Entrevista: Dom Luiz Flávio CappioO bispo dom Luiz Flávio Cappio, 61 anos, não fala a palavra morte ao descrever as suas intenções com a greve de fome que hoje completa o 22º dia, em protesto contra a obra de transposição das águas do Rio São Francisco. Prefere falar em resistência pela vida. Mas, diferentemente da greve de fome de 11 dias de 2005, que desencadeou uma onda nacional de solidariedade, a atual está enfrentando um movimento organizado contrário. Dom Cappio, bispo da diocese de Barra (BA), diz que a retaliação vem do governo que , ironicamente, ele ajudou a eleger. Ontem, por telefone, o bispo falou com Zero Hora da Vila São Francisco, próximo à Barragem de Sobradinho, no sertão baiano. A seguir, trechos da entrevista.
Zero Hora - Bispo, hoje (ontem) é o seu 21ª dia de greve de fome. O senhor está disposto a ir até onde?
Dom Luiz Flávio Cappio - Estamos com muita esperança no que irá acontecer amanhã. Será julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) se a execução do projeto de transposição está obedecendo à legislação ambiental. Se a decisão for favorável a nós, deverá se abrir um espaço para rediscutir toda a obra.
ZH - Caso a decisão não seja favorável, o senhor vai seguir a greve?
Cappio - Não quero adiantar nada. Vamos esperar.
ZH - Em comparação com a greve de fome que o senhor fez em 2005 e que mobilizou o país, desta vez há notícias de que existe um movimento contrário bem articulado. No fim de semana, o jornal O Globo noticiou que o Exército, que realiza as obras, estaria trabalhando nas comunidades para desestabilizar o seu protesto.
Cappio - Sim, há um movimento bem articulado contra o protesto. Há um bloqueio de informações para a sociedade a respeito do que está acontecendo aqui. Estão tentando dividir os movimentos sociais e até a própria Igreja Católica. Mas, curiosamente, os contrários estão gerando uma grande onda de solidariedade a favor do protesto. Com é o caso do grupo (vários movimentos sociais) que está iniciando um jejum no Rio Grande do Sul. Também temos recebido solidariedade de vários cantos do mundo.
ZH - O governo tem afirmado que a transposição é uma obra social que irá levar desenvolvimento para uma região onde hoje há fome. O senhor é contra isso?
Cappio - Sou contra, porque não é um projeto social. E não irá beneficiar as comunidades pobres. Se fosse social, eu seria o primeiro a apoiar. O objetivo do projeto é beneficiar o agronegócio e as grandes empresas.
ZH - Técnicos do governo argumentam que essas empresas irão gerar empregos. O senhor é contra?
Cappio - É ilusório. Até o próprio FMI se posicionou contra a obra. O custo para fazer esta água caminhar 2 mil quilômetros por um vale de 25 metros de largura por cinco de profundidade é imenso. E quem vai pagar a conta é o povo. Há um item no projeto que trata exclusivamente sobre isso. Este é o quarto governo que tenta viabilizar o projeto. Não conseguirá.
ZH - Mas esse governo é de uma pessoa que os senhor apoiou nas eleições, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso não torna essa luta diferente?
Cappio - É incrível, né? Além dele, nós apoiamos toda a bancada (do PT). Eles deram uma guinada em favor do capital. Nós temos aqui um discurso do presidente Lula do tempo da campanha. Quando perguntaram para ele sobre a transposição do São Francisco, respondeu: "Não me fale essa palavra".
ZH - Na sua opinião, por que Lula teria mudado de idéia?
Cappio - Por causa do poder.
ZH - O senhor está jejuando e, com isso, atentando contra a própria vida. Isso também não é ser contra tudo aquilo que jurou defender quando se tornou um religioso?
Cappio - Não. Uma leitura dos Evangelhos mostra que Jesus fez um jejum de 40 dias. São Francisco fazia dois jejuns de 40 dias por ano. O jejum é uma prática religiosa.
(Por Carlos Wagner,
Zero Hora, 18/12/2007)