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hidrelétricas do rio madeira
2007-12-19
O leilão da usina de Santo Antônio consagra o novo modelo do setor elétrico. Dá calafrios imaginar algo desse porte no antigo modelo

O LEILÃO da usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, representa um divisor de águas na história do setor elétrico brasileiro. Quatro razões permitem dizer isso:
1) marca o retorno da construção de grandes hidrelétricas no país: a última grande usina construída, Xingó, data de 1994;

2) desmente a falácia de que o capital privado é avesso a investimentos em grandes hidrelétricas: Santo Antônio tem 51% de capital privado;

3) denota o início da exploração da grande fronteira elétrica brasileira: 65% do potencial remanescente se encontra na região Norte;

4) desmistifica a hipótese de que a energia na Amazônia, por estar longe do centro de carga, teria preços inviáveis: apesar do elevado custo de uso do sistema de transmissão (R$ 25 por MWh), a energia de Santo Antônio sairá para o consumidor por apenas R$ 78,87.

A grande questão do momento é saber como os vencedores conseguiram fazer um lance tão baixo. Vários fatores explicam esse preço, que nem o mais otimista dos especialistas apontaria como viável antes do certame.

Da energia total, 30% foram ou serão vendidos no ambiente de livre contratação a preços superiores ao que foi vendido para as distribuidoras. Os investidores elaboraram uma engenharia financeira criativa, calculando reduções expressivas de custos devido tanto às isenções próprias a projetos na região amazônica quanto aos incentivos previstos no PAC.

Os vencedores do leilão pretendem antecipar para o primeiro semestre de 2012 a entrada em operação das usinas, melhorando sobremaneira seu fluxo de caixa e proporcionando ganhos ao sistema elétrico brasileiro.

No entanto, a grande redução nos preços do empreendimento se explica sobretudo pela verdadeira competição com o formato adotado para o leilão. Três consórcios de grande capacidade técnica e financeira proporcionaram uma das disputas mais acirradas no histórico dos leilões do setor elétrico. Para viabilizar tal competição, foi necessário um grande trabalho no sentido de reverter uma situação com vícios de origem.

Uma das barreiras à entrada de novos competidores era a forte assimetria de informação entre o grupo que elaborou o estudo de viabilidade e os outros possíveis competidores. Essa situação foi ultrapassada com a realização -e ampla divulgação pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética)- de estudo de otimização do empreendimento, o que possibilitou inclusive redução em R$ 3 bilhões nos investimentos propostos originalmente.

Além disso, o governo liberou as empresas do grupo Eletrobrás para participar de diferentes consórcios, fazendo da parceria público-privada um instrumento importante de alavancagem de investimentos privados.

Finalmente, a ação da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça possibilitou a quebra do contrato de exclusividade entre as empresas que realizaram o estudo de viabilidade e os fabricantes das turbinas.

O leilão da usina de Santo Antônio consagra de vez o novo modelo do setor elétrico. Dá até calafrios imaginar um leilão de uma usina desse porte no antigo modelo. O vencedor seria aquele que oferecesse o maior valor ao Tesouro pelo uso de bem público, e não a menor tarifa para o consumidor. Os jornais estampariam manchetes como "Leilão com ágio recorde", como se o país tivesse tido uma grande vitória, quando, na realidade, o investidor teria de arcar com um risco maior, e o consumidor, com o custo do sobrepreço decorrente.

No antigo modelo, o ganhador não teria a licença ambiental prévia, que não era um requisito para a licitação como é atualmente. Seria um verdadeiro "faz-de-conta", em que o governo anunciaria que licitara a expansão da oferta, mas o país não teria razões concretas para crer na construção do empreendimento.

Além disso, o modelo antigo não assegurava o contrato de venda de energia e, portanto, o BNDES, ao contrário do que fará no caso da usina de Santo Antônio, não poderia utilizar o contrato como garantia para o financiamento. Felizmente, temos hoje um modelo que dá segurança aos investidores e garante energia a preços módicos ao consumidor.

Sem dúvida, também na área energética, a nação tem muitas razões para comemorar o ano de 2007. Assim como o campo de petróleo de Tupi representa a conquista de uma nova fronteira em termos de potencial petrolífero de grande importância estratégica para o país, o preço baixo decorrente da usina do Madeira dá a certeza de que a Amazônia se constitui, de fato, em um grande manancial de energia elétrica barata para o país.

(Por Mauricio Tolmasquim*, Folha de São Paulo, 19/12/2007)

* O autor tem 48 anos e é doutor em socioeconomia do desenvolvimento, é presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (2003-2005 ) e coordenou o grupo de trabalho que elaborou o novo modelo do setor elétrico.



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