As pessoas que se preocupam com o aquecimento global contam com uma boa argumentação. Uma argumentação que tem tanto mérito que as figuras de retórica atualmente usadas para apoiá-la - nações mobilizadas para a guerra, coragem moral, Hitler, Churchill - minam a sua credibilidade. Essas palavras se constituem em fatores excludentes, bloqueadores maniqueístas da discussão e barreiras do tipo "ou está conosco ou está contra nós" de tal magnitude que elas tendem a transformar perguntas, sugestões e diversas interpretações da questão em dissenso herético.
Bastava ouvir Al Gore na semana passada, aceitando a sua parcela do Prêmio Nobel da Paz por ter popularizado a idéia de que o controle climático constitui-se em um vasto problema internacional: "Quando se trata de aquecimento global, atualmente um número muito reduzido de líderes se constitui em Winstons Churchill respondendo à ameaça representada por um Hitler", disse Gore. Para ele, neste momento o mundo precisa aglutinar uma determinação que só foi vista anteriormente "quando nações mobilizaram-se para a guerra".
Ele disse: "Nós e o clima da Terra estamos interconectados em uma relação que é familiar para os planejadores da guerra - a garantia da destruição mútua". E conclamou: "Seja um daqueles que a quem a História perguntará com admiração, 'Como você encontrou a coragem moral para se levantar e enfrentar uma crise que muitos descreveram como não tendo solução?'" Se a certeza e a retidão expressas nessas frases terminarem vinculadas às preocupações que costumam ser menos exaltadas, como aquela com o preço do litro de gasolina ou com a luta para se eleger em um mundo de temores imediatos, uma candidatura poderá entrar em colapso devido ao peso do excesso político de Gore.
Avaliemos o quadro: aquecimento global é política, assim como a política é a administração de opções; e a demagogia é a política feita de uma forma que não permite tais opções e a suas discussões. Bjorn Lomborg está longe de se definir como anti-Gore - ele acredita que o aquecimento global realmente existe e que os seres humanos são um fator central para a intensificação desse problema -, mas ele é rotulado de negador da crise climática. Isso soa meio como uma tentativa de colocá-lo na categoria de um David Irving, que foi preso na Áustria por negar a existência do Holocausto.
Lomborg, um professor dinamarquês de estatística que se auto-descreve como "um pouco esquerdista na Dinamarca, o que provavelmente faz de mim uma pessoa muito esquerdista nos Estados Unidos", apresenta uma análise não histérica da mudança climática em livros (como, "Cool It: The Skeptical Environmentalist's Guide to Global Warming"/algo como "Esfriando as Coisas: O Guia do Aquecimento Global para o Ambientalista Cético") e palestras.
Basicamente, sem guinchos apocalípticos ou o desprezo zombeteiro dos desmascaradores, Lomborg diz que a discussão real é "sobre o quanto podemos fazer". A sua opinião: "Se você gastar US$ 180 bilhões anualmente com a redução das emissões de dióxido de carbono por meio do processo de Kyoto, será capaz de adiar o aquecimento global em cinco anos no final do século. Mas se esse dinheiro for destinado a pesquisa e desenvolvimento no sentido de que se lide melhor com o processo em um período de 50 anos, ou se for gasto com coisas mais concretas, como a restauração de pântanos e charcos ou o combate a malária, o mundo terá feito um bem formidável às pessoas e à natureza reais".
Vários argumentos de Lomborg reduzem o teor dramático do debate ao criarem modelos para o aquecimento global baseados em projeção médias fundamentadas em tendências existentes. Até mesmo para os imparciais, isso nitidamente não leva muito em conta os piores cenários possíveis, e Lomborg me disse que o seu livro deveria ter um capítulo que proporcionasse uma análise racional da possibilidade das hipóteses mais assustadoras.
Mas Lomborg não retrocede. Em uma conversa, ele disse que pronunciamentos como o discurso de Gore ao receber o Prêmio Nobel dizem respeito a sustentar o pânico como um substituto para "as questões e políticas desagradáveis e chatas relativas à infra-estrutura" que se concentrariam em controlar danos causados por inundações ou furacões no futuro relativamente próximo. "Essa abordagem permitiu aos políticos centralizar as atenções como defensores dos interesses da humanidade, distanciando-se daquela luta diária que é típica da política baseada no auto-interesse".
Nomes, por favor? Gerhard Schröder, Angela Merkel, respondeu ele. Lomborg argumenta que ficar do lado certo quanto aos padrões de níveis de emissão foi uma jogada fácil para a Alemanha e o Reino Unido, já que as circunstâncias industriais dos dois países quase que acidentalmente os colocaram nessa posição desde 1997. E quanto ao processo de Kyoto, como é que ele o vê politicamente? Sem ser amigo do governo Bush, Lomborg disse que, "se os Estados Unidos não estiverem cooperando, para muitos isto torna Kyoto algo extra-bom e correto".
No seu livro, Lomborg sustenta: "Infelizmente Kyoto tornou-se o símbolo da oposição a um Estados Unidos aparentemente desinteressado nas opiniões do resto do mundo. Assim, Kyoto foi ressuscitado politicamente sem ter sido seriamente questionado quando à sua eficiência e factibilidade. E essa é a verdadeira questão: Kyoto é ao mesmo tempo impossivelmente ambicioso e ambientalmente desimportante. As suas tentativas de modificar padrões que vigoram há séculos em 15 anos terminaram custando uma fortuna e apresentando quase que nenhum resultado".
Lomborg comparou Kyoto "às políticas maçantes" e às concessões necessárias para se lidar com a Rodada Doha, as negociações de comércio mundial, notavelmente no que se refere aos subsídios agrícolas, que estão se desenrolando desde 2001 entre os países industriais e o mundo em desenvolvimento. "A Europa simplesmente não cede", disse ele. "Eis aqui uma questão moral que ilude tanto os consumidores europeus quanto as perspectivas de construção de economias vigorosas nas nações pobres".
Nada disso torna Lomborg um negador da crise climática. Seria mais justo chamá-lo de relativista climático. Mas, e quanto a Al Gore? Talvez ele devesse ser chamado de absolutista climático. Para Gore, o aquecimento global constitui-se em uma última chance de redenção universal para a população atual. Compre essa causa e, conforme as palavras de Lomborg ao citar o ex-vice-presidente, "ganhe uma missão que engloba gerações; o regozijo do objetivo moral; uma causa compartilhada e unificadora; a emoção de ser forçado pelas circunstâncias a deixar de lado as mediocridades e conflitos que com tanta freqüência reprimem a incansável necessidade humana de transcendência".
Isso é algo mais do que encontrar um campo efetivo de respostas para o aquecimento global. Em síntese, trata-se de uma abordagem que provoca o efeito divisivo e até mesmo debilitante de falar sobre soluções em termos cataclísmicos ou messiânicos. Incluindo referências à guerra e à paz, às desprezadas advertências de Winston Churchill e à brutalidade de Adolf Hitler.
(Por John Vinocur, Herald Tribune, tradução
UOL, 18/12/2007)