O minúsculo passo dado na conferência sobre mudança climática na ilha de Bali, na Indonésia, foi, praticamente, para trás, pois o diálogo quase entrou em colapso quando os Estados Unidos se negaram a aderir ao consenso global. Quando Kevin Conrad, representante de Papua-Nova Guiné, pediu, por favor, aos delegados norte-americanos que se afastassem do caminho caso se negassem a liderar um processo obtido por consenso, Washington deu meia-volta e aceitou o “mapa do caminho” de Bali.
Diante deste mapa político do caminho, qual direção indica o mapa cientifico?Há um mês, o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC), premiado com o Nobel da Paz, alertou que as emissões de gases causadores do efeito estufa deveriam chegar a um teto e começar a decair no prazo de 10 a 15 anos. muitos dos cientistas mais reconhecidos na matéria consideram que não fazê-lo não é uma opção, porque desestabilizaria irreversivelmente o sistema climático do planeta.
Os milhões de pessoas já afetads pela mudança climática rapidamente se converterão em centenas de milhões, sem uma grande redução de emissões. E há um alto risco de que entrem em colapso ecossistemas únicos que sustentam numerosas espécies de vida, como os arrecifes de coral. A ciência insiste em que o primeiro passo importante para impedir que se concretizem as hipóteses mais alarmantes é que os países industrializados reduzam entre 25% e 40% suas emissões até 2020, em relação aos níveis de 1990.
Representantes dos países industrializados coincidiram com os cientistas em uma reunião da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada em agosto, em Viena. E ao longo das duas semanas que durou a XIII Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática em Bali, Yvo de Boer, secretário-executivo do tratado, freqüentemente reiterou que este era o caminho que a ciência havia exposto claramente.
Então para onde leva o mapa do caminho de Bali?Não há nenhuma menção à redução entre 25% e 40% das emissões até 2020. Canadá, Estados Unidos e Japão se opuseram categoricamente a qualquer objetivo especifico em matéria de reduções para as nações industrializadas. No caminho de frente ficaram União Européia e muitos países em desenvolvimento. Para alcançar um acordo, europeus e países do sul acabaram concedendo. No acordo final não existem objetivos específicos de redução de emissões. Reconhece – isso sim – que “são necessárias profundas reduções nas emissões globais para conseguir o objetivo principal” de frear a mudança climática.
O mapa do caminho de Bali é, essencialmente, um acordo para abrir um processo de negociações de dois anos desenhado para uma nova série de objetivos de redução de emissões para substituir os do Protocolo de Kyoto, assinado em 1997 e em vigor desde 2005. Embora isto possa não parecer um grande avanço, houve um sério debate sobre um período mais extenso de negociações, que adiaria as ações para um futuro distante.
E até o último momento os Estados Unidos – que respondem por cerca de um quarto das emissões mundiais de gases causadores do efeito estufa – foi contra incluir na declaração a necessidade de “profundas reduções nas emissões mundiais”, dizendo que a ciência é incerta. “O governo de George W. Bush tem atrapalhado tudo de maneira inescrupulosa para o nível de ação sobre mudança climática que a ciência demanda’, disse Gerd Leipold, diretor-executivo da organização ambientalista Greenpeace Internacional. “Eles relegaram a ciência a uma nota de rodapé de pagina”, acrescentou.
Sem objetivos de redução, o que se conseguiu em Bali?“Criamos incentivos para tornar atraente para os países agirem sobre a mudança climática. Estamos criando ‘cenouras’ aqui e, talvez, se houver necessidade, depois faremos 'paus' para incentivar as pessoas”, disse De Boer à imprensa após a reunião. A “cenoura” maior consiste em permitir que os países ricos comprem créditos de carbono das nações que preservam suas selvas tropicais. O desmatamento responde por 20% a 25% das emissões globais de dióxido de carbono. Esses incentivos deixaram algumas organizações não-governamentais soltando faísca.
Não se trata de como obter ganhos a partir da crise climática”, disse à IPS desde Nusa Dua (Bali), Simone Lovera, da não-governamental Coalizão Mundial pelas Florestas, com sede no Paraguai. “Os interesses corporativos estão dominando esta conferência”, acrescentou Lovera. Mais do que comprar créditos para contaminar, os países ricos deveriam reduzir suas próprias emissões, ressaltou. As partes da Convenção cometeram um grande erro ao incentivarem o setor empresarial a se envolver com força no processo. Está em jogo a sobrevivência de nações inteiras e é absolutamente impossível que participem, destacou Lovera, que esteve em muitas conferências sobre mudança climática.
Embora os princípios do desenvolvimento sustentável fossem amplamente ignorados em Bali, Lovera disse que ainda havia sinais de esperança, como o acordo holandês para deixar de subsidiar a palma para elaboração de biodiesel e o compromisso de US$ 2,8 bilhões da Noruega para ajudar os países em desenvolvimento a preservarem suas florestas. Além disso, a Alemanha anunciou que reduzirá em 40% suas emissões até 2020. A maioria das ONGs felicitaram os delegados por conseguirem um acordo, porém, dizendo que o mapa do caminho de Bali é vago e carece de ambições. E todos esperam que o governo Bush chegue ao fim, depositando enormes expectativas no novo presidente norte-americano.
“Os políticos já não podem dizer que não sabem que a mudança climática é um assunto sério e urgente”, disse há um mês Hans Verolme, diretor do Programa Global de Mudança Climática do não-governamental Fundo Mundial para a Natureza (WWF), na apresentação formal do Informe de Síntese do IPCC. “Bali mostrará ao mundo o que está pronto para fazer”, disse Verolme à IPS. No momento, isto é apenas um passo à frente.
(Por Stephen Leahy,
IPS, 19/12/2007)