Os quilombolas capixabas vão discutir as mudanças propostas pela Advocacia Geral da União (AGU) sobre a titulação dos seus territórios. Vão pautar essa ameaça, e outras, no 1º Encontro Estadual de Comunidades Quilombolas do Espírito Santo. O evento começa na próxima terça-feira (18) e será encerrado na sexta-feira (21). São esperados 150 participantes.
A afirmação de que os capixabas vão pautar a discussão das mudanças propostas pelas AGU é de Domingos Firmiano dos Santos, liderança quilombola do Sapê do Norte, território formado pelos municípios de Conceição da Barra e São Mateus. Ele informou que já houve tentativas da AGU em mudar o critério da auto-identificação, entre outros pontos, mas a reação quilombola obrigou o governo a recuar.
Mas há uma nova carga. Segundo a Koinonia, organização que apóia a luta dos quilombolas, a Advocacia Geral da União acaba de divulgar a minuta da nova instrução que pretende que seja submetida à “consulta pública”, em Brasília, nos dias 10 e 17 de dezembro. A organização apela para que sejam feitos protestos junto ao governo, que já estão sendo feitos.
No início da próxima semana, os quilombolas capixabas devem declarar guerra às mudanças. “Não tem que mudar nada. Nossa garantia está na lei”, diz Domingos Firmiano dos Santos.
Sobre a proposta da AGU, a Koinonia alerta que “a aprovação da nova instrução normativa significará um recuo do governo brasileiro no reconhecimento dos direitos das comunidades quilombolas já assegurados pela Constituição Federal. Tal mudança atende, em grande parte, aos interesses do setor ruralista e de algumas corporações transnacionais. Estes setores têm, inclusive, divulgado dados que não correspondem à realidade, onde afirmam, por exemplo, que os quilombolas reivindicam 25% do território brasileiro e que as terras seriam tomadas de fazendeiros e empresas sem o devido processo de desapropriação”.
E ainda: “A chamada ‘consulta’, convocada de última hora pela Advocacia Geral da União, não se configura como um verdadeiro processo participativo e democrático. Os quilombolas estão sendo convocados no final do processo de revisão da instrução que se desenrola há pelo menos dois meses apenas para referendar um texto já acabado”.
Os fazendeiros e transnacionais que lutam contra os direitos dos quilombolas, como a Aracruz Celulose, abriram ainda outras frentes. Uma delas, na Câmara dos Deputados. Representantes dos latifundiários e das transnacionais, os deputados Valdir Colatto (PMDB-SC) e Waldir Neves (PSDB-MS) fizeram um projeto de decreto legislativo pretende suspender a aplicação de decreto editado pelo Poder Executivo em 2003, que estabeleceu procedimentos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação dessas áreas.
À Justiça os latifundiários requerem a declaração de inconstitucionalidade da legislação que assegura a auto-identificação dos quilombolas e conseqüentemente o direito a seus territórios.
Os quilombolas têm direito à propriedade da terra por determinação do artigo 68 da Constituição Federal do Brasil, de 1988. Têm ainda o direito à auto-identificação pelo Decreto 4.887/03 e pela recém instituída Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), fixada pelo Decreto Nº. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007.
Também garante a auto-identificação às comunidades quilombolas a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário pelo Decreto Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002, e promulgada pelo Decreto 5.051, de 19 de abril de 2004.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável por cumprir a lei sobre os quilombolas, publicou editais para regularização dos territórios de Linharinho, São Jorge e Serraria/São Cristóvão, no norte do Estado, e de Retiro, em Santa Leopoldina, na região serrana. Na parte final do processo os quilombolas receberão seus títulos do território. O título é coletivo e a propriedade inalienável.
Isso porque pesquisas científicas realizadas pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) através do projeto Territórios Quilombolas confirmam que os quilombolas capixabas têm direito a um território com cerca de 50 mil hectares, ocupados por empresas. A empresa que mais se apropriou das terras quilombolas no Espírito Santo foi a Aracruz Celulose.
Os efeitos da invasão dos territórios quilombolas foram dramáticos. Em Sapê do Norte, os negros foram forçados a abandonar suas terras: onde existiam centenas de comunidades na década de 70, e hoje restam 37. Ainda na década de 70, pelo menos 12 mil famílias de quilombolas habitavam o norte do Estado e atualmente resistem entre os eucaliptais, canaviais e pastos, cerca de 1,2 mil famílias. No sul do Estado existem 16 comunidades quilombolas.
(Por Ubervalter Coimbra,
Século Diário, 14/12/2007)