Em vez de ajudar na redução da emissão dos gases de efeito estufa, o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) pode estar atrapalhando. Um levantamento inédito feito pelo grupo internacional que analisa as metodologias usadas para gerar créditos de carbono indica que até 50% dos projetos já em andamento podem ter sido "maquiados" para a aprovação. O levantamento foi feito por amostragem, analisando cem projetos dos 860 hoje em curso no âmbito do MDL.
"Vamos supor que determinada usina seria movida a carvão. No momento das contas [para sua implementação], o empreendedor achou um método mais barato e, por coincidência, mais limpo. Só que, no papel, ele enviou para a aprovação o projeto inicial, movido a carvão", explica Roberto Schaeffer, professor da Coppe-UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e um dos consultores das Nações Unidas que fazem a análise das metodologias do MDL. "Esse é um chamado processo não adicional. Ele está reduzindo uma emissão que nunca seria feita por aquele projeto", diz o pesquisador.
Para o engenheiro, que diz acreditar nos mecanismos de mercado para a redução do carbono atmosférico, projetos distorcidos como os já aprovados no âmbito da ONU são verdadeiros "cheques em branco para os países ricos". Hoje, o Reino Unido é um dos maiores compradores de créditos de carbono. Fica com aproximadamente 50% dos créditos emitidos. Do lado dos países em desenvolvimento, a China, com 61% do mercado, é a nação que mais vende.
A compra e venda de créditos de carbono funciona dentro do âmbito do Protocolo de Kyoto. Os países em desenvolvimento, que não têm metas obrigatórias, podem vender aos ricos, via MDL, reduções de emissão feitas por projetos de energia limpa nessas nações, nas quais o custo de redução é menor que nos países industrializados.
Com a compra, a redução das emissões acaba ocorrendo de forma remota e não dentro das fronteiras do poluidor. Mesmo assim, ele pode usar os créditos de carbono comprados no Terceiro Mundo para abater sua meta doméstica de corte.
"Esta estimativa mostra que o controle precisa ser menos frouxo", explica Schaeffer. "A implantação [dos projetos de MDL] está ineficiente." A expectativa do mercado é que nos próximos quatro anos os créditos de carbono estejam movimentando, em escala mundial, algo entre US$ 25 bilhões e US$ 50 bilhões.
Ontem a UNFCCC, a Convenção do Clima da ONU, comemorou a concessão do centésimo milionésimo certificado de redução. Ou seja, o MDL já teria evitado a emissão de 100 milhões de toneladas de CO2. O secretário-executivo da convenção, Yvo de Boer, apresentou o número como prova de sucesso no combate ao aquecimento global, já que o mecanismo funciona só há dois anos. "Isso é só um mercado. Esses processos não geram emprego e não transferem tecnologia", afirma Schaeffer.
Para Hans Jürgen Stehr, presidente do Comitê do MDL (entidade que coordena o mecanismo), o MDL é, sim, efetivo na mitigação da mudança climática, embora em projetos de energia a questão da adicionalidade "fique mais complicada". "Produzir eletricidade também significa que você ganha dinheiro, e se você ganha dinheiro você pode fazer algo que não faria de outra maneira." No entanto, Stehr afirma que o MDL está sendo aperfeiçoado.
"Em um tempo incrivelmente curto nós estabelecemos um mercado de bilhões de dólares. Não seria realista assumir que você conseguiria fazer algo funcionar perfeitamente num tempo tão curto."
(Por Eduardo Geraque,
Folha de São Paulo, 19/12/2007)