ao secretário-geral da entidade, dom Dimas Lara Barbosa. De acordo com o governo, os trabalhos serão retomados pelo Exército em 7 de janeiro, quando os militares retornam do recesso do Natal e do Réveillon.
"Aqui [em Brasília] morreu a negociação com o governo. Não tem mais nada para ser conversado", disse Roberto Malvezzi, agente da CPT (Comissão Pastoral da Terra), e que está desde anteontem em Brasília como representante de dom Luiz.
Atriz chora e diz que decisão foi humilhante
Após acompanhar a sessão plenária do STF que manteve a liberação da transposição do rio São Francisco, a atriz e militante contrária às obras Letícia Sabatella chorou e rotulou de "humilhante" a decisão do Judiciário. O ator Osmar Prado afirmou, antes de dom Luiz Cappio ser internado, que se colocaria à disposição para iniciar um jejum em apoio ao bispo.
"É uma forma de protesto. Eu me ofereceria para acompanhá-lo", disse o ator.
A decisão do STF frustou cerca de 200 integrantes de pastorais da Igreja Católica e de movimentos sociais, como o MST, que se reuniram em protesto na praça do Três Poderes, em frente ao Supremo. Ao final da sessão, muitos deles vindos do norte de Minas Gerais e da Bahia choravam abraçados.
"É humilhante para o povo brasileiro ficar sob esse nível de insensibilidade, tanto do nosso governo como do nosso sistema Judiciário", disse a atriz, com voz baixa e embargada. "Respeito inteiramente a decisão dele", afirmou com lágrimas nos olhos.
Em frente ao STF, os manifestantes cantaram, dançaram, desfilaram e, ao final, fizeram uma oração de mãos de dadas. Também queimaram um exemplar da Constituição. "O que vimos aqui foi a maioria dos ministros rasgar a Constituição e votar contra o povo brasileiro", disse a advogada Juliana Barros, da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia.
Ao redor da praça, foram espalhadas faixas contra a transposição e outras de ataque ao presidente Lula.
(Silvana de Freitas e Eduardo Scolese,
Folha de São Paulo, 20/12/2007)