O bispo Dom Luiz Flávio Cappio está jejuando e fazendo penitência (pelos pecados dos outros) na beira do Rio São Francisco. Ele não tem nada a ver com o bispo "intransigente" e autoritário de quem fala o padre, autor do infeliz artigo publicado no dia 7/12 na página 4 do jornal O POVO (diário que circula em Fortaleza, CE).
Dom Cappio é um frade franciscano que, há muitos anos, vem visitando, a pé e em canoa, os povoados da beira do rio São Francisco. Conhece e é conhecido pelos pescadores, pelos índios das aldeias, pelos trabalhadores e trabalhadoras que plantam na beira do rio. Conhece as barragens das hidroelétricas que barram o curso do rio, modificando seu equilíbrio tão precário; os esgotos das indústrias que poluem o rio; o desespero dos pescadores que não tem mais o que pescar; a tristeza dos povoados, tão perto do rio, mas sem água e sem energia elétrica...
O bispo tentou dizer em voz mais alta as preocupações dos pescadores, dos índios dos trabalhadores que ninguém queria escutar: "O que vai ser do nosso rio, fonte da nossa vida? Nosso rio está morrendo!"
O bispo procurou entender o debate dos técnicos, muitos deles contrários à transposição por motivos ecológicos e econômicos: o rio não vai agüentar mais uma retirada de águas; a água não vai chegar aos pobres do Ceará ou do Rio Grande do Norte que não têm água; ela vai servir para a siderúrgica do Pecém, vai servir para as agroindústria do Apodi, mas não vai dar água ao Sertão dos Inhamuns ou ao Sertão Central; o custo da água vai ser tão alto que vai encarecer a água e a energia de todo nordeste; a ANA sugeriu outros investimentos mais difusos no território e bem mais baratos para solucionar a falta de água do semi-árido.
O Bispo pediu que se discutisse com clareza a problemática, sem chantagens emocionais e sem pressões das poucas grandes empreiteiras, interessadas nos rios de dinheiro público. Como no caso do Castanhão, ninguém quis ouvir as alertas de quem lembrava que a obra estava sendo construída em cima de uma falha geológica e que podia causar tremores de terra. Como no tempo da privatização da Vale do Rio Doce, ninguém quis questionar a entrega do patrimônio nacional a preço de banana.
Então o bispo, já em 2005, foi fazer sua penitência (para os pecados dos outros), na beira do Rio São Francisco que tem o nome do seu santo. Índios, pescadores, trabalhadores, religiosos, cientistas foram visitá-lo e solidarizar-se com o bispo. A justiça emitiu 20 medidas cautelares, embargando as obras da transposição. O Presidente concordou em abrir um debate nacional sobre a transposição.
O Bispo acreditou nas palavras das autoridades, porque ele não sabe mentir e acha que assim aconteça com os outros também. O Bispo interrompeu o jejum. O povo foi se organizando sempre mais na beira do São Francisco, no Ceará, no Pernambuco, no Rio Grande do Norte... E o debate nacional? Foi por águas abaixo. Censura total. As medidas cautelares foram derrubadas, movimentos populares foram cooptados. As razões das empreiteiras não podem ser debatidas!
Foi por isso que o Bispo retomou seu jejum e oração, na beira do Rio. Você pode estar a favor ou contra a transposição, mas o que deve ser discutido é o jeito melhor do povo viver no semi-árido, utilizando todos os recursos naturais e econômicos para devolver terra, água e vida aos nordestinos. É isso que o bispo está implorando com sua penitência. É por isso que está arriscando sua vida: pelo seu compromisso franciscano e evangélico com a vida do rio e a vida dos pobres.
(Por Pe Maurízio Cremaschi, Pe Vileci Basílio Vidal,
Adital, 12/12/2007)