Em entrevista concedida a este jornal em 2004, o então presidente chileno, Ricardo Lagos, dizia: "A camada de ozônio nos intimida e tenho problemas no sul do Chile, mas as emissões são no norte. E onde vou reclamar?" Lagos repetiu essa queixa em diversos fóruns e hoje é um dos três enviados especiais à conferência sobre mudança climática nomeados pelo secretário-geral da ONU. No entanto, vários grupos ecologistas chilenos questionaram sua nomeação, o batizaram sarcasticamente de "Capitão Planeta" e falaram de sua "indiferença" pelos assuntos ambientais.
Esse confronto entre um político progressista de pouca consciência ambiental e organizações ecológicas marca a esquizofrenia que reina nos chamados países em desenvolvimento quanto à mudança climática. Durante a gestão de Lagos, o Chile experimentou um considerável crescimento econômico e certa modernização, à custa de atividades pouco respeitosas com o ambiente, como a geração de hidroeletricidade, a mineração, a pesca industrial ou a construção de uma rede de autopistas urbanas em Santiago, uma das cidades mais poluídas do continente.
Essa mesma atitude era justificada há alguns meses na ONU pelo ex-presidente argentino Néstor Kirchner, quando disse que as políticas comerciais de alguns países desenvolvidos "nos obrigam a superexplorar nossa base de recursos naturais". Kirchner qualificou os países em desenvolvimento de "credores ambientais dos desenvolvidos" e considerou que existe uma "dívida moral e ambiental que deve ser devidamente reparada para resolver as desigualdades expostas pelos efeitos adversos da mudança climática".
Apenas seis anos depois da grave crise econômica de 2001 e a falência do sistema e de milhares de empresas, a Argentina se recuperou sem levar em conta o aquecimento global. De fato, quando este jornalista telefona para escritórios de Santiago ou Buenos Aires para saber das atuações dos governos, a primeira coisa que lhe lembram é que os países em desenvolvimento não têm nenhuma obrigação de cumprir Kyoto. No entanto, tanto o Chile quanto a Argentina implementaram programas para reduzir os efeitos do aquecimento, sobretudo em relação à venda de créditos de carbono. Kirchner é da Patagônia, a região mais vulnerável aos efeitos da mudança climática por sua proximidade do Pólo Sul e, como insistia Lagos, do buraco de ozônio.
O diretor da ONG Fundação Patagônia Natural, José María Musceci, explica de Puerto Madryn (lugar para a observação de baleias) que é possível que "os patagônios tenham maior sensibilidade para o meio ambiente", mas acredita que é pouco relevante: 90% dos argentinos vivem na cidade. Segundo uma pesquisa recente, 75% dos moradores de Buenos Aires associam fenômenos meteorológicos como a forte precipitação de granizo no ano passado ou a nevada deste inverno ao aquecimento global; 68% dos pesquisados acreditam que sofrerão suas conseqüências, mas o interessante é que 40% declaram desconhecer o que significa a mudança climática.
(Por Robert Mur, La Vanguardia, tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves,
UOL, 14/12/2007)