Já debilitado, dom Luiz apresenta proposta que admite transposição de 9.000 litros por segundoRepresentantes do governo vão reforçar a promessa de construir mais cisternas e acelerar o programa para revitalizar o São Francisco
Há 22 dias em greve de fome, dom Luiz Flávio Cappio está disposto a encerrar hoje seu jejum caso o Supremo Tribunal Federal atenda ao pedido de suspensão das obras de transposição das águas do rio São Francisco apresentado pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza.
O grupo que acompanha d. Luiz avalia que uma decisão contrária à obra permitiria uma saída honrosa para o impasse tanto para o bispo como para o governo, que não traria desgaste a nenhuma das partes.
A Folha conversou com pessoas que estiveram com o religioso nos últimos dias, em Sobradinho (BA). Segundo eles, já debilitado e ansioso pelo fim do jejum, dom Luiz gostaria de se apegar a uma decisão judicial a ter de ceder nas negociações.
Ontem, o bispo apresentou uma contraproposta ao governo com oito itens. Ele mantém a reivindicação de retirada do Exército do canteiro de obras, mas admite a captação e distribuição de água do rio para consumo humano e animal.
D. Luiz e seu grupo avaliam que dificilmente o governo concordará integralmente com a proposta, que na prática inviabiliza a transposição, mas crêem que ela é politicamente necessária para evitar a imagem de radicalismo do bispo.
No documento, d. Luiz não fala mais em arquivamento do projeto como condição para o fim do jejum, mas em "manter a suspensão das obras iniciadas" por prazo não definido. Ele exige a substituição do canal da transposição que abasteceria Pernambuco e Paraíba por uma rede de adutoras e a redução do volume de água captado de 28 mil para 9.000 litros por segundo -o que, segundo ele, seria suficiente para atendimento humano e animal nas regiões mais críticas do semi-árido dos dois Estados.
O bispo também quer que o governo implemente as 530 obras hídricas previstas no Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de Água, da Agência Nacional de Águas. Os projetos, afirma, beneficiariam 34 milhões de pessoas, contra 12 milhões da transposição.
Na noite de ontem, o chefe-de-gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, e dois técnicos do Ministério do Desenvolvimento se encontraram com o secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Dimas Lara Barbosa, na sede da entidade. Na reunião, o Planalto iria reforçar a promessa de ampliar o programa de construção de cisternas e acelerar o programa de revitalização do São Francisco.
Hoje o STF pode incluir na pauta a análise do pedido de suspensão das obras apresentado em julho pelo procurador-geral. O argumento da petição é que o governo federal iniciou as obras sem ter realizado audiências públicas estabelecidas na licença prévia do Ibama, aceita como válida pelo então ministro do Supremo Sepúlveda Pertence, que em 2006 determinou novos estudos.
"A nossa avaliação é que essa pode ser uma grande conquista, mesmo que parcial. Porque, após a decisão do STF, pode ter uma definição do governo e pode ter um aceno da parte de d. Luiz", disse Marina dos Santos, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Além do pedido do procurador, há outras ações e recursos no STF sobre a obra. Um deles é o pedido da Advocacia Geral da União para que o Supremo derrube a liminar do Tribunal Regional Federal da 1ª região que embarga a transposição desde a semana passada.
Ontem, cerca de cem integrantes de pastorais da Igreja Católica e de movimentos sociais ergueram acampamento na praça dos Três Poderes, entre o Palácio do Planalto e o STF, para pressionar tanto o governo como o Judiciário.
Protesto: Agricultores ligados à CPT invadem Ibama para pressionar união
Agricultores ligados à CPT (Comissão Pastoral da Terra) em Alagoas invadiram ontem o pátio do Ibama em Maceió para pressionar o governo a suspender a transposição do rio São Francisco. Eles montaram um acampamento e um altar. Um grupo de agricultores deve iniciar hoje uma greve de fome em apoio ao bispo de Barra (BA), d. Luiz Flávio Cappio.
Testes verificam alterações nas funções renais do bispo em jejumMédico faz d. Luiz assinar termo em que se responsabiliza pela greve de fome
Os rins do bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, 61, são os primeiros órgãos do religioso a demonstrar sinais de alteração após seus 22 dias de greve de fome, completados hoje, contra a transposição das águas do rio São Francisco.
Testes laboratoriais divulgados ontem em Sobradinho (540 km de Salvador), onde d. Luiz jejua, revelam sinais de alteração nas funções renais. Segundo boletim divulgado pelo médico que acompanha o bispo, frei Klaus Finkam, a alteração "merece maior observação, no sentido de melhorar a diurese".
Finkam disse que ainda não há comprovação de danos renais. "Vamos acompanhar dia a dia." O médico afirmou que d. Luiz "continua apresentando fragilidade física", com perda de mais meio quilo em 24 horas. Seu peso era de 64 kg ontem, 8,5 kg a menos do que quando iniciou o protesto.
O boletim informa ainda que o bispo "reafirmou seu propósito de continuar o jejum". Essa decisão levou o médico a submeter a d. Luiz um termo de responsabilidade em que ele declara querer manter a greve de fome, apesar de ter sido alertado sobre os riscos do jejum prolongado ao organismo. O documento, assinado pelo bispo, será renovado todos os dias.
Ontem, mais uma vez, o religioso evitou se expor em público -o fez apenas duas vezes, e por pouco tempo. Pela manhã, recebeu caravana com cerca de 400 romeiros de Petrolina (PE). Abatido e amparado por parentes e amigos, sentou-se em uma cadeira, à sombra de uma árvore, e cumprimentou as pessoas em fila.
Crianças vestidas de anjo levavam um cartaz em que pediam que ele permanecesse vivo. Fiéis choravam ao tocá-lo. D. Luiz agradecia murmurando e acenando com a cabeça. Percebendo seu cansaço, assessores abriram as portas da igreja de São Francisco e anunciaram uma benção coletiva.
O bispo foi levado ao altar e rezou para a capela lotada. Depois, se recolheu. Do lado de fora, cerca de 50 pessoas jejuavam em apoio ao religioso. "O bispo é o protetor dos pobres", disse a agricultora aposentada Carlinda Maria de Jesus, 71, que diz jejuar desde sábado por períodos de 23 horas.
Para ela, d. Luiz está em greve de fome "pelo bem do povo". A aposentada faz apenas uma refeição ao dia, no jantar. "Eu queria fazer um jejum como o do bispo, mas acho que teria morrido com uns cinco dias."
(Eduardo Scolese e Fábio Guibu,
Folha de São Paulo, 19/12/2007)