Em uma mudança "imprevista e sem precedente", a oferta mundial de alimento está encolhendo rapidamente e os preços estão subindo a níveis históricos, alertou o principal diretor de alimento e agricultura da ONU na segunda-feira. As mudanças criaram "uma situação de sério risco em que menos pessoas conseguirão obter alimento", particularmente no mundo em desenvolvimento, disse Jacques Diouf, chefe da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).
O índice de preço dos alimentos da agência subiu mais de 40% neste ano, em comparação a 9% no ano anterior -uma taxa que já era inaceitável, disse Diouf. Os novos números mostram que o custo total dos alimentos importados pelos países mais necessitados subiu 25% no ano passado, para US$ 107 milhões.
Ao mesmo tempo, as reservas de cereais estão seriamente esgotadas, como mostram os registros da agência. Os estoques mundiais de trigo diminuíram 11% neste ano, atingindo o nível mais baixo desde 1980. Isto corresponde a 12 semanas do consumo total do mundo, muito menos do que a média de consumo de 18 semanas em estoque durante o período 2000-2005. Há apenas oito semanas de milho sobrando, em comparação a 11 semanas no mesmo período de cinco anos.
Os preços do trigo e das sementes oleaginosas apresentam altas recordes, disse Diouf na segunda-feira. Os preços do trigo subiram para US$ 130 a tonelada, ou 52%, desde o ano passado. O trigo no mercado de futuros americano ultrapassou os US$ 10 o bushel pela primeira vez na segunda-feira, um marco psicológico. Diouf disse que a crise foi resultado de uma confluência de fatores recentes de oferta e demanda que, ele disse, vieram para ficar.
No lado da oferta, os primeiros efeitos do aquecimento global diminuíram o rendimento das plantações em alguns lugares cruciais. Assim como a transferência do foco da agricultura do consumo humano para a produção de biocombustíveis e ração para gado. A demanda por grãos está aumentando à medida que cresce a população mundial, e mais deles são destinados a ração de gado à medida que a população que ascende economicamente passa a consumir mais carne.
"Nós estamos preocupados com a possibilidade de estarmos enfrentando a tempestade perfeita para a fome mundial", disse Josette Sheeran, diretora executiva do Programa Mundial de Alimentos, em uma entrevista por telefone. Ela disse que os custos para compra de alimentos por parte de sua agência aumentaram 50% nos últimos cinco anos e que algumas populações pobres estão sendo "excluídas do mercado de alimentos pelos preços".
Além disso, os altos preços do petróleo dobraram os custos de transporte no ano passado, impondo um maior estresse aos países pobres que necessitam importar alimentos e às agências humanitárias que os fornecem. Especialistas em clima dizem que a vulnerabilidade dos pobres apenas aumentará.
"Se há uma mudança significativa no clima em uma de nossas áreas de alta produtividade, se há uma doença que afeta uma cultura importante, nós ficamos em uma situação muito arriscada", disse S. Mark Howden, da organização Commonwealth Scientific and Industrial Research em Canberra, Austrália. "Eventos climáticos incomuns" ligados à mudança climática, como secas, enchentes e tempestades, reduziram a produção de importantes países exportadores como a Austrália e a Ucrânia, disse Diouf. No sul da Austrália, uma redução significativa das chuvas nos últimos dois anos levou alguns produtores rurais a venderem suas terras e se mudarem para a Tasmânia, onde a água é mais confiável, disse Howden, um dos autores de uma série recente de estudos sobre mudança climática e a oferta mundial de alimentos, publicada na revista "Proceedings of the National Academy of Sciences".
"Nos EUA, Austrália e Europa, há uma capacidade bastante substancial de adaptação aos efeitos sobre os alimentos, com dinheiro, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento. Nos países em desenvolvimento, não há." Sheeran disse que em uma recente viagem para Mali, ela foi informada que os estoques de alimentos estavam no ponto mais baixo já visto. O Programa Mundial de Alimentos alimenta milhões de crianças em escolas e pessoas com HIV e Aids. A má nutrição nestes grupos aumenta o risco de doenças sérias e morte.
Diouf sugeriu que todos os países e agências internacionais precisam "revisar" as políticas agrícolas e de ajuda que adotaram para se adequarem a "um ambiente econômico diferente". Por exemplo, com os preços dos alimentos e petróleo próximos de recordes, pode não fazer sentido enviar ajuda alimentar para os países pobres, mas pode ser razoável se concentrar em ajudar os agricultores locais a cultivarem os alimentos. A organização de alimento planeja dar início a uma nova iniciativa que oferecerá vouchers para os agricultores de países pobres para serem trocados por sementes e fertilizantes, assim como tentará ajudá-los a se adaptarem à mudança climática.
(Por Elisabeth Rosenthal,
New York Times, tradução de George El Khouri Andolfato, UOL, 18/12/2007)