"Jejum do bispo de Barra é um gesto cristão legítimo, mas é preciso definir se o resultado será um bem maior", afirma teólogoO teólogo Fernando Altemeyer, ouvidor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, conhece pessoalmente o bispo Luiz Flávio Cappio, que está em greve de fome desde dia 27 contra a transposição do Rio São Francisco. "O bispo não é um panfletário, um esquerdóide. É um homem de profunda espiritualidade", afirma Altemeyer em entrevista ao estadao.com.br. Para ele, não é possível julgar a atitude de d. Flávio à luz da doutrina da Igreja Católica - ou seja, não é possível falar em suicídio ou em martírio - e "qualquer interpretação é temerária".
Altemeyer diz que entregar a vida por quem se ama é, de qualquer modo, um gesto cristão genuíno. Mas ressalva que a questão é mensurar qual a causa pela qual o jejum é feito: "Esse jejum terá como conseqüência algo maior do que a vida do bispo? O que eu faço tem de resultar sempre em um bem maior; do contrário não vale." A seguir, os principais trechos da entrevista:
Do ponto de vista da doutrina da Igreja Católica, o que d. Luiz Flávio Cappio está fazendo é tentativa de suicídio ou martírio?
Nem uma coisa nem outra. A doutrina católica não legisla sobre esse tema. A questão está fora da doutrina, ao menos da forma oficial. Trata-se de um gesto de consciência, de uma forma de pressão de um líder religioso, decidida em oração, e a Igreja Católica não tem como interferir. É claro que a vida é um valor maior, mas esta é uma questão delicada, não há uma legislação específica. Qualquer interpretação é temerária. Existe a interpretação positiva, isto é, posso elogiar a ação do bispo e dizer que seu gesto é como o de Jesus. Não há prova de amor maior do que dar a vida por quem se ama. Pode-se dizer que ele encontrou o caminho da entrega da vida, como quiser e quando quiser. Mas posso ler negativamente também: a vida é de Deus, há outros caminhos de ação, e o bispo, afinal, não é Jesus, que pode ressuscitar. A cruz de Cappio é uma cruz sem retorno. Pela bioética, pode-se dizer: "Bem, vamos pensar em alternativas religiosas que passem por outras vias." O gesto do bispo está numa linha limítrofe. Buda fez jejum, o profeta Maomé fez jejum, o judaísmo prescreve o jejum. O jejum é um preceito religioso, mas a questão é a causa pela qual o jejum é feito. Dar a vida pelo outro é um gesto cristão, mas será que essa causa, a do Rio São Francisco, é maior do que a vida do bispo? O Rio São Francisco vale o jejum? Esse jejum terá como conseqüência algo maior do que o bispo? O que eu faço tem de resultar sempre em um bem maior; do contrário não vale.
Como o Vaticano deveria se posicionar a respeito do caso?
Não sei. Se seguir a praxe, vai pedir que o bispo suspenda a greve.
Como vê a atitude da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, de promover jejuns solidários para apoiar d. Luiz Flávio?
O jejum na época do Advento (que antecede o Natal) é obrigatório. É que aqui todo mundo fica pensando em comprar o peru, mas o Advento é um período de frugalidade, tanto quanto a Quaresma (período de preparação para a Páscoa). Olhe, eu conheço o bispo Cappio pessoalmente. Ele não é um suicida, um panfletário, um esquerdóide. É um homem de profunda espiritualidade, é profundamente bom e simples. Se um homem dessa envergadura está fazendo isso, a CNBB só deveria apoiar. No Livro de Jonas (Antigo Testamento), Deus se arrepende e muda de opinião por causa do jejum do povo. O jejum mexe com Deus. A CNBB quis enfatizar isso. Talvez Lula também mude de opinião.
Quem é:
Fernando Altemeyer
É teólogo, especializado m Cristologia, e sua área de atuação inclui temas como humanismo, compaixão e diálogo inter-religioso, além de educação universitária.
Ocupa atualmente o cargo de ouvidor da PUC de São Paulo.
(Marcos Guterman,
O Estado de São Paulo, 19/12/2007)