O assunto mais uma vez está nos noticiários. Uma série exibida durante a semana passada no programa “Bom Dia Brasil”, da Rede Globo, mostrou novamente a triste realidade amazônica. A venda de terras, agora pela internet, comandada por grileiros. Estima-se que existam 100 milhões de hectares de terras públicas no país , 30 milhões de hectares, no Pará, estado onde, hoje, se concentram os maiores conflitos de terras. As reportagens de Marcelo Canelas apresentaram aos brasileiros, brasileiros que não existem, porque não possuem documentação. Três gerações de ribeirinhos na região do médio Xingu – chamada de Terra Média -, sem constar na burocracia oficial. Como são analfabetos acabam sendo expulsos das terras.
Uma empresa chamada Agropecuária Umuarama expulsou uma comunidade que vivia há mais de 60 anos numa localidade. Estão todos na periferia de Altamira, cidade com 90 mil habitantes, onde em cada 10 pelo menos 9 moradores da periferia, foram expulsos do interior. A grilagem comanda a maior floresta tropical do mundo, em pleno século digital, no momento em que governantes discutem em Bali, na Indonésia, medidas para conter as mudanças climáticas.
É muito fácil para a polícia e a justiça do Pará manter na cadeia masculina, uma adolescente de 15 anos. Porque grileiros, jagunços, empresários corruptos fazem parte da sociedade local. Eles não vão nunca para a cadeia, a não ser por força de um escândalo internacional. E, infelizmente, esta história é a própria história do país. A começar pela maior expropriação realizada com a “descoberta” do Brasil, quando aqui moravam mais de cinco milhões de habitantes. Seguiu com a abolição da escravatura, quando deixaram os escravos na rua da amargura, sem um único metro quadrado de terra. Em 1891, na constituição republicana, as terras do governo federal passaram aos estados, com direito a emitir ou reconhecer títulos de propriedade. Que, anteriormente ,eram regulamentados pelo império.
Warren Dean, no livro “ A ferro e Fogo”, sobre a história da destruição da mata atlântica, registrou esta passagem:
- Títulos fraudulentos sobre terras públicas-muitos dos quais atropelando direitos de ocupantes legítimos- foram amplamente legalizados já que os governos estaduais , se mostravam em grande parte impotentes para evitar a apropriação da propriedade pública. A arte da expropriação privada – grilagem, que vem de grilo que salta sobre as terras de outros – tornou-se uma profissão.
Ele cita dois casos famosos, um deles comentado pelo escritor Monteiro Lobato. Um fazendeiro registrou uma escritura que originalmente definia uma área de duas, léguas, em 22 léguas quadrados, correspondendo a 950 Km ² . Fez isso no cartório, tirou uma cópia autenticada e sumiu com o original. Em 1881, o clã da família Medeiros, em São Paulo, começou uma briga para legalizar uma área de 1.750 quilômetros quadrados , nas margens do rio Paranapanema.
Em 1979, o bilionário norte-americano Daniel Ludwig, dono do Projeto Jari , dizia ter 3,5 milhões de hectares. Os exemplos surgem aos milhares, porque toda a conquista do oeste brasileiro aconteceu em meio a invasões, expulsões de posseiros e índios, quadrilhas especializadas, bandos de pistoleiros e, atualmente, fazem parte do patrimônio de famílias respeitáveis no centro-oeste.
Assim como agora, respeitáveis empresários do sul e sudeste apresentam suas fazendas e suas criações de gado Nelore de elite, em leilões que acontecem em hotéis cinco estrelas, e até mesmo em navios. O Brasil participa da reunião sobre mudanças climáticas reivindicando um investimento de US$257 bilhões pela preservação da floresta amazônica. Existe uma diferença muito grande entre versões sobre a criação de parque nacionais, manutenção de florestas e a realidade do desmatamento e da grilagem.
O problema é crônico e as soluções não podem ser paliativas. Todas os responsáveis por esta situação reclamam da ausência do Estado na região amazônica. Ou seja, ausência de todos os poderes. Então, porque não se trata da situação.
É impossível organizar uma força tarefa e enfrentar o problema da grilagem em regiões reconhecidas como conflituosas há décadas, casos do sul e sudeste do Pará? É impossível fazer uma campanha legal contra pistoleiros, muitos conhecidos popularmente, e que se deslocam com a maior naturalidade pelo interior? Até quando deixaremos a Amazônia sendo governada por meia dúzia de grileiros organizados, que atuam como poderosos proprietários, da maior floresta tropical do mundo? Ou vamos continuar empurrando o problema para o futuro, incentivando cada vez mais os desmatamentos ilegais e a queima da floresta, enquanto publicamente falamos em proteção ao meio ambiente?
(Por Najar Tubino*,
Eco Agência, 13/12/2007)
*Najar Tubino é jornalista, autor da palestra "Uma visão Holística e atual sobre a integração do planeta", que trata das mudanças climáticas, aquecimento global, extinção de espécies, o funcionamento dos sistemas que compõem e movimentam a vida na Terra, com data-show, ilustrada com imagens de satélite da Nasa. Pode ser agendada pelo telefone: (51) 96720363, e-mail:
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