Após não conseguirem chegar a um consenso no que seria o último dia de negociação na conferência de Mudanças Climáticas da ONU, na última sexta-feira (14), os representantes de 187 países salvaram as negociações do fracasso, depois da chefe da delegação dos Estados Unidos, Paula Dobriansky, aceitar o documento negociado nesta conferência, denominado "Bali Roadmap (Mapa do Caminho de Bali)". As últimas horas de negociação foram conduzidas em tom emocionado, levando inclusive o secretário-executivo da ONU na Convenção de Mudanças Climáticas, Yvo de Boer, às lágrimas quando questionado por jornalistas sobre as negociações.
A decisão norte-americana só foi tomada após uma série de discursos pressionando os representantes do governo Bush a não emperrarem as negociações em Bali. Primeiro, no meio da manhã, quando as negociações pareciam conduzir ao fracasso, o secretário-geral da ONU, Ban Kin Moon, interveio no meio da sessão: "Todos os países precisam estar dispostos a serem flexíveis e assumirem compromissos", afirmou. Em seguida foi a vez do ministro do Meio Ambiente da Indonésia e presidente da conferência, Rachmat Witoelar, dizer: "Não podemos falhar. Temos a obrigação moral de chegar a resultados concretos nesta conferência".
A formalidade que normalmente norteia os discursos na Plenária foi deixada de lado, quando representantes da África do Sul e de Papua Nova Guiné dirigiram-se diretamente ao governo norte-americano. "Pedimos que os Estados Unidos revejam sua posição para que possamos chegar a um resultado", disse o delegado sul-africano. "Os Estados Unidos precisam tomar sua posição de liderança neste assunto", ressaltou Kevin Conrad, negociador de Papua Nova Guiné. Ambos foram extremamente aplaudidos na sessão, que ansiava por uma mudança de postura da delegação norte-americana.
Cerca de 30 minutos depois de ter se negado a aceitar o Mapa do Caminho de Bali, a chefe da delegação norte-americana cedeu à pressão internacional e as vaias e afirmou: "Viemos a esse encontro para chegar ao Mapa do Caminho de Bali. Queremos trabalhar junto com a comunidade internacional e estamos dando aqui o nosso primeiro passo em direção a uma solução comum para as mudanças climáticas. Nossos esforços começam hoje", colocou Dobriansky.
Segundo se comentava também nos corredores do centro de convenções em Bali, Washington foi pressionado a mudar de idéia depois da grande repercussão do discurso de Al Gore na última quinta-feira na Conferência do Clima, quando ele acusou os Estados Unidos de ser o único culpado pelo possível fracasso das negociações em Bali. A União Européia também contribuiu ao longo das negociações para isolar os Estados Unidos em sua posição. O ministro do meio ambiente da Alemanha, Sigmar Gabriel, por exemplo, ameaçou boicotar o encontro das grandes economias convocado por Bush, que ocorrerá no Havaí no começo de 2008, caso não houvesse um consenso na Indonésia.
Todo o drama vivido em Bali foi apenas para se chegar a uma agenda de trabalho para os próximos dois anos (Mapa do Caminho de Bali), quando os países precisam alcançar um consenso final sobre as novas metas e compromissos que precisarão ser assumidos para o período após 2012, quando termina a vigência do Protocolo de Kyoto. O prazo final para se estabelecer esse segundo período de compromisso, que terá a participação dos Estados Unidos, será em 2009, na conferência de Copenhagen, quando uma rodada de negociações muito mais dramática pode ser esperada.
Até 2009, portanto, será definido o novo Protocolo que entrará em vigor em 2013. Para esse período espera-se que sejam estabelecidas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa entre 25% e 40% (em relação aos níveis de 1990) até 2020 para os países industrializados. Esse percentual foi recomendado pelos cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU). Serão discutidas também que as maiores economias dos países em desenvolvimento, como China, Brasil e Índia, também assumam metas e compromissos internos de redução de suas emissões.
Otimismo brasileiro
A secretária-executiva de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Thelma Krug, disse que o Brasil saiu da Conferência do Clima com a "sensação de dever cumprido". Ela disse que chegar ao Mapa do Caminho de Bali é um sinal de que os países estão mais dispostos e mais flexíveis nas negociações. Segundo ela, o mais importante foi que o Brasil conseguiu incluir definitivamente na agenda da Convenção a proposta de se reduzir emissões através do combate ao desmatamento. O tema de preservação das florestas tropicais foi um dos principais tópicos tratados na conferência e vários avanços foram obtidos em direção a criação de mecanismos de financiamento e apoio aos países em desenvolvimento a protegerem suas florestas, como o REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation).
Plano Nacional
Sobre a elaboração do Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas, Krug informou que até o próximo dia 10 de janeiro, o governo terá um "arcabouço" da Política Nacional e até o final de abril apresentará a primeira versão do Plano para consulta pública. "Temos que trabalhar agora em direção à implementação da agenda contida no Mapa do Caminho de Bali no âmbito do nosso Plano Nacional", finalizou a secretária executiva.
Urgência
Embora o tom geral fosse de otimismo após a colaboração dos Estados Unidos, representantes de organizações internacionais, como a Oxfam International, Amigos da Terra e WWF alertavam para a necessidade de se avançar mais rapidamente nas negociações, já que os relatórios científicos demonstram a urgência do problema climático. "Bali conseguiu, pela primeira vez, estabelecer uma agenda comum para todos os países lutarem contra as mudanças climáticas. Mas, o nível de ambição das negociações ainda não estão no mesmo nível de urgência do problema climático", afirmou Antonio Hill, conselheiro de política climática da Oxfam International.
Nos próximos dois anos, advertiu Stephanie Long, coordenadora internacional de mudanças climáticas dos Amigos da Terra, é necessário que os países desenvolvidos cheguem a resultados concretos que garantam a ajuda necessária aos países em desenvolvimento que são mais atingidos pelos efeitos das mudanças climáticas, como as terríveis inundações em Bangladesh e o avanço da desertificação na África. "Em todo o mundo milhões de pessoas já sofrem os efeitos das mudanças climáticas", sublinhou Long. Já o diretor internacional do programa de Mudanças Climáticas da WWF, Hans Verolme, aplaudiu o fato dos Estados Unidos ter cedido à pressão internacional, mas lembrou que o desafio agora é fazer com que o próximo presidente norte-americano faça "uma contribuição efetiva à luta global contra as mudanças climáticas".
(Por Juliana Radler, Nusa Dua/Bali, Envolverde/Samaúma, 15/12/2007)